O ex-Presidente são-tomense Miguel Trovoada, que em 1997 suspendeu as relações diplomáticas com Pequim e aproximou São Tomé e Príncipe de Taiwan, considerou esta quarta-feira “absolutamente normal” a decisão do Governo atual de inverter essa decisão.

“Não me causa estranheza nenhuma, na medida em que, o que foi feito em 1997, quase 20 anos depois conheceu uma evolução. As relações entre os Estados não são estáticas, a vida política também não é estática”, disse Miguel Trovoada, pai do atual primeiro-ministro, em declarações à Lusa por telefone.

O chefe do Governo, Patrice Trovoada, explicou que a rotura unilateral de relações com Taiwan foi “a mais acertada para São Tomé e Príncipe”, tendo em conta a visão do Governo para o desenvolvimento do país. “No que diz respeito a Taiwan, decidimos o princípio de aderir a uma só China e ao aderir implica o corte das relações com Taiwan. O cenário internacional, há 20 anos, não é o mesmo de hoje”, acrescentou.

Instado pela Lusa a comentar a decisão do Governo, Miguel Trovoada recordou que “o primeiro-ministro lidera um Governo que resulta de uma maioria absoluta conferida pelo povo são-tomense”, pelo que está na posição de “avaliar os interesses do país”. “Eu, quando o fiz, em 1997, (…) pareceu-me ser a melhor decisão para corresponder aos interesses do povo são-tomense”, afirmou o ex-presidente, sublinhando que essa decisão “não era uma pedra lapidar” que não fosse possível mudar.

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Não vejo por que razão as coisas possam parecer estranhas. Aconteceu há 20 anos. (…) A China de hoje é igual à de há 20 anos? A situação económica internacional, as relações de força hoje são o que eram há 20 anos? A posição da China no mundo é o que era”, questionou.

Para Miguel Trovoada, a decisão do Governo “foi tomada em consciência, tendo em conta uma série de parâmetros”. “Com certeza que o Governo acautelou os interesses atuais e futuros do povo são-tomense. Estou confiante”, concluiu.

O Governo são-tomense anunciou na terça-feira o corte de relações diplomáticas com Taiwan e o reconhecimento de “uma só China”. Em reação, o Governo chinês agradeceu a decisão a São Tomé e Príncipe pela decisão reconhecer a República Popular da China, aceitando Pequim como o único Governo legítimo de toda a China, enquanto Taiwan acusou o país lusófono de pedir “uma quantia astronómica em apoio financeiro” e lamentou “a decisão abrupta e hostil do Governo” de Patrice Trovoada.

Pequim considera Taiwan uma província chinesa e defende a “reunificação pacífica”, mas ameaça “usar a força” caso a ilha declare independência. Já Taiwan, a ilha onde se refugiou o antigo Governo chinês depois de o Partido Comunista (PCC) tomar o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China.

Quando São Tomé decidiu reconhecer Taiwan, a ilha era um dos quatro “tigres asiáticos”, ao lado da Coreia do Sul, Hong Kong e Singapura. Apoiada numa pujante economia, Taiwan investia muito dinheiro na expansão do seu espaço político internacional.

Entretanto, a República Popular da China tornou-se a segunda maior economia mundial, com as maiores reservas cambiais do planeta, no valor de 3,44 biliões de dólares. Desde 2000, Pequim concedeu quase 100 mil milhões de dólares (96 mil milhões de euros) em assistência financeira aos países africanos, tornando-se o principal parceiro comercial do continente.

O corte de relações com Taiwan abre a porta à entrada de São Tomé no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, conhecido como Fórum Macau, criado em 2003 por Pequim. A decisão de São Tomé reduz para 21 os Estados que mantêm laços diplomáticos com Taipé, incluindo dois em África — Suazilândia e Burkina Faso — e a Santa Sé.