Por norma, uma imagem vale mais do que mil palavras. Neste caso, mil palavras valem uma imagem. Num artigo assinado no El País, José Luis Zapatero, antigo presidente do governo de Espanha entre 2004 e 2011, explicou de forma sentida a relação com Carme Chacón, ex-ministra da Habitação e primeira mulher com a pasta da Defesa espanhola na gestão socialista. E como um café lhes mudou a vida nos últimos 17 anos.

“Conheci a Carmen, a Carme, em abril de 2000. Recordo o nosso primeiro café, no Congresso dos Deputados, essa instituição por quem a Carmen sentia respeito e paixão. Falámos durante muito tempo do Partido, de Direito Constitucional, da Catalunha, do Congresso do PSOE que haveria mais à frente… E foi nesse café que iniciámos uma longa amizade e um trajeto partilhado durante 17 anos”, recorda, antes de cinco frases seguidas sempre com uma palavra em comum: “primeira”.

“Foi a primeira companheira catalã que se juntou à minha candidatura no 35.º Congresso. Foi sempre a primeira a defender o nosso projeto e a nossa política. Foi também a primeira a reivindicar as suas origens de Baix Llobregat, essa comarca de trabalhadores e socialistas. Foi a primeira no ranking da lealdade, a primeira na disposição de trabalhar, a primeira na lista por Barcelona em 2008, com um resultado histórico. Foi a primeira ministra da Defesa do Governo de Espanha, e trabalhou como tal, com sentido de responsabilidade e eficácia”, escreve.

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Zapatero teve 17 mulheres nos seus elencos governativos. Elogia todas, pelo que lutam e lutaram pela igualdade de género. Mas percebe-se que era a “protegida”. E percebe-se porquê: acolheu pastas difíceis em momentos conturbados, mas nunca deixou de ser fiel aos seus princípios e convicções para transformar problemas em soluções.

Exemplos: em 2007, quando agarrou a pasta da Habitação com a bolha imobiliária a rebentar, desenvolveu o projeto público de ajuda ao arrendamento de casas para jovens entre os 22 e os 30 anos, ao mesmo tempo que criou novas e mais céleres formas de resolver os contenciosos em torno do assunto; em abril de 2008, depois de ter a melhor votação desde 1982 nas eleições gerais por Barcelona, tornou-se a primeira ministra da Defesa mesmo estando grávida de sete meses e, ao quinto dia com a pasta, foi visitar as tropas espanholas no Afeganistão.

O antigo presidente do governo de Espanha recorda-se bem desse momento e remata o texto citando o dia em que Carme soltou a célebre frase “Capitán mande firmes” em Herat, no oeste do Afeganistão. “Firmes nas ideias e nos valores da convivência. Firmes nos afetos. Firmes pensando em ti, companheira”, exclamou depois de ter dado a receita para o futuro: “Hoje precisamos de viver e sofrer esta perda, precisamos de recordá-la, precisamos sentirmo-nos juntos evocando-a. Precisamos de fazer isso para começar de novo, porque ela foi assim na vida, a começar de novo perante os momentos difíceis: ‘Jose, nada, há que seguir‘”.

O dia em que houve tréguas no PSOE

Os candidatos a secretário-geral do PSOE interromperam durante toda a semana os seus atos de campanha, tendo marcado presença nas últimas homenagens a Carme Chacón.

Susana Díaz, que era apoiada pela antiga ministra da Habitação e da Defesa – esse anúncio foi o último ato público que teve em Madrid, a 26 de março –, estava visivelmente abalada: “Era uma mulher extraordinária, nobre, valente, doce, carinhosa, rebelde, muito trabalhadora, honesta e não deixava ninguém indiferente”.

“Não só foi exemplar na sua ação política como abriu muitos caminhos para nos sentirmos feministas. A sua memória ficará nos nossos corações”, comentou Pedro Sánchez. “Hoje, todos os socialistas choram juntos e isso só é possível com as grandes referências. Partiu uma das nossas, uma das grandes”, referiu Patxi López.

“Para todos os companheiros: uma notícia como esta devia levar-nos a discutir as coisas importantes”, resumiu Felipe González, presidente do governo entre 1982 e 1996, entre muitas outras personalidades do PSOE e da vida política espanhola que passaram pelo velório, como identifica a reportagem do El País.