É uma “irracionalidade económica” levar o prestador de serviços (o banco) a pagar para poder prestar o serviço (o crédito) ao cliente. Esta é a posição da Associação Portuguesa de Bancos (APB), transmitida pelo presidente Fernando Faria de Oliveira, num encontro com jornalistas em Lisboa dois dias antes de ser discutida no parlamento uma proposta “que pode ter um impacto dramático” para a rentabilidade dos bancos e para a imagem de Portugal aos olhos dos investidores estrangeiros. Fala-se da proposta de compensação dos clientes, através de uma espécie de crédito, nos casos em que a taxa de juro, por estar em níveis tão negativos, nem com a soma do spread se elevar a prestação para um valor acima de zero.

Além de ser uma “dor de cabeça” em termos informáticos, isto é, preparar os sistemas informáticos dos bancos para considerarem essa espécie de crédito (que é ressarcido a partir do momento em que os indexantes de crédito voltarem a ser positivos), a APB defende que será muito negativo para a imagem de Portugal no exterior — porque em mais nenhum país da Europa isto está a ser feito — e para a rentabilidade dos bancos, porque pode levar a “perdas substanciais”.

“Para a imagem e para a captação de investimento para o sistema bancário [a consequência] é dramática. Porque isto é um fator negativo na exploração dos bancos e na possibilidade de os bancos terem rentabilidade melhores”, afirmou Faria de Oliveira. “A nossa grande prioridade devia ser criar condições para captar investimento para o sistema bancário. Isto afugenta os investidores” e cria-nos uma desvantagem competitiva em relação aos bancos de outros países”, concluiu Faria de Oliveira.

O Banco de Portugal fez uma estimativa do que aconteceria, por exemplo, se a Euribor ficasse em -1% e é nesse contexto que a APB fala num possível impacto muito negativo, trazendo “problemas de natureza sistémica”, não obstante seja expectativa da maioria dos analistas que a Euribor não deverá continuar a baixar. Segundo uma carta enviada aos deputados pelo Banco de Portugal, revelada pelo PSD, Carlos Costa confirmou que cada dez pontos-base de queda Euribor resultam num impacto negativo de 70 milhões de euros na margem financeira dos bancos. Ou seja, um impacto de 100 pontos-base no espaço de um ano resultaria num impacto negativo de 700 milhões de euros.

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“É um atentado contra o funcionamento do livre mercado, não faz qualquer sentido”, atirou Faria de Oliveira. Os bancos portugueses estão proibidos de fazer refletir os juros negativos nos depósitos (o que não acontece, por exemplo, em países como a Dinamarca e a Suíça) mas, nos casos em que os clientes tenham spreads que não cheguem para compensar a taxa Euribor negativa, os bancos vão ter de criar provisões para, no futuro, compensar os clientes de crédito quando essa soma (entre o indexante e o spread) voltar a ser positiva. Esta é, pelo menos, a ideia base da proposta que vai ser discutida em comissão parlamentar na próxima quarta-feira — uma proposta que a APB diz não conhecer em detalhe.

A medida não tem efeitos retroativos e não tem reflexo imediato, caso seja aprovada: o que acontece é que o cliente passa a acumular um crédito para reduzir a prestação no futuro. Além da pressão sobre a rentabilidade dos bancos, que vão ter de se antecipar a essa perda de receita, esta é uma medida que a APB considera ser “muito negativa para a perceção, em relação a Portugal, por parte dos investidores estrangeiros”. Apesar de Faria de Oliveira garantir que tem havido um “bom diálogo” com o governo do PS, suportado pelos partidos de esquerda, esta é uma das matérias em que a associação de bancos gostaria de ter conseguido fazer ver as autoridades que se pode tratar de uma medida contraproducente.

“Segredo bancário é pilar essencial”

No encontro com jornalistas em Lisboa, Faria de Oliveira comentou, também, os pedidos de divulgação das listas de maiores devedores nos bancos (na Caixa Geral de Depósitos, como pede o PSD, ou todos os bancos intervencionados, como se pede mais à esquerda) e lembrou que o “sigilo bancário é um pilar essencial” para a atividade bancária, precisamente para “defender as pessoas e as empresas”. Isto não significa, pelo contrário, que casos de crimes sejam analisados pela Justiça, mas em todos os outros casos trata-se de uma “pedra basilar” na confiança entre os bancos e os clientes.

Numa altura em que a privacidade e os dados pessoas são cada vez mais protegidos, Faria de Oliveira não concorda com os comentários proferidos por alguns responsáveis políticos e defende que só em caso de “ilícitos criminais” se deve levantar o sigilo bancário.

Para o PSD, todos os 50 maiores devedores da Caixa devem ser conhecidos publicamente, no contexto da recapitalização pública, mas o PCP defendeu que todos os bancos que tiveram intervenção pública devem tornar públicas as identidades dos seus principais devedores. Faria de Oliveira foi presidente da Caixa Geral de Depósitos entre 2008 e 2011.

Estado recebeu em juros 10 vezes mais do que perdeu com empréstimos a bancos

Mas Faria de Oliveira sublinhou, a respeito dessas intervenções públicas, que existem vários mitos difundidos sobre esta matéria — e avançou com vários números para defender que nem sempre a imagem passada é a correta, o que contribui para que os bancos ainda não tenham conseguido reparar as questões de reputação desde a crise, comentou o presidente da APB.

Um desses números é que, calcula a APB, o Estado terá recebido em juros cerca de 10 vezes mais aquilo que perdeu com os empréstimos concedidos a vários bancos, no auge da crise. Se os 125 milhões emprestados ao Banif nas chamadas “Cocos” foram perdidos, o Estado recebeu, durante os anos em que os bancos tiveram esses empréstimos, cerca de 1.250 milhões de euros em juros. Este valor não inclui os 900 milhões de euros em “Cocos” emprestadas ao banco público, que foram convertidos em capital reforçando os rácios da CGD (mas, a julgar pela expressão usada por Mário Centeno na recapitalização recente da CGD, trata-se de “investimento” no banco que é 100% detido pelo Estado).

Faria de Oliveira explicou, também, que os bancos portugueses aumentaram os capitais em cerca de 25 mil milhões de euros, entre 2008 e 2017, o que serviu para reconhecer perdas anteriores mas, também, para aumentar os rácios de solvabilidade e capital que, hoje, estão “muito mais robustos”. Os rácios de capital regulamentares eram de 13,9% no final de 2017,  o que compara com 11,4% em 2011 e é quase o dobro do que havia em 2010.

Estes 25 mil milhões de euros não incluem as tais “Cocos”, emprestadas pelo Estado e que foram reembolsadas na totalidade, com juros, exceto a CGD (convertido em capital) e Banif (alvo de resolução) — aí foram mais 5.800 milhões. Para estes 25 mil milhões contribuíram os acionistas privados, em cerca de metade: o restante são “investimento” na Caixa Geral de Depósitos e os capitais empregues pelo Fundo de Resolução no BES e no Banif (o que incluiu empréstimos públicos que Faria de Oliveira sublinha serem “recuperáveis”).