Não se pode ir a lado nenhum hoje em dia sem deparar com pessoas de headphones postos, a ouvirem música nos telemóveis ou nos iPod, fechadas na sua bolha sonora. Baby (Ansel Elgort), o herói de “Baby Driver — Alta Velocidade”, de Edgar Wright, nunca tira os seus headphones, mas tem uma desculpa. Sofre de tinido, o que lhe causa um zumbido permanente nos ouvidos, e a música cobre-o. Baby (é alcunha, por ter cara de miúdo) ficou assim depois de um acidente. O automóvel em que seguia com os pais, que discutiam com violência nos bancos da frente, chocou com um camião, deixando-o órfão e a ouvir mal. Pela lógica, Baby nunca mais na vida deveria querer tocar num carro nem com um pau muito comprido, mas como estamos num filme de Hollywood, onde a lógica muitas vezes não funciona, o rapaz transformou-se num precoce ás do volante. E por ter certo dia roubado um carro cheio de coisas valiosas a Doc (Kevin Spacey), um senhor do crime de Atlanta, tem agora de lhe pagar a dívida como condutor nos assaltos que ele planeia para os seus capangas executarem.
[Veja o “trailer” de “Baby Driver-Alta Velocidade”]
Baby nem é mau rapaz. Vive com o pai adotivo, surdo e paralítico, e poupa o dinheiro que Doc lhe dá no final de cada golpada, para quando a sua dívida estiver saldada, deixar a vida de crime. Esse momento está perto – julga ele -, já que só falta mais um assalto, mais uma corrida, para dizer adeus ao submundo. Aqui chegados, convém dizer aos aficionados de “heist movies” (ou filmes de assaltos”) com carburante de perseguições automóveis, que “Baby Driver-Alta Velocidade” não é um “O Profissional”, de Walter Hill, um “Ronin”, de John Frankenheimer, nem sequer um “Drive-Risco Duplo”, de Nicolas Winding Refn. É um “pastiche” deste subgénero do policial, muito pop, muito “cool”, todo cheio de pose, todo a fazer-se ao público adolescente, e a sua única nota original está no facto da música que Baby ouve nos iPod (tem milhentos, um para cada dia ou estado de espírito) ser a própria banda sonora do filme e fornecer-lhe o ritmo. (E é claro que a “playlist” de Baby não inclui Bach, Satie ou Miles Davis.)
[Veja a entrevista com o realizador Edgar Wright]
[Veja a entrevista com Kevin Spacey]
https://youtu.be/3DP6WEy2LSo
Na sua Inglaterra Natal, Edgar Wright realizou o excelente “Zombies Party” (2004), o disparatado e divertidíssimo “Esquadrão de Província” (2007) e a delirante comédia de FC apocalíptica “The World’s End” (2013), todos escritos com Simon Pegg. Nos EUA, e sem Pegg a colaborar no argumento, Wright filmou o intragável “Scott Pilgrim Contra o Mundo” (2010) e agora, este inconsequente “Baby Driver-Alta Velocidade”. A conclusão é que com Pegg, Wright brilha, sem Pegg, despista-se. Apesar das perseguições com prego a fundo e dos malabarismos com a quarta metida, dos pneus a chiar e dos carros da polícia despistados, dos clichés de filme de ação regurgitados com piscadelas de olho cinéfilas, dos capangas de má catadura postiça e verbalidade sub-tarantinesca, do subenredo romântico “cute” entre Baby e a criada do “diner” (a mimosa Lily James, de “Downton Abbey” e “Cinderela”), da violência sanguinolenta servida em dose reforçada no final, do esforço de Kevin Spacey para trazer alguma seriedade institucional e das tentativas de Ansel Elgort para parecer enigmático, estiloso e “icónico”, a fita não vai muito longe.
[Veja a entrevista com o elenco do filme]
Sobram os seis minutos da inspirada abertura, filmada ao cronómetro e montada à lupa, que infelizmente não volta a ter igual no resto da fita, uma sequência piadética de preparação de um assalto a uma agência de correios envolvendo Baby, o Doc de Kevin Spacey e o seu sobrinho miúdo, com estes dois numa variante criminal do provérbio “Tal pai, tal filho”, mais o recurso, nas perseguições, a “duplos” de condução, como deve ser, e que fazem um magnifico trabalho. E temos ainda a possibilidade de nos entretermos a adivinhar de quem são as mais de 40 canções e melodias da banda sonora multigeracional a que o filme está atrelado, e que incluem temas de bandas tão esquecidas como os Golden Earring ou tão imorredoiras com os Jon Spencer Blues Explosion. Se há alguma coisa que Edgar Wright nos dá em “Baby Driver-Alta Velocidade”, em sentido literal como no idiomático, é música. Até o título foi “roubado” a uma canção de Simon & Garfunkel.