Portugal está no centro das atenções, turisticamente falando, e Ana Lobo, ela própria uma viajante de mochila às costas, arranjou maneira de dar um toque especial a um setor cada vez mais massificado. Especial e à moda antiga. Em vez de uma aplicação xpto ou de um roteiro enviado por email, My Bookpack recupera o velho guia de viagem e com ele o hábito de andar com o caderninho em riste. Como funciona? Digam-lhe quanto tempo querem, para que zona, quanto querem gastar e do que gostam. Ana planeia a viagem à medida de cada um.

A ideia nasceu em 2015, ano em que Ana e o marido, Sebastião, passaram seis meses a deambular pela Ásia, Pacífico e América do Sul. Dizer que Ana acreditou que a ideia tinha pernas para andar é pouco. Com formação em gestão e depois de anos a trabalhar na área do marketing, sempre em multinacionais, largou a carreira para se dedicar, em exclusivo, ao seu próprio projeto e investiu nele as poupanças pessoais. A recetividade tem superado as expectativas. “Este ano foi bem doido. Mais do que duplicámos os clientes de 2017, sem qualquer investimento em publicidade”, explica ao Observador.

Ana Lobo criou o projeto My Bookpack em 2017, depois de uma viagem de seis meses pela Ásia, Pacífico e América do Sul © Divulgação

O segredo está mesmo na personalização. Um ano e meio depois do arranque, o My Bookpack consegue cobrir todo o território português, sinal de que Ana já palmilhou uns valentes quilómetros. E se há zonas do país mais fáceis e imediatas de trabalhar, como Lisboa, Porto e Algarve, outras exigiram verdadeiras saídas de campo. Por estes dias, os Açores estão no topo das preferências de quem visita Portugal. O Minho é uma caixa de surpresas e, depois da costa, foi o Alentejo profundo a deixar a empreendedora de queixo caído. As incursões ao interior do país foram frequentes em 2018, numa tentativa de descentralizar o setor, de contribuir para a revitalização de áreas desertificadas e, ao mesmo tempo, de tornar os roteiros de férias menos óbvios.

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“Foi bastante chocante perceber o quão deserto se encontra o interior. Na Beira Alta, estivemos em aldeias com um enorme património histórico, que têm 50 habitantes e quase todos seniores. As pessoas estão muito preocupadas com a sobrevivência destes locais. Sentimo-nos noutra realidade”, conta Ana. “Fora das rotas mais comuns, ainda é muito difícil trabalhar o turismo na época baixa — há muitos restaurantes e atrações que encerram durante meses. Tentamos contrariar a sazonalidade mas há algumas limitações”, completa.

Antes da elaboração do guia, os clientes têm de partilhar as suas preferências. Não chega a ser um teste de personalidade, mas não anda longe. O orçamento que têm para a viagem é decisivo, mas também os gostos. Praia, natureza, gastronomia, compras, desportos radicais, isolamento, agricultura ou vinhos — o serviço pode ir do simples programa de atividades, com os locais de passagem obrigatória, a pacote completo. Nesse caso, o “livrinho” pode mesmo vir já com o alojamento e as deslocações incluídas. Os roteiros de dez e de 15 dias são os mais comuns, com um preço de 135 euros (os preços começam nos 50 euros, no caso dos guias de fim de semana). Norte-americanos, holandeses e ingleses são as nacionalidades que mais procuram a ajuda da My Bookpack. Depois do enoturismo no Douro e no Alentejo, a empreendedora assegura que é o turismo de natureza, com trilhos e caminhadas, o próximo fenómeno.

“Estamos a deixar de ser um país de praia. Na Holanda, onde vivi, via as pessoas irem para a Suíça e Áustria para fazerem caminhadas e pensava no potencial que Portugal tinha para esse tipo de turismo”, explica Ana. Mas 2018 trouxe novos clientes, os próprios portugueses, sobretudo para as ilhas. “Os portugueses também estão com vontade de conhecer o próprio país e, como normalmente estão a mil, não têm muito tempo para pensar numa coisa fora de caixa”, continua. É cada vez mais frequente encontrar quem aterre em Portugal sem ter feito qualquer tipo de planos. Nesses casos, o My Bookpack ainda tem a responsabilidade de sugerir o melhor destino dentro do país.

Os guias são enviados pelo correio, a tempo da viagem, com o destino, a data e o nome na capa © Divulgação

Aos 32 anos, Ana Lobo deu forma à sua própria ideia. Sem um espaço físico para manter, pelo menos por agora, e sem tecnologia que exija grandes investimentos, o capital próprio tem sido suficiente para continuar a enviar guias para vários pontos do globo. Este ano, conseguiu recuperar o investimento inicial e garantir a sustentabilidade financeira do negócio. Atualmente, já conta com ajuda na tarefa de programar as férias alheias, numa altura em que tenta também usufruir de alguns apoios, na qualidade de empreendedora.

O próximo ano vai ser decisivo para o projeto. Ana Lobo está prestes a reabilitar uma das ilhas típicas da Foz Velha do Porto, construções clandestinas do final do século XIX, agora recuperadas para fins turísticos e para albergar estudantes. Será a casa do My Bookpack, com escritório e cafetaria, mas também uma guest house com cinco quartos. Do lado dos guias, a empresária quer apostar na especialização dos roteiros. Com o aumento da procura de programas de férias ligados a áreas de nicho, a empresa estuda agora a possibilidade de se unir a arquitetos, enólogos e, quem sabe, chefs, para elaborar os seus próprios programas.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.