Hoje, começamos com uma citação do wikipedia: “o Algarve (do árabe al-Gharb), foi considerado, durante séculos, e até à proclamação da República Portuguesa em 5 Outubro 1910, como o segundo reino da Coroa Portuguesa — um reino de direito separado de Portugal, ainda que de facto não dispusesse de instituições, foros ou privilégios próprios, nem sequer autonomia — na prática, era apenas um título honorífico sobre uma região/comarca que em nada se diferenciava do resto de Portugal. Note-se que nunca nenhum rei português foi coroado ou saudado como sendo apenas ‘Rei do Algarve’ — no momento da sagração, era aclamado como ‘Rei de Portugal e do Algarve’ (até 1471), e mais tarde como ‘Rei de Portugal e dos Algarves’ (a partir de 1471).
No dia em que Portugal joga com a Letónia no Estádio Faro/Loulé, para a quarta jornada da qualificação rumo ao Mundial-2018, o assunto Algarve é naturalmente repescado. Falamos de uma fortaleza única para a seleção, imbatível no sul do país entre nove vitórias e três empates desde 1977, ano da ideia peregrina da federação em estender os seus tentáculos até ao São Luís. O estádio do Farense recebe o último jogo de apuramento para o Mundial-78, vs. Chipre. Como a seleção já não tem qualquer hipótese de apanhar a Polónia no primeiro lugar do grupo, o desânimo é total e só lhe resta ganhar para acabar com dignidade. Seninho e Chalana marcam na primeira parte, Vital e Manuel Fernandes na segunda. Acaba 4-0 num dia em que a notícia mais sensacional é o comunicado da RTP sobre o emagrecimento da telenovela brasileira “Gabriela”.
A RTP anuncia 160 episódios e só transmite 130. Cadê os outros 30? Os jornalistas perguntam a quem de direito. Raúl Junqueiro, um dos administradores da RTP, chuta a bola para canto. “Só demos o que a Globo enviou.” Muito bem, e porque anunciar então os 160 episódios? “Isso foi um equívoco”. Será? A dúvida cresce, a polémica também. Os indícios são mais-que-evidentes porque a) o actor Paulo Gracindo, intérprete do Coronel Ramiro, vai ao programa Cornélia e fala da cena de um tiro no seu funeral que não passa em Portugal e b) no final de um dos episódios, nas cenas do próximo capítulo, aparece Nacib a fugir apressadamente do tiro de um coronel e ninguém chega a ver isso por cá.
O jogo seguinte no Algarve é em Portimão, com o Luxemburgo. Em Fevereiro 1986, o selecionador José Torres está mais interessado em rodar jogadores para o Mundial do México. Daí que inclua Damas, então no Portimonense, a titular no lugar do capitão Bento. A vitória é assegurada nos primeiros 21 minutos, com dois golos de cabeça, de Frederico e Gomes, ambos a cruzamentos de Carlos Manuel.
A dinâmica de vitória mantém-se a 12 Fevereiro 1992, uma quarta-feira, vs. Holanda. Sem o influente Futre, a seleção de Queiroz ganha 2-0 a uma laranja sem sumo (nem Rijkaard, Gullit e Van Basten). Já Portugal estreia o boavisteiro Paulo Sousa, o sportinguista Paulo Torres e a dupla estorilista Hélder mais Paulinho. Os golos pertencem a Oceano mais César Brito e o resultado até peca por escasso se atendermos à bola à barra de Domingos.
O quarto capítulo desenha-se em Fevereiro 1993, com a Noruega. É o regresso de Futre, autor de dois falhanços à boca da baliza, aos 39 e 42 minutos, e a oportunidade de ver Figo com a camisola 11. Na segunda parte, Oceano dá-nos vantagem de cabeça aos 57′ e Sorloth empata aos 87′. O “passa-corre-remata”, o futebol rectilíneo, os passes de 30 metros e a disponibilidade física dos noruegueses atrapalham a magia do toque nacional. Por alguma razão, a Noruega qualifica-se para o Mundial-94 (num grupo com Inglaterra e Holanda) e Portugal não (com Itália e Suíça).
Passam-se uns anos, vira-se o século. Em Agosto 2001, Portugal satisfaz as gentes do Algarve vs. Moldova organizada e concentrada. Um cabeceamento de João Pinto à barra (29′) acorda a seleção para a necessidade de marcar e isso só acontece bem perto do intervalo, por Figo, de penálti, após falta de Covalenco sobre Nuno Gomes. O 2-0 surge novamente na transformação de um castigo máximo, é o bis de Figo. O capitão faz história com um hat-trick que o isola no segundo lugar dos goleadores de todos os tempos, com 25 golos. Quem não gosta do 3-0 é o selecionador moldavo Alexandr Spiridow: “Portugal não precisava dos favores do árbitro para ganhar”, numa alusão aos dois indiscutíveis penáltis.
Três anos depois, eis a inauguração do Faro/Loulé, um dos estádios construídos de raiz para o Euro-2004. O ilustre convidado é a Inglaterra. O jogo é antecedido de uma grande festa de homenagem a Luís Figo, por ocasião da 100.ª internacionalização. É o segundo português de sempre a alcançar tal marca, a seguir a Couto, que gentilmente lhe cede a braçadeira na primeira parte. Com todas as atenções centradas em Figo e Beckham, é Pauleta quem se evidencia com um livre direto à Beckham em resposta ao 1-0 do estreante Ledley King.
Outa bez? Outa bez o Luxemburgo? Yup, a rapaziada gosta do Algarve. No dia 3 Setembro 2005, um sábado, para a qualificação do Mundial-2006, o brasileiro Scolari seleciona um onze com dez estrangeiros. Só escapa Ricardo, do Sporting. De resto, é um ver se te avias entre Paulo Ferreira (Chelsea), Jorge Andrade (Depor), Ricardo Carvalho (Chelsea), Nuno Valente (Everton), Costinha (Dínamo Moscovo), Maniche (Dínamo Moscovo), Figo (Inter), Deco (Barcelona), Ronaldo (United) e Pauleta (PSG). A brincadeira acaba em 6-0, com bis de Pauleta e Simão. Antes, os centrais Jorge Andrade e Ricardo Carvalho indicam o caminho da goleada.
Sustenha a respiração, se faz favor. O Luxemburgo ainda visitaria o Algarve mais uma vez, em 2011, na era Paulo Bento. Dessa vez, a conta fixa-se nos cinco-zero com golos de Postiga, Ronaldo, Coentrão, Hugo Almeida e Hugo Almeida. Entre esse Luxemburgo e o de 2005, a seleção joga no Faro/Loulé com a Finlândia em Fevereiro 2009. Resolve um penálti de Ronaldo na tarde das estreias dos bracarenses Eduardo (titular) e Orlando (suplente). Ronaldo, Ronaldo e Ronaldo. É ele o Rei de Portugal e dos Algarves. Nos últimos três jogos no Faro/Loulé, três golos no 2-0 ao Panamá, 1-1 com Holanda e 1-0 à Arménia. Que se cuide a Letónia este domingo.
