Os sindicatos dos enfermeiros vão contestar a requisição civil decretada pelo Governo através de uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias e não por uma providência cautelar, precisou esta sexta-feira o advogado Garcia Pereira à agência Lusa.

Garcia Pereira esclareceu que a equipa de advogados do sindicato dos enfermeiros optou por apresentar no Supremo Tribunal Administrativo (STA) uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias porque se trata de “um meio mais expedito e eficaz” que a providência cautelar. Segundo o advogado, trata-se de um processo especial em que o juiz tem de decidir num prazo muito curto (em 48 horas), podendo decretar logo a suspensão do ato em causa (requisição civil).

Na opção pelo processo especial de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias terá ainda pesado o facto de na intimação o juiz ter poderes mais amplos. O advogado admitiu, porém, que o juiz poderá converter a intimação em providência cautelar, mas o facto de aquele magistrado judicial poder decretar imediatamente a suspensão do ato (requisição civil) torna a intimação mais vantajosa.

Na base desta opção, segundo fontes jurídicas, estará o facto de a providência cautelar não assegurar muitas vezes a suspensão do ato em causa porque face à suspensão do mesmo o Governo resolve fundamentar invocando o “interesse público” para “manutenção do ato”. Este “enfraquecimento” da providência cautelar terá sido acentuado com a última revisão do Código de Procedimento Administrativo.

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A intimação está regulada nos artigos 109 a 111 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), resultando da análise de juristas que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é um instrumento desenhado para garantir uma grande elasticidade e que o juiz deverá dosear em função da intensidade da urgência, devendo este pressuposto ser analisado no caso concreto.

Lúcia Leite, presidente do sindicato ASPE, explicou ao Observador que o sindicato recebeu apenas a informação da portaria que decreta a requisição civil para assegurar serviços mínimos e que, como o sindicato considera que estes têm sido assegurados, não haverá nenhuma alteração no funcionamento das escalas: “Se quiserem mais efetivos, têm de os requisitar”, afirmou a dirigente sindical. O ASPE irá reunir-se extraordinariamente esta sexta-feira “para definir a sua estratégia” e decidir se se junta à providência cautelar do Sindepor.

O Hospital de São João, contactado pelo Observador, recusou tomar posição relativamente à greve dos enfermeiros, não confirmando nem desmentindo o cumprimento dos serviços mínimos.

No hospital de São João todos os onze blocos centrais e os três blocos de cardiologia estão em funcionamento, mas apenas um dos dois blocos de neurologia, um dos dois blocos de estomatologia e um dos três blocos de oftalmologia (podendo outro abrir durante a tarde). No hospital de Santo António, também no Porto, apenas seis dos quinze blocos centrais estão em funcionamento.

Contactado pelo Observador, o Centro Hospitalar Tondela-Viseu recusou dar informações sobre o funcionamento do hospital após o requerimento civil, não confirmando nem negando o cumprimento dos serviços mínimos. Não está prevista qualquer declaração pública durante o dia de hoje.

Sindicatos garantem que cumpriram serviços mínimos e que nenhum caso “impreterível” foi adiado

Catarina Barbosa, enfermeira que promoveu o movimento de apoio à greve cirúrgica, considerou que a requisição civil “foi uma forma de dar a volta” para apanharem os enfermeiros “desprevenidos”. “Foi um ato de muito má fé da própria administração, nós continuamos a dizer que os serviços mínimos foram garantidos”, referiu. Em declarações aos jornalistas, Carlos Ramalho, do Sindepor, garantiu que ao contrário do que alguns hospitais alegaram os serviços mínimos sempre foram cumpridos e que o que aconteceu foi que tinham sido agendadas cirurgias programadas que mesmo que os enfermeiros não estivessem em greve seriam adiadas.

Também Lúcia Leite, da Associação Portuguesa Sindical dos Enfermeiros (ASPE) apresenta esta justificação: “Sempre denunciámos que estavam a ser agendados mais doentes do que o que é habitual em situação regular”, declarou ao Observador. “Estar a exigir aos enfermeiros em greve, de serviços mínimos, que trabalhem mais horas do que o horário regular, não me parece lícito.” A dirigente sindical vai ainda mais longe e afirma ter informação de que os tempos operatórios de algumas das salas urgentes dos hospitais em causa não foram sequer ocupados por inteiro esta quinta-feira: “Não sei de nenhuma situação impreterível, e que tenha posto em causa a vida, que torne necessária esta requisição civil.”

A informação que tenho é que houve adiamento de algumas cirurgias porque era demasiado para a capacidade [do hospital], mas isso não quer dizer que [o doente] não seja operado amanhã”, afirmou, explicando que tal não significa que os serviços mínimos não estão a ser cumpridos.

“Todos os dias são adiados doentes por falta de material ou de sala. Assentar uma requisição civil nisso parece-me excessivo”, resumiu.

