O secretário-geral do PS tem pedido aos seus militantes que façam no Congresso, que começa na sexta-feira, um debate sobre o futuro, procurando afastar casos do presente, como o que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates. “Não faz sentido que o nosso Congresso do PS seja sobre o presente, mas sobre o futuro do nosso país”, sustentou António Costa no passado dia 8, numa sessão de esclarecimento com militantes socialistas da FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa), poucos dias depois de José Sócrates ter anunciado a sua desfiliação deste partido.

Na mesma sessão, o secretário-geral do PS fez questão de acrescentar que o seu partido não deve “olhar para o drama de hoje, nem para a questão que se vai colocar amanhã, podendo antes concentrar-se no horizonte de médio e longo prazo”.

Desde que António Costa assumiu a liderança do PS, em novembro de 2014, esta é a segunda vez em que episódios que decorrem do processo judicial de José Sócrates rodeiam um congresso dos socialistas. Em novembro de 2014, duas semanas após José Sócrates ser sujeito a prisão preventiva por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, o atual secretário-geral do PS, logo à entrada para o congresso, deixou um apelo no sentido de que os delegados socialistas separassem ao longo dos trabalhos as questões de justiça e de política – um pedido que foi cumprido.

O “caso Sócrates” regressou em força ao PS no mês passado, depois da divulgação pela SIC de parte dos interrogatórios judiciais a que foi submetido o antigo primeiro-ministro. A eurodeputada socialista Ana Gomes defendeu então que o seu partido não podia “continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga” e que este Congresso, na Batalha, no distrito de Leiria, era a “oportunidade para escalpelizar como [o PS] se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos”.

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Dias depois, foi o próprio presidente do PS, Carlos César, a afirmar que, a confirmarem-se, as suspeitas em torno de José Sócrates e do antigo ministro Manuel Pinho, gerar-se-á “uma situação incompreensível e lamentável”. Relativamente ao caso específico de José Sócrates completou: “A vergonha até é maior porque era primeiro-ministro”.

Na mesma linha, o porta-voz dos socialistas, João Galamba, que entrou para a bancada do PS em 2009 por indicação de José Sócrates, considerou que “envergonha qualquer socialista” quando se vê um ex-primeiro-ministro e secretário-geral do PS acusado de corrupção e branqueamento de capitais”. “Obviamente, envergonha qualquer socialista, sobretudo se as matérias de que é acusado vierem a confirmar-se”, acrescentou.

Durante uma visita oficial ao Canadá, António Costa foi questionado pelos jornalistas se concordava com estas posições de Carlos César. “Se essas ilegalidades se vierem a confirmar, serão certamente uma desonra para a nossa democracia. Mas se não se vierem a confirmar é a demonstração que o nosso sistema de justiça funciona”, respondeu, horas antes de José Sócrates anunciar a sua desfiliação do partido, alegando não aceitar “julgamentos antecipados por parte de camaradas” seus.

António Costa afirmou depois respeitar a “decisão pessoal de José Sócrates”, mas manifestou-se “surpreendido, porque não há qualquer tipo de mudança da posição da direção do PS sobre aquilo que escrupulosamente tem dito desde o início: Separação entre aquilo que é da justiça e aquilo que é da política”.

Dentro do PS, o “histórico” António Campos e o dirigente Daniel Adrião estiveram entre os poucos que condenaram publicamente a atuação de membros da direção como João Galamba e Carlos César, alegando, também, tal como José Sócrates, que os dois fizeram um julgamento antecipado sem respeitar a norma da presunção de inocência própria de um Estado de Direito.

O eurodeputado socialista Francisco Assis, em entrevista esta terça-feira ao jornal “Público”, assumiu uma posição original: Recusou a criminalização das políticas dos governos de Sócrates, elogiou “a coerência” de António Costa perante este caso, mas deixou uma farpa dirigida a João Galamba. “Houve outras pessoas do PS que realmente mudaram de posição [em relação a Sócrates]. Não tenho nenhuma teoria explicativa para essa mudança”, disse.