O soalho de madeira rangia e as entradas de luz denunciavam as teias de aranha e o pó que cobriam vestidos de outras gerações, bonecas de porcelana gastas pelo tempo e uma banheira que, sem propósito específico, enchia o cenário. Foi no sótão da casa de Maria Luísa Olazabal, na duriense Quinta do Vale do Meão — a última propriedade comprada pela mítica Ferreirinha –, que a jornalista Ana Sofia Fonseca foi pela primeira vez invadida por uma ideia curiosa: “Isto dava um filme!”, exclamou a sua voz interior. A ideia espontânea cresceu, ao início sem grande expressão, e haveria de encontrar um rumo próprio. Tantos anos depois, no final de agosto de 2015, Ana Sofia Fonseca iniciava a rodagem do seu primeiro documentário cinematográfico, “Setembro A Vida Inteira”, que estreia esta quinta-feira, dia 15 de março.

Este documentário não tem nada que ver com o facto de o vinho português estar na moda. São coisas, ideias, que te vão ficando ao longo da vida. Isto foi ganhando força e as coisas foram-se conjugando. Houve vontade em querer experimentar, em fazer um documentário cinematográfico. Vontade em contar uma história. Quando assim é, não há como parar essa corrente”, dia Ana Sofia Fonseca ao Observador.

Foi um processo demorado para aqui chegar, com algumas dúvidas à mistura e sentido de dever cumprido no final. O período de filmagens durou praticamente um ano, uma aventura que levou a jornalista a diferentes regiões vitivinícolas — Setúbal, Douro, Alentejo, Madeira e Bairrada — para retratar a vida íntima do vinho português, a personagem principal numa história cheia de histórias. Nem de propósito, escolher as personagens não foi tarefa fácil. Ana Sofia recorda ao Observador como, durante bastante tempo, andou com uma “listinha no bolso”, onde ia adicionando e riscando nomes conforme a razão lhe ditava até chegar aos “atores” e “atrizes” que a partir de quinta-feira enchem a grande tela do Cinema City de Alvalade, de Setúbal e de Leiria.

Comecei a escrever o projeto do documentário num café na Praça das Flores. As coisas foram acontecendo. Às vezes vais caminhando sem pensar muito nos passos que dás.

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“Por acaso, arranjei um namoro na vindima!”, ouve-se no trailer que deixa antever uma fotografia cuidada, dedicada a mostrar vinhas e vinhos. Além de pesos pesados da indústria — como os produtores Dirk Niepoort e Luís Pato ou o enólogo Luís Sottomayor, mais conhecido pelo prodigioso Barca Velha –, as gentes da terra são protagonistas de relevo. Ana Sofia dá como exemplo as histórias do homem já reformado que dedicou a vida inteira à tanoaria nas caves de Gaia, dos presidiários que também fazem vinho e dos monges que o guardam. A grande diversidade de intervenientes e de locais fazem com que seja difícil destacar um só episódio mais marcante: “Agora, à distância, é difícil fazê-lo. Mas lembro-me de pensar como a vida se joga em setembro [altura das vindimas] e como o vinho acaba por marcar e conduzir a vida destas pessoas”.

Se o vinho fosse uma pessoa seria alegre, complexo e divertido, mas também com as suas sombras. Seria alguém interessante e bom de conhecer.

“Setembro A Vida Inteira” teve estreia mundial no “International Wine Film Festival”, nos EUA,  e estreia europeia em Espanha, no “MOST International Wine & Cava Film Festival”, onde recebeu o “Grande Prémio do Júri”. De referir que a banda-sonora da longa metragem é assinada por Jorge Palma, que aqui interpreta o fado “Oiça lá, ó Senhor Vinho”, celebrizado pela eterna Amália Rodrigues.