Bastonária apoia sindicatos: “Apoio as reivindicações dos enfermeiros quando são justas e neste caso são”

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, reforçou que a informação de que dispõe é a de que os serviços mínimos terão sido cumpridos. Contudo, para apurar a situação, a Ordem dos Enfermeiros convocam uma reunião com os enfermeiros-diretores, o movimento da greve cirúrgica e os sindicatos para a próxima terça-feira. Questionada pelo Observador sobre por que razão o Governo afirma que os serviços mínimos não estão a ser cumpridos, a bastonária dos enfermeiros diz temer que esta situação seja a de uma acusação “sem provas”, semelhante à que foi feita aquando da primeira greve cirúrgica por um representante da Ordem dos Médicos. “A montanha pariu um rato, ele não tinha provas. As pessoas têm de se referir a factos concretos”, declarou a bastonária.

Ainda assim, Ana Rita Cavaco afirma que seria importante o Governo retomar as negociações com os sindicatos e reaproximar-se da Ordem, após o corte de relações feito pelo Governo: “É desejável que o senhor primeiro-ministro perceba que são necessárias cedências e concessões. Se não deseja uma escalada de tensão, não pode encostar os enfermeiros a uma situação em que eles não têm nada a perder“, afirmou.

Por muito que o primeiro-ministro não goste, não é ele que escolhe o bastonário dos enfermeiros, são os enfermeiros, tal como são os portugueses que elegem o primeiro-ministro. É a democracia”, atira a bastonária.

Questionada pelo Observador sobre se a Ordem apoia medidas como a providência cautelar ou a greve de zelo, Ana Rita Cavaco explica que a Ordem “apoia as reivindicações dos enfermeiros quando são justas e neste caso são. São os meios legais que estão à disposição dos sindicatos”.

Catarina Barbosa, do Movimento Greve Cirúrgica, respondeu ainda às dúvidas levantadas pelo PS e pelo Presidente da República relativamente ao financiamento da greve através de doações anónimas num serviço de crowdfunding. “Desde 2013 até agora não houve problemas com o crowdfunding e até o primeiro-ministro, António Costa, pôde utilizar um crowdfunding para a sua campanha eleitoral à Câmara Municipal de Lisboa. Agora como são os enfermeiros já é um problema muito grande. Não percebo porque mudou assim tanto nestes anos. É uma situação que existe, que é legal e fomos criativos nesse sentido. A recolha [de fundos] é às claras e transparente”

Marcelo diz que é “intolerável” qualquer recusa dos enfermeiros à requisição civil

Dezenas de enfermeiros estão concentrados desde de manhã em frente ao hospital de Santa Maria, em Lisboa, e do São João, no Porto, em protesto pela posição do Governo em decretar a requisição civil na greve, acusando a tutela de uma atitude persecutória para com a classe.

Segundo o Ministério da Saúde, “o direito à greve será condicionado”, através da requisição civil, “apenas na medida do estritamente necessário para preservar o direito à proteção da saúde”. O argumento foi rejeitado pelos dois sindicatos que convocaram a greve em blocos operatórios, que dizem que não houve incumprimento dos serviços mínimos.

A portaria que decreta com efeito imediato a requisição civil dos enfermeiros que aderiram à greve nos centros hospitalares onde não foram cumpridos os serviços mínimos foi publicada na quinta-feira à noite em Diário da República.

“A presente portaria entra imediatamente em vigor” pelo que “no dia 8 de fevereiro de 2019, os enfermeiros a requisitar devem corresponder aos que se disponibilizem para assegurar funções em serviços mínimos, e, na sua ausência ou insuficiência, os que constem da escala de serviço”, lê-se no diploma.

A requisição civil produz efeitos até ao dia 28 de fevereiro de 2019. A portaria requisita os enfermeiros que exerçam funções no Centro Hospitalar e Universitário de S. João, no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu “que se mostrem necessários para assegurar o cumprimento dos serviços mínimos” definidos pelo tribunal arbitral.

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Sindicato dos Enfermeiros marca greve de zelo — mas não por causa da requisição civil

O Sindicato dos Enfermeiros vai avançar com uma greve de zelo a partir de março, caso o Governo recuse retomar as negociações que, garante o presidente do órgão, José Azevedo, ao Observador, “estavam a dois passos de serem fechadas”.

Uma greve de zelo implica a limitação das funções cumpridas pelos enfermeiros às definidas estritamente no seu código profissional. “Numa greve de zelo, o sistema fica mais lento, mas mais perfeito” uma vez que o enfermeiro “se aproxima mais do doente”, defende José Azevedo. “O enfermeiro deixa de fazer horas extra, de conduzir viaturas em serviço, de limpar os balcões e de fazer registos”, exemplifica o presidente do Sindicato dos Enfermeiros.

Contudo, José Azevedo clarifica que esta greve não está relacionada com a greve cirúrgica, embora tenha “ajudado ao esforço do FENSE [Federação dos Sindicatos dos Enfermeiros]. Eles levantaram a poeira e nós aproveitámos.” “A greve de zelo é relativa às negociações iniciadas a 16 de agosto de 2017”, confirma o dirigente sindical. Tendo em conta que a greve cirúrgica acaba em fevereiro, esta terá início logo em março.

Também o Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem (SIPE) irá avançar com uma greve de zelo em março, em conjunto com o Sindicato dos Enfermeiros — ambos fazem parte da FENSE. Isso mesmo explicou o presidente do SIPE, Fernando Parreira, justificando a greve caso não seja “retomada a negociação do acordo coletivo de trabalho interrompido unilateralmente pelo ministério”.