“O espírito que existe é aquele que se quer. Temos uma boa equipa, não são apenas 11. São 25 e temos jogado bom futebol e é isso que espero”. Marcel Keizer tinha onze jogadores indisponíveis para o jogo desta terça-feira com o Qarabag (entre lesionados, castigados e não inscritos). Mas na antevisão não se mostrava muito preocupado e até referia algo que ainda não tinha dito: que o Sporting estava a jogar “bom futebol”. Na apresentação oficial, com Frederico Varandas ao lado, o treinador holandês tinha dito que queria “mais futebol” e uma “filosofia atacante”, algo que era completamente disruptivo face ao que José Peseiro tinha apresentado. E mostrava-se difícil de obter, tendo em conta os mais recentes jogos da equipa de Alvalade. Mas a verdade é que, duas semanas depois da apresentação de Keizer, o Sporting foi ao Azerbaijão ganhar ao Qarabag por 1-6 e carimbar o apuramento para a próxima fase da Liga Europa: com “bom futebol”, “mais futebol” e uma “filosofia atacante”.

O treinador holandês repetiu a aposta em Wendel e Diaby e colocou brasileiro e maliano no onze inicial, assim como tinha feito no jogo da Taça de Portugal com o Lusitano Vildemoinhos. Aliás, face a vitória em Viseu, Keizer só fez uma alteração: usou André Pinto para render Mathieu, que estava castigado. Ao lado do central português, o habitual Coates; Bruno Gaspar na direita da defesa, Jefferson na esquerda; Gudelj e Wendel lado a lado numa linha mais recuada do meio-campo e Bruno Fernandes numa espécie de falso 10 com muita mobilidade e no apoio direto a Dost; e Nani solto na esquerda, Diaby mais chegado à direita. O Sporting apresentava-se no Azerbaijão com um onze remediado mas tendencialmente ofensivo.

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Ficha de jogo

Qarabag-Sporting, 1-6

5.ª jornada da fase de grupos da Liga Europa

Estádio Olímpico de Baku, Azerbaijão

Árbitro: Petr Ardeleanu (República Checa)

Qarabag: Haldórsson, Medvedev, Rzeniczak, Sadygov, Guerrier, Slavchev (Ozobic, 70′), Garayev, Míchel, Madatov, Abdullayev, Zoubir

Suplentes não utilizados: Vagner, Dani Quintana, Agolli, Delarge, Huseynov, Diniyev

Treinador: Gurban Gurbanov

Sporting: Renan, Bruno Gaspar (Thierry Correia, 73′), Coates, André Pinto, Jefferson, Gudelj, Wendel, Bruno Fernandes, Nani (Carlos Mané, 77′), Diaby, Bas Dost (Jovane Cabral, 70′)

Suplentes não utilizados: Salin, Tiago Djaló, Petrovic, Miguel Luís

Treinador: Marcel Keizer

Golos: Bas Dost (5′), Zoubir (14′), Bruno Fernandes (20′ e 75′), Nani (33′), Diaby (65′ e 80′)

Ação disciplinar: cartão amarelo para Rzeniczak (4′), Garayev (26′), Bruno Fernandes (28′), Madatov (40′), Slavchev (49′)

O apuramento estava à mão de semear: mesmo se não ganhassem ao Qarabag, os leões podiam apurar-se caso empatassem e o Vorskla Poltava não vencesse o Arsenal na Ucrânia. O Sporting não entrou forte nem asfixiante mas começou o jogo com as linhas subidas e os blocos altos, com vontade de marcar e não complicar uma partida que não tinha qualquer necessidade de provocar sofrimento. Na primeira vez que acelerou as transições, Nani mudou o flanco da esquerda para a direita e descobriu Diaby no extremo da grande área: o maliano encontrou Bas Dost a entrar com velocidade na área, o holandês fez um bonito e quando se preparava para rematar foi derrubado em falta. Cinco minutos de jogo, grande penalidade para o Sporting. Na conversão, o mesmo Dost fez uma paradinha e bateu Haldórsson.

