O Conselho de Ministros britânico desta quarta feira aprovou a proposta de acordo técnico conseguida entre os negociadores britânicos e europeus. “Acredito firmemente que esta proposta é a melhor que podíamos negociar e cabia ao Conselho de Ministro decidir se avançava com ele ou não”, declarou Theresa May à saída da reunião, mais de cinco horas depois. “A decisão foi que devemos avançar.”

Num comunicado lido em frente ao número 10 de Downing Street, sem direito a perguntas, a primeira-ministra explicou que a a discussão ao longo da tarde foi “difícil”, reconhecendo que o principal problema é o que está relacionado com o mecanismo de backstop para a fronteira entre as Irlandas, mas não deu mais pormenores sobre o acordo em questão. May limitou-se a dizer que crê que este acordo defende “o interesse nacional” e “respeita a votação do referendo”.

Sei que temos dias difíceis pela frente, e que este acordo será intensamente escrutinado, como deve ser”, acrescentou Theresa May. “Mas acredito firmemente, com a cabeça e com o coração, que esta decisão respeita os interesses de todo o Reino Unido.”

O Executivo discutiu esta quarta-feira as mais de 400 páginas do acordo técnico, cujo principal problema está na solução encontrada para lidar com a questão da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. As dúvidas e resistências foram tantas que a reunião se arrastou ao longo da tarde, acabando por durar mais de cinco horas. De tal forma que, pouco antes das 18h, Downing Street decidiu cancelar a conferência de imprensa de May, que estava marcada para depois do Conselho de Ministros. Na quinta-feira, a primeira-ministra irá então à Câmara dos Comuns explicar o documento aos deputados.

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O principal negociador da União Europeia para o Brexit, Michel Barnier, confirmou que o projeto de acordo “é uma etapa determinante para concluir” as negociações, salientando que foi ultrapassada uma etapa “fundamental” para garantir uma saída limpa do Reino Unido da União Europeia. Barnier apresentou “um documento preciso e detalhado”, que abrange todos os parâmetros de uma “situação excecional” para dar segurança jurídica a todos os cidadãos, incluindo um backstop para a fronteira irlandesa e uma cláusula que prevê a extensão do período de transição por “um período único e limitado”.

Depois de ter passado a noite da véspera a reunir-se com alguns colegas, permitindo-lhes consultar o documento — mas não sair de Downing Street com ele — May jogou tudo na esperança de que ninguém lhe puxasse o tapete, como fizeram no passado ministros como Boris Johnson (ex-Negócios Estrangeiros) e David Davis (ex-ministro para o Brexit) ao demitirem-se em desacordo com a proposta de Chequers.

A estratégia, segundo revelou um colaborador próximo da primeira-ministra à BBC, era apenas uma: deixar claro aos ministros que este é a última hipótese de um acordo com a União Europeia (UE) e que o Reino Unido conseguiu o máximo que podia conseguir. “Fomos mesmo até ao limite, fomos o mais longe que podíamos ir”, garantiu essa mesma fonte ao editor de política adjunto da cadeia de televisão, Norman Smith. Essa garantia serviu para convencer ministros como Dominic Raab (que tem a pasta do Brexit), Penny Mordaunt (Desenvolvimento Internacional) ou Andrea Leadsom (presidência da Câmara dos Comuns), que tinham levantado algumas reservas.

O busílis da questão está todo relacionado com a solução encontrada para o problema da fronteira entre as duas Irlandas que, de acordo com o Acordo de Paz de Sexta-Feira Santa, não podem ter uma fronteira física e rígida, com controlos de segurança, entre si. Para contornar este problema, dizem os jornais britânicos, May e os negociadores europeus terão chegado a um acordo que prevê um chamado backstop (uma espécie de rede de segurança) a nível nacional, com termos específicos para a Irlanda do Norte. O que significa isto? Que o Reino Unido se mantém numa união aduaneira com a UE durante um prazo mais longo, com condições mais específicas que permitirão a circulação de bens entre a fronteira física na Irlanda.

A primeira-ministra garante que o acordo em causa “concretiza” o voto popular expresso no referendo sobre o Brexit. Na manhã desta quarta-feira, na sessão da Câmara dos Comuns, May respondeu a perguntas e garantiu que este é um “bom acordo”, que “garante a saída da política comum de pesca, da união aduaneira e da política agrícola comum”, mas que ao mesmo tempo protege “os empregos, a segurança e a integridade do Reino Unido”.

Unionistas, eurocéticos e trabalhistas levantam reservas. Aprovação no Parlamento parece difícil

Resta saber que condições específicas são essas — algo que perturba os aliados unionistas do Partido Conservador, o DUP, que tanto na noite de terça como na manhã desta quarta-feira ventilaram o seu descontentamento com o alegado acordo. E resta também saber se o Reino Unido terá capacidade de sair deste backstop por sua livre vontade e quando — algo que perturba os tories mais eurocéticos.

Mesmo com a luz verde do Conselho de Ministros a este acordo, falta saber se será possível a Câmara dos Comuns aprová-lo. Ao longo das últimas horas, muitos deputados têm deixado claro que não aceitam um acordo deste tipo, como Boris Johnson, Jacob Rees-Mogg e David Davis. Este último publicou mesmo um artigo na revista Spectator onde diz taxativamente que um acordo deste género irá “aprisionar o Reino Unido num domínio perpétuo de Bruxelas” e apela aos ministros para que o chumbem esta quarta-feira.

A tensão com os deputados mais eurocéticos está de tal forma alta que, ao longo desta quarta-feira, surgiram rumores de que já estariam a ser reunidas as 48 assinaturas necessárias para provocar a votação de uma moção de censura à primeira-ministra nos Comuns. A estratégia, explicam alguns jornalistas como James Forsyth da Spectator, será não a de deitar abaixo a primeira-ministra, mas sim deixar claro que o acordo não será aprovado quando for proposto a votação.

Também o líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, não parece querer facilitar a vida a May. Na manhã de quarta-feira, no Parlamento, disse à primeira-ministra que, a confirmarem-se as notícias sobre este acordo, ele é “um falhanço nos seus próprios termos”. Sem os unionistas, sem os conservadores mais eurocéticos e não conseguindo sequer o apoio de alguns deputados do Labour, aprovar este acordo na Câmara dos Comuns seria uma tarefa impossível para a primeira-ministra. Isto partindo do princípio que, depois desta quarta-feira, haverá sequer acordo para ser votado no Parlamento.