João Faria Conceição, que trabalhou com o ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, até 2008, conseguiu um emprego no BCP, na altura o maior acionista privado da elétrica, um mês depois de ter enviado um e-mail ao presidente-executivo da EDP com as suas condições de remuneração e qualificações profissionais.

O e-mail foi enviado a António Mexia, presidente executivo da EDP, em julho de 2008 e seguiu também para o administrador da elétrica João Manso Neto, de acordo com informação enviada à comissão parlamentar de inquérito às rendas da eletricidade. Em setembro de 2008, o assessor de Pinho começou a trabalhar no BCP.

Numa resposta a um requerimento do Bloco da Esquerda sobre a situação contratual de João Conceição, atual administrador da REN (Redes Energéticas Nacionais), o Ministério Público remeteu mails impressos deste gestor enviados a partir da sua caixa de correio oficial do Ministério da Economia em julho de 2008. Os destinatários eram António Mexia, presidente executivo da EDP, e João Manso Neto, administrador da empresa, de acordo com informação remetida pelos procuradores do inquérito ao chamado caso EDP e à qual o Observador teve acesso.

No primeiro mail dirigido a António Mexia, com data de 22 de Julho de 2008, João Conceição indica as suas condições remuneratórias — 140 mil euros por ano, mais seguros de saúde e vida, bem como um bónus até 50% — e em anexo é enviado o seu currículo profissional. João Conceição especifica que envia o seu currículo a Mexia “conforme pedido”, mas não refere o motivo do envio desta informação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O então assessor/consultor de Manuel Pinho não identifica a que entidade patronal correspondem esses valores, mas sabe-se que João Conceição rescindiu o seu contrato com a consultora Boston Consulting Group (BCG) em agosto de 2008, um mês depois deste mail.

A mesma informação sobre as condições salariais é remetida para João Manso Neto uns dias mais tarde, a 29 de julho. Segundo a correspondência eletrónica remetida ao Parlamento, Manso Neto respondeu ao presidente da EDP a dizer que “nesta fase no BCP teriam de lhe pagar 10.000 euros/mês (14 meses) e os seguros de vida e saúde”. O “resto” — presume-se que o bónus — “seria regularizado depois na solução definitiva”, diz ainda.

Na resposta que seguiu para o Parlamento, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto assinalam que para o ano de 2008, quando ainda desempenhava as funções de assessor do ministro Manuel Pinho, — a trabalhar em temas no setor da eletricidade –, João Conceição declarou apenas ter recebido rendimentos de trabalho dependente exclusivamente da BCG, a consultora, e do Millennium BCP. E informam a comissão de inquérito que notificaram o BCP para este enviar toda a documentação contratual, recibos e/ou prestações do serviço por parte de João Conceição.

Conceição confirma que mandou currículo para empresas de energia e que trabalhou no BCP

Contactado pelo Observador, João Conceição confirma que foi contratado com remuneração BCP entre setembro de 2008 e abril de 2009. E sublinha que durante esse tempo não foi assessor do ministro Manuel Pinho, tendo desempenhado funções de consultoria e de apoio, “por indicação das minhas entidades patronais”. Isto não obstante se ter descrito como “assessor do ministro da Economia e Inovação” no currículo que entregou em 2010 para a assembleia geral da REN.

Acrescenta que acompanhou, por indicação de uma entidade empregadora que não identifica, presume-se que seria a consultora BCG, o gabinete do ministro, referindo em particular um projeto do solar térmico, no quadro de um protocolo ente o Estado e quatro bancos. Diz ainda que não recebeu outra remuneração.

O atual administrador da REN não confirma ter enviado o currículo e o salário especificamente para o presidente da EDP quando ainda estava no gabinete de Pinho, mas reconhece quando saiu dos quadros da Boston Consulting Group, em agosto de 2008, “como é natural procurei emprego e, nesse sentido enviei CVs para empresas do Sector Energético, atendendo à minha experiência profissional.”

Sobre a omissão da passagem pelo BCP, diz que escolheu focar mais os projetos e valências a que se dedicou. Questionado sobre as razões que levariam os líderes da EDP a envolverem-se na sua procura por um um emprego  João Conceição responde: “Desconheço as demais matérias que refere no seu email.”

O Observador procurou também esclarecimentos junto de António Mexia e João Manso Neto, via EDP, que optaram por não fazer comentários ao tema.

