A última vez que Robert Redford roubou um banco no cinema, foi em “Dois Homens e um Destino”, de George Roy Hill, em 1969, ao lado de Paul Newman. Em “O Cavalheiro com Arma”, de David Lowery, o seu último papel num filme, Redford volta a roubar bancos, quase meio século mais tarde, mas já não tem Newman, que morreu há dez anos, para o acompanhar. Aqui, os seus cúmplices, também já tão encanecidos como ele, são Danny Glover e Tom Waits. Mas é Redford que domina por completo o filme no papel do septuagenário Forrest Tucker, um assaltante de bancos de longuíssima data que saboreia o que faz como se fosse a vocação da sua vida, e se caracteriza por actuar da forma mais cavalheiresca e discreta possível (a personagem é real e foi objeto de um longo artigo na revista “The New Yorker”, há 15 anos).

[Veja o “trailer” de “O Cavalheiro com Arma”]

Sempre elegantemente vestido e de chapéu, Tucker entra num banco de pasta na mão, dirige-se a um caixa ou ao gerente, mostra-lhes a arma que tem no bolso do casaco, pede-lhes para encher a pasta de notas e depois sai tão discreta e calmamente como entrou. Nunca puxa da pistola e o filme sugere que, se por acaso o fizesse, nunca a dispararia porque isso não lhe está no temperamento nem no carácter. Raríssimos são os atores que, como Robert Redford, nos conseguiriam convencer disso. E apesar do que Tucker faz ser um crime, socialmente condenável e punível, não podemos deixar de sentir alguma condescendência e simpatia por ele. Afinal, Redford não é apenas mais um ator, é uma estrela de cinema que, aos 82 anos, acumulou um capital de carisma, masculinidade e credibilidade, e conquistou um estatuto de lenda como só um Clint Eastwood ainda tem em Hollywood.  

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[Veja uma entrevista com Robert Redford]

Redford atravessa “O Cavalheiro com Arma” com a classe reservada, a segurança tranquila, a confiança consumada e a parcimónia expressiva de quem já não tem absolutamente nada a provar, a exibir ou a explicar a ninguém. E é nesta nota que ele quer dizer adeus à tela e fechar quase 60 anos de papéis no cinema (onde se estreou em 1962, no filme de guerra “War Hunt”). O realizador e argumentista David Lowery (“A Lenda do Dragão”, “A Ghost Story”) sabe isso muito bem, e talha, modula e roda o filme a essa medida. A calma, o ritmo, o clima e a identidade de “O Cavalheiro com Arma” decorrem diretamente do modo de ser de Forrest Tucker, e da forma como Redford o interpreta, bem adequados ao elenco da terceira idade que o compõe. Aqui, coisa que não há, é pressa, precipitação, afobação. (A história passa-se no início dos anos 80, quando o mundo ainda andava mais devagar).

[Veja uma entrevista com Sissy Spacek]

Além de Robert Redford e dos citados Glover e Waits, a fita conta ainda com Sissy Spacek, magnífica no papel da sorridente e paciente Jewel, a viúva por quem Tucker se toma de amores, e eles partilham algumas das cenas românticas mais bem escritas, mais divertidas e mais bonitas vistas nos últimos tempos no cinema. Numa delas, Jewel consegue a proeza de levar o seu apaixonado a contrariar a sua natureza de rapinador compulsivo. A todos estes distintíssimos actores entrados nos anos e com longos e ricos currículos, juntam-se nomes de uma nova geração, caso do invariavelmente excelente Casey Affleck em John Hunt, o detetive afincado, bom marido e pai desvelado, que persegue Forrest Tucker. E que quanto mais o vai conhecendo, mais vai simpatizando com ele e menos vontade vai sentindo de ser ele a engavetá-lo.

[Veja uma entrevista com o realizador David Lowery]

No final de “O Cavalheiro com Arma” (o distribuidor português não quis ser fiel ao título original, “The Old Man & the Gun”, mas não havia mal nenhum nisso), David Lowery recorre a uma montagem de cenas de vários filmes de Robert Redford, para ilustrar as muitas fugas de reformatórios, cadeias e penitenciárias levadas a cabo por Forrest Tucker ao logo das décadas, e por lá passam imagens de títulos tão variados como “Perseguição Impiedosa”, “O Vale do Fugitivo”, “O Grande Golpe” ou “As Grades do Inferno”. E a legenda de abertura da fita é quase igual à de “Dois Homens e um Destino”, numa homenagem a Paul Newman: “Não que isso importe muito, mas a maior parte do que se segue é verdade”.

Robert Redford acaba de sair de cena no melhor estilo, e de se despedir do cinema, e de nós, num filme belíssimo, justíssimo, humaníssimo, onde nada soa falso ou forçado e absolutamente tudo está no tom exato, na proporção devida e no lugar certo. Já estamos cheios de saudades dele.