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Os leões baixaram as linhas, recuaram, diminuíram a intensidade da pressão e adormeceram o jogo ao ponto de eles próprios adormecerem: para desagrado de Marcel Keizer, que esteve sempre muito ativo junto à linha lateral e mostrava vontade de continuar por cima do jogo e não abrir espaços que permitissem ao Qarabag subir no terreno. Mas foi exatamente o contrário que aconteceu. Nove minutos depois do penálti de Dost, a equipa do Azerbaijão montou uma boa jogada de envolvimento a partir da direita que só terminou num passe longo para as costas de Bruno Gaspar. Toda a defesa verde e branca ficou à espera do fora de jogo que nunca chegou, Guerrier assistiu Zoubir e o franco-marroquino teve todo o tempo do mundo para bater Renan. Mais do que mérito do Qarabag, o lance do empate mostrou o demérito e as fragilidades defensivas dos sportinguistas, que se esqueceram por segundos de que o VAR ainda não chegou à Liga Europa.

Com o jogo empatado — e ainda que o apuramento continuasse garantido porque o Arsenal vencia na Ucrânia por 0-1 —, o Sporting percebeu que não precisava de colocar grande velocidade no jogo para chegar à área de Haldórsson com perigo. À passagem do minuto 20, a defesa do Qarabag decidiu estender a passadeira vermelha a Bruno Fernandes e deixou o médio português avançar como quis, medir com regra e esquadro a baliza da equipa de Baku, colocar o dedo no ar para perceber para que lado soprava o vento e atirar forte e rasteiro. O guarda-redes do Qarabag deixou a bola bater mesmo à sua frente e não ficou bem na fotografia mas a verdade é que o Sporting voltava a estar em vantagem e nem precisou de suar muito para o conseguir. Sem cometer o erro que tinha cometido depois do primeiro golo — sem baixar o bloco, sem recuar demasiado, sem colocar todas as linhas no meio-campo defensivo —, os leões chegaram de forma natural ao terceiro golo através de uma jogada individual de Nani, que tirou quatro jogadores do caminho e entrou dentro da grande área para aumentar a vantagem verde e branca. Na ida para o descanso, os rapazes de Marcel Keizer não estavam a realizar uma exibição brilhante, cometeram erros defensivos mas tinham três remates enquadrados e três golos marcados.

No regresso para a segunda parte, o Sporting voltou a jogar mais recatado no seu meio-campo e até podia ter sofrido o segundo golo do Qarabag nos minutos iniciais do segundo tempo. Keizer continuava irrequieto e nunca se sentou no banco: a ideia de “mais futebol” e a “filosofia atacante” que disse serem os seus objetivos quando foi apresentado por Frederico Varandas em nada se assemelhavam a este Sporting a controlar sem posse de bola e a ganhar enfiado no meio-campo que defende. Os leões lançaram-se para terrenos mais avançados e descobriram aquilo que era fácil de depreender para quem estava a ver o jogo através da transmissão televisiva — o Qarabag estava completamente desorganizado no setor defensivo, absolutamente lançado para a frente e com autênticas crateras à disposição dos avançados leoninos para lá da linha do meio-campo. O primeiro a lucrar com isso foi Diaby, que até recebeu mal um grande passe de Wendel mas teve espaço e tempo e tudo o que quis para voltar atrás, recuperar a bola e bater um desapoiado Haldórsson.

Já depois de Marcel Keizer lançar o menino Thierry Correia no lugar de Bruno Gaspar, Bruno Fernandes recebeu com classe mais uma assistência de Wendel, bisou e fez o quinto dos leões. À passagem do minuto 80, Diaby decidiu imitar o médio português e também fez o segundo da conta pessoal, mas desta feita a passe de Jovane Cabral. Mão cheia para um Sporting que fez sete remates enquadrados e concretizou seis.

O Sporting nunca tirou o ar ao Qarabag, nunca foi massivamente ofensivo, nunca colocou o relvado do Olímpico de Baku a pender completamente para um lado; mas foi tremendamente eficaz, soube aproveitar todas as oportunidades e tirou tudo o que pôde de uma exibição notável de um rapaz brasileiro que se está a tornar um caso sério: Wendel. O médio fez a assistência para quatro dos seis golos dos leões e foi o grande maestro do ataque da equipa de Marcel Keizer. Se é confiança, se é uma fase, se é sorte ou se é só o que ainda não tinha conseguido mostrar, ninguém sabe. Mas que Wendel é um reforço que chegou atrasado, não há dúvidas.

O Sporting goleou o Qarabag por 1-6 e está apurado para os 16 avos de final da Liga Europa: a par do Arsenal, que foi à Ucrânia ganhar ao Vorskla Poltava por 0-3. Na estreia nas competições europeias de leão ao peito, Marcel Keizer carimbou a passagem à próxima fase e assinou a maior goleada da época.