Título: “História das Relações Portugal-EUA”
Autor: Tiago Moreira de Sá
Editora: D. Quixote

eua portugal

A política de um Estado está na sua geografia, dizia – ao que se diz – Napoleão. Virada desde muito cedo para o mar, Lisboa está, mais coisa menos coisa, no mesmo paralelo que Nova Iorque e Washington, as capitais americanas e portuguesa, separadas e ligadas, frente a frente, pelo Atlântico norte, em que sobressaem, como pedras no meio de um grande charco em que um gigante poderia pousar o pé, os Açores, sempre no centro da história comum.

Em 1822, antes da proclamação da independência do Brasil, a superfície de Portugal em toda a extensão dos territórios sob soberania da Monarquia portuguesa era muito superior à dos 24 Estados que compunham então os Estados Unidos da América. Sem o Brasil, seriam domínios sensivelmente iguais em extensão. As populações somadas de Portugal, Brasil e demais territórios portugueses eram equivalentes à do imberbe Estado Federal, que estava na sua infância por esses anos (a proclamação da independência das colónias britânicas da América do Norte data, como toda a gente sabe, de 1776), com os seus cerca de 10 milhões de habitantes.

Estava a iniciar-se a colonização da Florida. A oeste, o México era ainda espanhol, estavam por explorar o Texas e outras grandes regiões dos Estados Unidos de hoje. A Luisiana fora comprada a Napoleão não havia muito. Os recém-nascidos United States of America estavam, no entanto, na rota que os levaria a ser a ‘nação indispensável’, potentado económico e potência militar sem paralelo, farol cultural de irradiação universal. Portugal tinha uma velha história de muitas centenas de anos mas entrava no malfadado século XIX de ocupação estrangeira e guerra civil endémica. Salvo algumas desgarradas páginas menos inglórias ou até heróicas, foi um século de quase permanente bancarrota nacional, dependências e humilhações.

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As relações entre Portugal e os EUA já se tinham então iniciado, sob bons auspícios, embora com as cautelas diplomáticas impostas ao governo português pelos equilíbrios de poder europeus e pelos interesses ultramarinos portugueses: Portugal fora o terceiro país a reconhecer a independência americana. É o curso dessas relações já duas vezes centenárias que Tiago Moreira de Sá explora metodicamente na sua minuciosa História das Relações Portugal-EUA (1776-2015) – o primeiro estudo publicado entre nós que aborda de forma sistemática estas relações desde os seus primórdios até à atualidade.

De 1776 a 2015, em termos físicos, a relação entre Portugal e os Estados Unidos mudou muito: os atuais 50 Estados que compõem os EUA ocupam uma área que é cerca de 90 vezes a do ‘rectângulo’ de Portugal Continental. A população dos Estados Unidos é 30 vezes a nossa. ‘Pasmo e terror’ são palavras que hoje mais depressa associamos à tática americana na guerra do Iraque do que a Afonso de Albuquerque, o Grande, na sua vitoriosa campanha do Índico, cem anos antes de chegarem à América os primeiros ‘peregrinos’.

Tiago Moreira de Sá não é um novato na investigação das relações entre os Estados Unidos e Portugal. Antes deste livro, publicou Os americanos na revolução portuguesa, Os Estados Unidos da América e a democracia portuguesa e o revelador Carlucci vs. Kissinger. Os Estados Unidos e a Revolução Portuguesa (em co-autoria com Bernardino Gomes, recentemente desaparecido) ou Os Estados Unidos e a descolonização de Angola, bem como um recente e longo ensaio sobre Política Externa Portuguesa.

Não vejo – mas quem sou eu? – que na copiosa bibliografia que cita no seu diligente estudo lhe tenha escapado nenhuma referência importante – além de ter investigado numerosas fontes primárias da história deste relacionamento, em que intervieram pelo lado de Portugal grandes diplomatas pouco lembrados e figuras que toda a gente conhece a outros títulos como Almeida Garrett. É feliz a ideia de incluir uma espécie de ‘extra-textos’ dedicados a alguns temas ‘marginais’ ou a curiosidades (O ‘quarto do Abade Correia em Monticello’ ou ‘A passagem de Roosevelt pelos Açores em 1815’) – à maneira das brilhantes ‘cápsulas’ da Europe do historiador inglês Norman Davies. Não é totalmente bem-sucedido o meritório e ambicioso esforço de contextualização ‘global’ da relação bilateral entre os dois países.

É um exagero dizer que as relações entre os Estados Unidos e Portugal tenham sido sempre idilicamente ‘impecáveis’. A relação entre os dois países teve altos e baixos. Parece uma banalidade, quando devíamos saber, com Lorde Palmerston, que ‘as nações não têm amigos ou inimigos permanentes, só interesses permanentes’. Tem-se tornado uma dolorosa evidência. Por ironia do destino, Francis Fukuyama publicou o ensaio que esteve na origem do seu famoso livro sobre O fim da história e o último homem numa revista intitulada The National Interest. Mas o certo é que, com maior ou menor animosidade mútua, os nossos desacordos ou conflitos nunca chegaram a vias de facto, o que não se pode dizer das relações entre os Estados Unidos e a maternal Grã-Bretanha da ‘relação especial’, a fraternal França, a Alemanha, o Japão ou até, sem declaração de guerra, a China e antes outros

Em qualquer caso, a publicação da História das Relações Portugal-EUA é especialmente oportuna neste ano em que se decide quem liderará a América nos próximos quatro anos. É, à sua maneira, um livro ‘indispensável’.