O deputado Ascenso Simões resolveu tornar públicos os recibos de vencimento na sua página do Facebook, como resposta à “deriva de ataques” aos deputados que diz estar em curso depois da polémica das viagens pagas em duplicado aos deputados das ilhas. A ideia era ser o mais transparente possível com os eleitores do seu círculo eleitoral, Vila Real, mas o que os documentos acabam por evidenciar é a complexidade de um salário de deputado. No final, o deputado levou para casa 5.614,55 euros líquidos.

Além da remuneração principal que recebem por serem eleitos, os deputados recebem também uma quantia para exercerem essa função na Assembleia da República, em Lisboa; recebem outra parcela caso não trabalhem em mais nenhum sítio e ainda recebem outra parcela fixa simplesmente por serem deputados da Nação e “representarem todo o país”. A tudo isto acrescem subsídios com deslocações que variam consoante o local de residência e a sua distância até ao Parlamento.

O Observador foi olhar para cada uma das parcelas do recibo de vencimento do deputado Ascenso Simões que, ao ser eleito por um dos círculos mais distantes de Lisboa, Vila Real, acaba por ajudar a perceber até onde pode ir o salário de um deputado.

Vamos então olhar, parcela a parcela, para os montantes dos dois documentos que o deputado socialista entendeu divulgar:

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Vencimento ou remuneração principal

3.624,42 euros fixos

Esta é a remuneração base dos deputados, no valor bruto, sem subsídios ou abonos. É um valor fixo para todos os deputados, independentemente do círculo eleitoral pelo qual sejam eleitos ou da morada declarada de residência. Ou seja, é quanto recebem assim que são eleitos deputados. O resto é que é variável, como vamos ver a seguir.

O único caso em que a remuneração base varia é quando o deputado é ao mesmo tempo Presidente da Assembleia da República. Nessa situação (no caso atual de Eduardo Ferro Rodrigues), o vencimento base é 5.799,05 euros brutos, a que acrescem depois despesas de representação e as habituais ajudas de custo e subsídios de deslocação.

Ajudas de custo para presença em trabalho parlamentar

69,19€/dia para quem vem de longe, ou 23,05€/dia para quem reside em Lisboa e concelhos limítrofes

Ao valor base do vencimento acresce imediatamente uma ajuda de custo que varia consoante residam perto ou longe de Lisboa. Serve para compensar os deputados deslocados, nomeadamente para colmatar despesas de alojamento e refeições. É um valor diário, multiplicado pelo número de vezes que o deputado compareceu, nesse mês, aos trabalhos parlamentares (seja plenário, seja comissão parlamentar, sejam reuniões parlamentares — desde que decorram na Assembleia da República). Na prática, é quanto os deputados recebem para trabalharem na Assembleia da República.

Um deputado, como é o caso do socialista Ascenso Simões, que resida fora de Lisboa ou dos concelhos limítrofes (Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas) recebe como ajudas de custo 69,19 euros por dia “a título de ajuda de custo em cada dia de presença em trabalhos parlamentares”, de acordo com o que foi definido pela Assembleia da República. As presenças parlamentares registam-se através da assinatura nas comissões ou do registo eletrónico no plenário. Ou seja, ros cerca de 70 euros/dia são a compensação por estarem deslocados (quer venham de Coimbra, de Faro, do Porto ou de Vila Real). Na prática, é um valor diário previsto para refeições e alojamento.

Se o deputado residir em Lisboa, ou num dos concelhos limítrofes (Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas), também recebe este tipo de ajuda de custo, mas num valor inferior: 23,05 euros por dia.

Estes valores diários são multiplicados pelo número de presenças que o deputado registou nesse mês, sendo que a segunda-feira é um dia que a Assembleia considera de “contacto com o eleitorado”, pelo que não há trabalhos a decorrer. O mês de abril, a que se refere o recibo de vencimento do deputado Ascenso Simões, tem apenas 20 dias úteis e, no recibo em questão, são contabilizados 23. Porquê? Segundo o Observador apurou junto de fonte parlamentar, o número de dias contabilizado no recibo é “apenas uma estimativa” e feita por “adiantamento” uma vez que os deputados recebem ao dia 18 de cada mês. Logo, há meses em que são contabilizados 17 ou 18 dias, e se esse mês teve mais dias úteis do que isso, o ajuste é feito no mês seguinte.

