O julgamento do suspeito da morte de 11 pessoas num posto militar no interior da ilha cabo-verdiana de Santiago arranca esta quinta-feira, seis meses após os acontecimentos que abalaram a sociedade cabo-verdiana e provocaram várias mexidas nas Forças Armadas.

O julgamento, que será aberto ao público e conduzido pelo Tribunal Militar, arranca às 9h (11h em Portugal) e será realizado no comando da 3.ª Região Militar, situado em Achada Limpo, cidade da Praia.

No dia 26 de abril, 11 pessoas – oito militares e três civis, incluindo dois cidadãos espanhóis – foram encontradas mortas no destacamento militar de Monte Txota, no concelho de São Domingos, noroeste da ilha de Santiago, a 30 quilómetros da cidade da Praia.

Dos três civis, dois eram técnicos de nacionalidade espanhola, que se encontravam em Cabo Verde a prestar serviços no local e um de nacionalidade cabo-verdiana que também trabalhava com a equipa espanhola.

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O principal suspeito das mortes, que aconteceram um dia antes, é Manuel António Silva Ribeiro, 23 anos, mais conhecido por “Entany”, um soldado do mesmo posto, que foi capturado no bairro da Fazenda, na cidade da Praia, cerca de 24 horas depois da descoberta dos corpos.

Desde então, o soldado, que confessou as mortes, encontra-se em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional Militar a aguardar o julgamento.

Segundo as primeiras investigações internas realizadas pelas Forças Armadas, um desentendimento com um colega, que resultou em confrontos físicos, seguidos de troça por parte de outros colegas, terá estado na origem das mortes.

Na altura, familiares de Entany avançaram à agência Lusa que na origem das mortes poderão estar alegados maus tratos de que o jovem seria alvo no destacamento no interior de Santiago.

As Forças Armadas consideraram os maus tratos uma “prática condenável” na instituição, mas salientaram que no serviço militar as pessoas estão sujeitas a “alguns sacrifícios que na vida civil não passam”.

Os acontecimentos abalaram a sociedade cabo-verdiana, levantaram várias questões sobre o funcionamento das Forças Armadas, e daquele destacamento em particular, e lançaram o debate em torno das condições de funcionamento e dos critérios de recrutamento dos soldados.

Em causa está, entre outros aspetos, a existência de indícios de que os corpos das 11 vítimas só foram descobertos mais de 24 horas depois da hora das mortes, o que levantou dúvidas sobre as rotinas de funcionamento do posto e contacto com o comando.

Na sequência, várias figuras da hierarquia da instituição colocaram o cargo à disposição, sendo umas delas o então Chefe de Estado Maior das Forças Armadas (CEMFA), Alberto Fernandes, que foi substituído pelo então comandante da Guarda Costeira, Anildo Morais.

Durante a tomada de posse, o novo representante máximo das Forças Armadas prometeu “tudo fazer” para repor o prestígio que a instituição castrense tem dentro da sociedade cabo-verdiana.

Um inquérito às mortes concluiu que não foram cumpridos “escrupulosamente” determinados procedimentos, sobretudo os de controlo do posto, e as Forças Armadas anunciaram a instauração de processos disciplinares aos responsáveis.