Há muito que Hugo Costa nos habitou a apresentações interativas que fogem ao registo mais formal do desfile — o designer de São João da Madeira tem recorrido a instalações artísticas desde que participa na semana da moda masculina de Paris (desde junho de 2016). Esta quinta-feira não foi exceção. Entrar no número 43 da rue do Notre Dame de Nazareth foi, por isso, o virar de mais uma página na história de uma marca que se quer alternativa e andrógena. O novo capítulo de Hugo Costa — a coleção de outono-inverno 2019-2020, leia-se — veio a Paris com uma mensagem explícita: derrubar muros e fronteiras, destronar ódios e extremismos. Em nome da moda e não só.

“Change your life”, “Peace and Love”, “The World is too small for walls” eram algumas das frases pintadas a negro nas telas brancas que cobriam a galeria parisiense na tarde de quinta-feira — o espaço vestiu-se a rigor para apresentar os coordenados de Hugo Costa para a próxima estação fria. “Maybe We’ll Be Together Again”: o nome de batismo da coleção, à semelhança de praticamente todas as mensagens escritas nas paredes, foi retirado do Muro de Berlim para questionar a falta de liberdade que, nos tempos que correm, ainda se faz sentir. A completar o cenário estavam vigas de betão e blocos de cimento espalhados pelo chão, e cerca de 10 modelos em pontos estratégicos, disponíveis para posar para as lentes fotográficas mais e menos profissionais dos convidados.

A presença “muito violenta” do bolso é um dos pontos de referência da coleção de Hugo Costa. © Ugo Camera

Foi ver para crer. Formas e materiais austeros e um styling mais complexo fazem parte da nova coleção de Hugo Costa. A presença “muito violenta” do bolso salta à vista, bem como a forte aposta na fibra natural (algodão e lã, que se juntam à fazenda, à ganga e à sarja) — por oposição à presença do que é tecnológico. O uso da cor, assegura o designer, também é mais complexo: se no passado a tendência era para ter visuais organizados por blocos de cor, agora houve necessidade de misturar e complicar por causa do “lado emocional” do ser humano — ei-los, o bege, o bordeaux, o rosa velho, o cinza, o preto e o verde seco, emaranhados entre si. A história das oposições vai além das tonalidades: os coordenados que refletem a “irreverência da rua” interligam-se também com elementos do vestuário clássico, como blazers e sobretudos.

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Que não haja dúvidas: há uma mensagem ativista no mais recente trabalho de Hugo Costa. O tema da coleção podia ter que ver com as sucessivas manifestações de coletes amarelos que têm invadido a capital francesa. Podia, mas não é o caso. “Tem que ver com igualdade, com a necessidade de fugirmos ao extremismo. De passarmos valores para gerações futuras. São coisas que me preocupam e que deviam preocupar toda a gente. Construímos muitos muros emocionais, as pessoas têm de se aproximar umas das outras, têm de se preocupar umas com as outras”, disse o designer ao Observador. Foi o teor humanista encontrado nas mensagens do muro que caiu em novembro de 1989, unificando por fim uma cidade quebrada em duas, que Hugo Costa encontrou a inspiração que se traduz, entre outras peças, numa sweat estampada por inteiro com frases retiradas do muro — a criação e apresentação dos coordenados exigiu um trabalho demorado de investigação (ainda que à distância de um computador).

Rosa velho, preto e cinza foram algumas das cores escolhidas pelo estilista de São João da Madeira. © Ugo Camera

O que demora também é a construção de uma marca, garante Hugo Costa, pelo que aproximar coleções de quem as pode comprar é uma estratégia que tem surtido efeito, bem como estar presente numa semana da moda masculina tão importante quanto esta. O designer anda há conquista do mercado asiático — com Hong Kong, China e Japão na lista de compras e ambições apontadas na direção da Coreia do Sul –, apesar de assegurar ter clientes em Espanha e um showroom em Paris que já vai na sua quarta edição. Quebrando os muros que, eventualmente, também existirão no universo da moda, Hugo Costa só tem de continuar a sua narrativa muito própria.

O Observador viajou até Paris a convite do Portugal Fashion