O antigo procurador Orlando Figueira — que é acusado pelo Ministério Público (MP) de ter sido alegadamente corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, para arquivar um inquérito criminal relacionado com suspeitas de branqueamento de capitais — envolveu o gestor angolano Carlos Silva, vice-presidente do Millenium BCP, e o advogado Daniel Proença de Carvalho na Operação Fizz.
Num requerimento apresentado nos autos do processo que já se encontra em fase de julgamento — a primeira sessão está marcada para o dia 22 de janeiro de 2018 –, Figueira acusa Carlos Silva de alegadamente ter negociado e ordenado a transferência de uma parte dos cerca de 763 mil euros que são dados pelo MP como o valor total alegadamente pago por Manuel Vicente para supostamente ‘comprar’ o arquivamento das investigações abertas contra si quando era presidente da Sonangol. Já Proença de Carvalho é igualmente acusado pelo antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) de, numa fase posterior aos arquivamentos por si decididos, ter tentado ‘comprar’ o seu silêncio com dinheiro e promessa de emprego.
As novas informações que Orlando Figueira juntou ao autos da Operação Fizz foram reveladas pela revista Sábado e nelas consta a denúncia de um “acordo de cavalheiros” que o próprio procurador terá feito com Proença de Carvalho para proteger o gestor angolano Carlos da Silva — que além de vice-presidente do BCP também é líder do Banco Atlântico Europa.
Questionada pelo Observador, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República assegura que o “Ministério Público encontra-se a recolher e analisar elementos com vista a decidir quais os procedimentos a desencadear no âmbito das respetivas competências”. Isto é, o MP está a analisar as acusações de Orlando Figueira para perceber se existe matéria para a abertura de novas investigações criminais, sendo certo que nem Carlos Silva nem Daniel Proença de Carvalho foram arguidos durante a fase de inquérito da Operação Fizz.
Os pormenores das acusações de Orlando Figueira
De acordo com Orlando Figueira, segundo consta do requerimento divulgado pela Sábado, Daniel Proença de Carvalho ter-lhe-á prometido emprego no futuro e o pagamento de parte das despesas da defesa (que ficariam a cargo de Carlos Silva). Em troca, Figueira teria alegadamente de omitir que teria sido Carlos Silva, homem próximo de Manuel Vicente, a negociar e a ordenar as transferências de parte dos 763 mil euros que o ex-procurador alegadamente recebeu de Manuel Vicente para arquivar os autos de uma investigação criminal aberta contra Vicente por suspeitas de branqueamento de capitais.
Recorde-se que, tal como o Observador noticiou aquando da acusação deduzida contra Orlando Figueira e Manuel Vicente, uma parte das alegadas contrapartidas para Figueira passou pela concessão de um empréstimo do Banco Atlântico Europa no valor de 130 mil euros que, segundo o requerimento de Figueira, terá sido aprovado por Graça Proença de Carvalho, filha de Daniel, e por André Navarro — ambos administradores do banco liderado por Carlos Silva. Tal facto, que se conjuga com a abertura de contas bancárias no Atlântico Europa para a receção de mais de 450 mil euros transferidos por uma sociedade pertença da Sonangol, fez com que o banco tenha sido constituído arguido na fase de inquérito da Operação Fizz.
O escritório de Daniel Proença de Carvalho, a Uria Menendez Proença Carvalho, representou então o o banco liderado por Carlos Silva nos autos do DCIAP, nomeadamente quando a equipa de investigação liderada pelas procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão realizaram buscas às instalações do Banco Atlântico Europa.
Carlos Silva, contudo, apenas foi ouvido como testemunha. Apesar das suspeitas que os investigadores tinham sobre a sua ligação a Manuel Vicente — o Banco Atlântico Europa é, na sua origem, uma criação de Silva fortemente financiada pela Sonangol então liderada por Vicente –, os investigadores entenderam que não tinham provas suficientemente sólidas para acusar Silva. Por isso mesmo, aquando do despacho de encerramento de inquérito, os indícios contra o Banco Atlântico Europa foram arquivados.
Orlando Figueira acusou ainda Carlos Silva de alegadamente ter pago as contas do seu primeiro advogado, Paulo Sá e Cunha, do escritório Cuatrecasas. Pagamentos esses que terão sido alegadamente intermediados por Daniel Proença de Carvalho.
Sá e Cunha deixou recentemente de ser advogado de Orlando Figueira. Apesar de Figueira o acusar de alegadamente ser contra a apresentação do requerimento que foi junto aos autos da Operação Fizz na semana passada, o Observador sabe que as divergências entre Figueira e Sá e Cunha remontam a um período anterior a esse. O ponto alto dessa divergência ocorreu em maio de 2017, quando Figueira insistiu em ser ouvido no Tribunal de Instrução Criminal para requerer o regresso à prisão por encontrar-se numa situação de indigência.
Proença e Silva negam acusações
Tanto Proença de Carvalho como Carlos Silva desmentem Orlando Figueira em declarações enviadas à Sábado. O advogado, tido como um dos juristas mais influentes na economia nacional, classifica as afirmações que constam do requerimento do ex-procurador como “insinuações falsas que só podem provir dos que, implicados no processo, procuram lançar a confusão”. O igualmente presidente executivo da Global Media Group (que detém títulos como o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e a rádio TSF) diz que não teve “qualquer intervenção, nem sequer conhecimento, no processo de saída do dr. Orlando Figueira do Ministério Público nem no seu percurso profissional subsequente”.
Carlos Silva, por seu lado, também desmentiu “cabalmente todas as insinuações sobre alegados contactos, diretos ou indiretos, com o dr. Orlando Figueira para tratamento de assuntos relacionados com o seu percurso profissional ou preparação da sua defesa”. O gestor angolano diz que estas são “matérias” às quais é “completamente alheio”.
Há um mês, um outro arguido do processo (Paulo Blanco, advogado da Procuradoria-Geral da República de Angola em Portugal que foi acusado de corrupção ativa de Orlando Figueira em regime de co-autoria com Manuel Vicente) também tinha juntado aos autos um requerimento a envolver Proença de Carvalho e Carlos Silva nos factos que vão estar sob escrutínio durante o julgamento.
Orlando Figueira está acusado da prática de crimes de corrupção passiva na forma agravada, branqueamento de capitais e falsidade informática. A acusação do Ministério Público é que Figueira terá recebido 763.429,88 euros em dinheiro e empréstimos (além de emprego) de Manuel Vicente, de forma a que arquivasse um inquérito relacionado com a compra de um imóvel no Estoril em 2011.
Manuel Vicente e Paulo Blanco foram acusados pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal dos crimes de corrupção ativa na forma agravada, branqueamento de capitais e falsificação de documento, enquanto Orlando Figueira foi acusado de corrupção passiva na forma qualificada, branqueamento de capitais, falsificação de documento e violação do segredo de justiça. Há ainda um quarto arguido que se chama Armindo Pires, procurador de Manuel Vicente em vários negócios particulares que desenvolveu em Portugal, e que foi acusado dos crimes de corrupção ativa (em co-autoria com Paulo Blanco e Manuel Vicente), de branqueamento e de falsificação de documento.