Audi, BMW e Mercedes disputam entre si o grosso das vendas no que respeita aos automóveis de luxo, na Alemanha e fora dela. Tudo gira em torno destes três respeitados fabricantes, mas a luta pelas vendas e pela melhor tecnologia faz aquecer o ambiente entre os três, com o tema da conversa a ser necessariamente quem é o maior, o mais dinâmico e o mais importante. Esta batalha conheceu recentemente mais um episódio, quando a Mercedes resolveu comemorar os 60 anos que decorreram desde que salvou a Audi da falência.

Em 1958 a Auto Union, que resultou da fusão entre a Audi, Horch, DKW e Wanderer, passava ainda por grandes dificuldades económicas, em parte porque a maioria das suas instalações ficaram na Alemanha dominada pelos russos, que trataram de desmantelar as linhas de produção e levá-las para a União Soviética. Valeu-lhes então Friedrich Flick, um alemão que era simultaneamente o maior accionista da rica Mercedes e da pobre Auto Union.

Como industrial que era, Flick percebeu as dificuldades que esta última enfrentava e tratou de convencer – talvez o termo correcto seja ‘obrigar’ – a Mercedes a adquiri-la, no que podia constituir uma excelente oportunidade de negócio. E é exactamente a este momento que a Mercedes faz referência num comunicado, em que afirma que foi ela que salvou a Audi.

A boa ideia que se transformou num erro

A decisão da Mercedes em celebrar o 60º aniversário do salvamento da Audi – que na realidade era a Auto Union, onde estavam inseridos mais três fabricantes alemães – foi uma “maldadinha” que uns alemães resolveram fazer aos outros. Mas analisando a situação ao pormenor, a Mercedes pode ter falhado em parte o seu objectivo, ao chamar a atenção para um episódio da história, em que acaba por não sair muito bem na fotografia.

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Flick em Nuremberga, integrado nos julgamentos aos principais responsáveis pela Alemanha nazi, onde foi condenado e preso durante sete anos

Flick foi um grande industrial, que se movimentava sobretudo nas áreas do aço e do carvão. Fez fortuna durante a Primeira Grande Guerra, para na segunda se tornar no mais rico da Alemanha. Mas tinha ‘uns cadáveres escondidos no armário’, já que o industrial não só era nazi, como inclusivamente integrou um dos julgamentos em Nuremberga, reservados a alemães nazis. E aí não só Friedrich Flick foi considerado culpado, e consequentemente preso, como ficou ainda provado que o accionista principal da Mercedes recorria a trabalho de escravos nas suas fábricas – essencialmente judeus, mas não só –, e que era íntimo de Heinrich Himmler, um dos nazis mais poderosos durante a II Guerra Mundial, que seria considerado um dos maiores responsáveis pelo holocausto.

Flick seria libertado da prisão passados sete anos e continuaria a desenvolver o seu portefólio de empresas, tendo pressionado a Mercedes a adquirir a Auto Union, para se reforçar e eliminar um futuro concorrente. O governo alemão recheou-o de distinções e comendas, mas nunca o conseguiu livrar do estatuto de condenado de Nuremberga. Quanto à Mercedes, acabaria por vender a Auto Union (de que só sobreviveu a Audi) à Volkswagen, 50% em 1964 e o restante em 1966.