Despesas de Representação

370,32 euros se deputado estiver em regime de exclusividade

No recibo estão descriminadas “despesas de representação” que, na publicação no Facebook, Ascenso Simões explicou referirem-se na verdade ao regime de exclusividade. Caso um deputado opte por este regime, fica impedido de exercer outra atividade profissional e, por isso, recebe um abono fixo de 370,32 euros mensais. Um deputado que não escolha este regime não tem esta compensação extra. Em baixo pode ver a tabela com os vencimentos brutos e as despesas de representação que variam consoante a hierarquia do sistema parlamentar:

Subsídio de deslocação fixo ao abrigo da Constituição

376,32 euros fixos

É outro valor fixo mas, neste caso, que todos os deputados, sem exceção, recebem para compensar o facto de terem de se deslocar a vários pontos do país em trabalho. É considerado um subsídio de deslocação ao abrigo do artigo 152, número 2, da Constituição da República Portuguesa, a respeito da “representação política”. “Os deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos”, lê-se na Lei Fundamental. Ou seja, é um valor fixo que se junta à remuneração base para compensar o facto de os deputados na Nação representarem todo o país e, como tal, fazerem trabalho político em território nacional.

Deslocações entre o local de residência e a Assembleia da República

0,36 euros por quilómetro, ida e volta, uma vez por semana

Ascenso Simões tem residência em Vila Real e disse ao Observador que é lá que mora a sua família. Por isso, tem direito a receber uma viagem semanal de ida e volta entre a Assembleia da República e o sítio onde mantém residência, desde que nessa semana tenha marcado presença em São Bento para trabalho parlamentar (plenário ou reunião de comissões parlamentares). Com o valor de referência por quilómetro a 36 cêntimos e cerca de 400 quilómetros a separarem o socialista de casa, Ascenso Simões recebeu em abril 1.371,60 euros — 36 cêntimos por cada um dos cerca de 800 km (ida e volta de Vila Real) vezes cinco semanas.

A única condição para este valor ser adicionado ao salário todos os meses é que em cada uma daquelas semanas exista trabalho parlamentar. Ou seja, mesmo que no final da semana não aproveitem para ir a casa, recebem este subsídio na mesma.

Deslocações em trabalho político

0,36 cêntimos por quilómetro para circularem dentro do círculo eleitoral

Além do subsídio de deslocação que cobre a distância entre o local de trabalho e o local de residência, neste caso entre Lisboa e Vila Real, os deputados recebem ainda um x para se poderem deslocar dentro do círculo eleitoral pelo qual foram eleitos — e nos quais têm obrigação de fazer trabalho político. O valor é calculado com base no preço tabelado dos quilómetros: 36 cêntimos por quilómetro, sendo que o cálculo é feito pela média de quilómetros registada entre a capital do distrito e as respetivas sedes de concelho (multiplicado por dois, para ir e vir).

Este subsídio é aplicado uma vez por semana (neste caso, são contabilizadas cinco semanas). A segunda-feira é, pelas regras da Assembleia, o dia para os deputados fazerem trabalho político no seu círculo eleitoral (daí não existirem trabalhos parlamentares neste dia). O subsídio também é pago caso exista a deslocação ou não.

Descontos e isenções fiscais

47% do rendimento bruto fica isento de impostos

Neste recorte constam os únicos itens do recibo de vencimento do deputado Ascenso Simões que são descontados do seu salário. Um deles é a contribuição de 3,5% do salário base para a ADSE (o sistema de saúde da função pública) que totalizou 126,85 euros este mês. Outro é o valor fixo de desconto para o grupo parlamentar do partido a que pertence, no caso são 100 euros mensais que são transferidos.

As duas parcelas maiores são relativas aos descontos para a Segurança Social (11%) e para o IRS aplicado a rendimentos por trabalho dependente (a taxa aplicada ao deputado é de 30,7%). Estas duas taxas aplicam-se apenas sobre o valor da remuneração principal e sobre o valor que o deputado recebe por exercer as funções de deputado em exclusividade. Ou seja, apenas sobre um total de 3.994,73 euros. E os restantes 3.512,09 euros (47% do total) que estão no seu recibo de vencimento?

As ajudas de custo e os três subsídios de deslocação recebidos pelo deputado do PS (ao todo 3.512,09 euros) estão isentos de impostos. Não contam para efeitos fiscais porque as ajudas de custo e os subsídios de deslocação estão isentos de tributação se não ultrapassarem os valores fixados na lei geral.

Exemplo? Atualmente, o Estado fixou os 36 cêntimos como valor por quilómetro para deslocações. Só o que for pago acima deste valor é que pode ser tributado.

O mesmo para as ajudas de custo. De acordo com o que está fixado nos “Princípios Gerais de Atribuição de Despesas de Transporte e Alojamento e de Ajudas de Custo aos Deputados”, o valor das ajudas de custo diárias “é atualizado sempre que for revisto, e na percentagem em que o for, o valor das ajudas de custo dos membros do Governo” e a referência atual é de 69,19 euros. Ora, são precisamente estes 69,19 euros diários que um deputado pode receber no máximo como ajuda de custo. Não ultrapassa o que está na lei, não há tributação.

Note-se que os subsídios e abonos que são recebidos pelos deputados, embora estejam isentos, destinam-se a cobrir despesas que os parlamentares possam ter por estarem deslocados do local de residência ou por deslocações feitas em funções.