Começou esta sexta-feira mais uma edição do Festival Internacional de Cultura de Cascais e o primeiro dos debates programados juntou, no Auditório Maria de Jesus Barroso da Casa das Histórias Paula Rego, Caetano Veloso, que ainda há poucos dias atuou no Coliseu de Lisboa com Teresa Cristina, e o seu amigo de longa data Antonio Cícero, poeta e filósofo brasileiro.
Numa conversa moderada por Inês Pedrosa, os dois amigos procuraram responder à pergunta “A identidade cultural é uma utopia?”, mas sem grande sucesso. No final, até houve quem pedisse algo como “podem responder ao tema da conversa?”, ao que a escritora portuguesa respondeu com toda a sinceridade do mundo: “Não temos resposta a essa pergunta!”
Ainda assim, não faltou tema. Durante mais de uma hora, e perante um auditório cheio, Caetano e Antonio Cícero tentaram definir a identidade cultural brasileira, construindo pontes com Portugal. “Uma coisa interessante no Brasil foi ter-se pensado muito para entender a identidade. Porque nós não sabíamos quem éramos”, referiu Cícero, explicando que essa reflexão só começou a ser feita no início do século XX. Para o poeta, o interessante e “fundamental” na cultura brasileira é “essa capacidade de fusão de todas as culturas — fusão racial, religiosa“.
Sobre a questão da diversidade cultural brasileira, Caetano Veloso lembrou o caso de José Bonifácio, um intelectual e naturalista brasileiro que ficou conhecido por “Patriarca da Independência”, pelo seu papel fundamental no processo de independência do Brasil. Bonifácio, que ocupou o cargo de ministro do Reino e dos negócios estrangeiros durante o reinado de D. Pedro I (IV de Portugal), criou um plano para o Brasil “que ele chamava de amálgama” e que tinha como objetivo dar a todos os brasileiros os mesmos direitos através da abolição da escravatura.
“A proposta dele era, primeiro, abolir a escravatura e, segundo, passar a considerar aqueles que tinham sido brutalizados pela escravatura como irmãos e concidadãos. O mesmo com os índios”, explicou Caetano. “José Bonifácio supunha mesmo a criação de uma nova raça, que era a raça mestiça brasileira.” Uma ideia que, porém, nunca chegou a andar para a frente devido à oposição dos defensores da escravatura.
Durante o debate, falou-se também de Agostinho da Silva, de quem o cantor brasileiro recebeu um grande elogio depois de o ter conhecido na década de 70 em Lisboa. Caetano Veloso, que estava na altura exilado em Inglaterra, passou por Portugal (sem se lembrar exatamente a que propósito). Por intermédio de um amigo próximo, o baiano Roberto Pinho, que tinha sido aluno de Agostinho, teve a possibilidade de se encontrar com o professor no hotel em que estava hospedado. “Ouvi muita coisa, falei muito poucas coisas”, lembrou. “Sem falsa modéstia, ele depois escreveu para o Roberto a dizer: ‘Gostei do seu amigo. Pensa bem, fala bem, age bem’. Eu não tinha feito nada!“, disse entre risos.
No final da conversa, houve ainda tempo para falar sobre a situação atual no Brasil. Questionado por Inês Pedrosa, Caetano Veloso descreveu a realidade brasileira como “muito difícil”. “A impressão que me dá é que nada vai ser bom”, disse, sem desenvolver mais o tema. Já Antonio Cícero considerou que é preciso “modificar” as coisas porque “da maneira que está, não está bem”. Descrevendo o processo de impeachment de Dilma Rousseff como “um grande progresso, apesar da situação em que a gente se encontra”, o poeta e filósofo admitiu não ter resposta para o problema brasileiro. “Não tenho resposta, mas é uma questão que está no ar — como é que se pode ter um governo democrático no Brasil?”
O FIC continua até dia 18