As filmagens começaram em 1993. Paulo Abreu demorou 22 anos a concluir “Phil Mendrix”, o documentário sobre o guitarrista com o mesmo nome que morreu esta segunda-feira, aos 70 anos. Esteve quase a terminar em 2007 mas “as entradas e saídas de diretores da RTP” dificultaram o acesso ao arquivo do canal público de televisão.

Decidiu que queria contar a história de Phil Mendrix quando o viu fazer a primeira parte de um concerto dos Ena Pá 2000, ainda enquanto guitarrista dos Roxigénio, “numa altura em que a banda já estava reformulada, já tinha lá o filho e tudo”. “Ele merecia um filme muito melhor”, garante Paulo Abreu, que quis tornar o documentário que estreou em 2015 no Doclisboa “o mais divertido possível porque ele também era uma pessoa divertida”. “O filme salta para a frente e para trás no tempo, quase como se fossem as memórias”, explica o realizador.

De Phil Mendrix, recorda “um tipo incrível, uma pessoa encantadora” que não tinha noção daquilo que representava para o rock português. “Ele era bastante modesto. Para não dizer excessivamente modesto. Mas há uma cena no filme, até é o Manuel João [Vieira] que diz. Os Xutos tinham acabado de ser comendadores e ele diz que se os Xutos são comendadores o Phil tinha de ser sir. Acho que isso já diz muita coisa”, comenta Paulo Abreu. Em retrospetiva, o realizador lembra-se de uma pessoa saudável, que “andava sempre a fazer ginástica, só comia abacate e essas coisas e andava sempre com açúcar amarelo”, porque não utilizava açúcar branco.

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Uma das histórias mais divertidas e que mais reflete a personalidade de Phil Mendrix é retratada no documentário e inclui um Bentley e amplificadores dos Pink Floyd. “Trocou um Bentley por uma Ford Transit porque não dava jeito para pôr os amplificadores, não cabiam. Acho que aquilo tinha sido uma prenda do padrinho de casamento ou o que era mas ele trocou. Não dava jeito. O pai não ficou muito satisfeito, mas pronto. E comprou os amplificadores aos Pink Floyd! Acho que ele foi a Londres ou lá o que foi, havia uma venda de material usado dos Pink Floyd porque eles iam comprar coisas novas e ele comprou dois”.

Ofereceu um dos amplificadores. Até porque, segundo Paulo Abreu, Phil Mendrix oferecia tudo. “Ele dava tudo. Ele não tinha discos dele com ele porque os dava todos. O último que tinha com ele deu-mo a mim. A minha sorte foi a filha dele, que lhe guardou as fotografias e ainda me ajudou, porque ele dava tudo”, recorda o realizador.

Morreu Phil Mendrix, a guitarra do rock português

Noutro episódio caricato, Paulo Abreu lembra a altura em que Phil Mendrix regressou aos concertos depois de ter cumprido o serviço militar. “Ele tinha estado na tropa e tinha o cabelo rapado. Era hippie e tal mas naquela altura tinha o cabelo rapado por causa da tropa. E não queria dar o concerto de cabelo rapado. Então a mãe emprestou-lhe uma peruca e ele deu o concerto com a peruca da mãe”, conta o realizador, que quis estrear o documentário “em vida”. “No dia em que estreou o concerto ele estava ótimo, deu um concerto até às 4 da manhã lá na festa do Doclisboa e depois deu outro no primeiro aniversário. Estava ótimo. Só ficou doente há um ano e tal”, revela Paulo Abreu.

Filmado com “milhares de formatos misturados”, desde 1993 até 2015, o documentário ainda esteve para ser melhorado com imagens mais profissionais. Mas Paulo Abreu mudou de ideias: “Achei que o que era interessante era mostrar como é que um tipo que noutros países poderia ser visto como um Deus da guitarra, aqui não tinha reconhecimento. Era conhecido por muita gente mas não tinha reconhecimento. É uma coisa tipicamente portuguesa. É preciso morrer”.

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