Na altura deste troca de mails, o BCP era o maior acionista privado da EDP que, por sua vez, também era acionista de referência do banco. Pode ter sido na sequência desta ligação acionista que os gestores da elétrica se terão disponibilizado a remeter o currículo de João Conceição para o banco. Sendo que a contratação do consultor diretamente do gabinete do ministro da Economia por parte da elétrica poderia ser um tema sensível. Não obstante, numa anterior administração, a EDP contratou um adjunto do ministro da Economia, Ricardo Ferreira, que tal como João Conceição também tinha trabalhado na BCG.

Ricardo Ferreira considera “natural” sair do Governo e ir para EDP

Conceição é formado em engenharia aeroespacial, mas tem um MBA na escola de negócios Insead. Mas destacou-se em termos profissionais na área da energia elétrica, onde é apontado como um dos arquitetos da solução dos CMEC aplicada às centrais da EDP.

As três pessoas envolvidas nesta troca de mails foram constituídas arguidas em 2017 no quadro da investigação do Ministério Público a suspeitas de alegado favorecimento de governos à EDP. O ex-consultor, que trabalhou com dois ministros da Economia quando foram tomadas decisões que podem ter beneficiado a EDP, é um dos casos apontados na tese das portas giratórias para descrever o movimento de quadros técnicos entre governos e organismos públicos e empresas que estão sob a sua tutela ou operam no mesmo setor.

As dúvidas sobre a situação contratual de João Conceição na sua passagem pelo gabinete de Manuel Pinho foram já noticiadas pelo Observador, na sequência de várias entidades do Estado e a própria BCG terem informado a comissão de inquérito que não tinham qualquer registo de contrato ou prestação de serviços com o atual gestor da REN para a altura em que esteve a desempenhar funções no gabinete de Manuel Pinho.

O próprio declarou na comissão de inquérito que as funções que desempenhou no gabinete de Pinho foram na qualidade de consultor, e a desenvolver projetos com a Boston Consulting Group. Agora, em resposta à comissão de inquérito, o Ministério Público diz que Conceição só declarou rendimentos de trabalho dependente para o ano de 2008 pagos pela BGC e pelo BCP.

Quem pagou à BCG trabalho de consultor de Manuel Pinho? Ninguém encontra contrato

A passagem pelo BCP não consta do currículo que João Conceição apresentou aquando da sua eleição para a administração da REN, onde já estava desde 2009. Neste documento, João Conceição diz que esteve na BCG entre 2000 e 2007, tendo sido assessor do Ministério da Economia e Inovação entre 2007 e 2009, sem datas mais precisas. Nessas funções, segundo o próprio, foi responsável pelo desenvolvimento de vários projetos e políticas do setor elétrico, entre as quais;

  • Liderou a implementação do Mercado Ibérico da Eletricidade (Mibel) e do processo de cessação antecipada dos contratos de longo prazo de aquisição de energia — e que deu origem aos famosos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), que segundo alguns, incluindo o regulador, foram favoráveis à EDP.
  • Coordenou a definição e execução da Política Energética na vertente das renováveis, em particular na elaboração do Plano Nacional de Barragens e na diversificação.
  • Conduziu a monitorização do Plano de Investimento no setor da energia
  • Coordenou intervenções do gabinete do ministro neste setor
  • Co-liderou a equipa que teve a gestão presidência portuguesa da União Europeia na área da energia.

Apesar da importância e exaustividade das funções que desempenhou, não se encontra qualquer despacho da nomeação do João Conceição para o gabinete de Manuel Pinho — o próprio diz que não era assessor, mas sim consultor — sendo que quando foi adjunto de um anterior ministro da Economia, Carlos Tavares, o gestor tinha sido requisitado à Boston. A BCG informou a comissão de inquérito que o vínculo de João Conceição terminou em agosto de 2008. Há nota de um despacho de 5 de dezembro sobre a criação do Fundo de Apoio à Inovação (FAI), do gabinete do então ministro Manuel Pinho, em que o ex-assessor surge como membro da comissão executiva deste Fundo, que era financiado com contribuições das empresas que ganharam os concursos para a instalação de potência eólica, e onde estava uma participada da EDP.

O despacho de exoneração de João Conceição, a seu pedido, produziu efeitos a partir do início de junho de 2009, um mês depois de ter sido indicado para a administração da REN, em maio desse ano, segundo informação avançada pelo próprio aos deputados.