Um jogador chega a um clube. Pode ser melhor ou pior, pode ser mais ou menos conhecido, para o efeito nem interessa muito. Começa a jogar, as coisas não saem, a tolerância depois de alguns encontros começa a perder-se, o inevitável veredicto acaba por chegar: é mau. E se os resultados não aparecem, a culpa dele. Mas, como em tudo, há sempre um outro lado. Um outro lado que parece óbvio mas que muitas vezes acaba por ser descurado: então e quem o contrata também não tem culpa?

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Este raciocínio não está diretamente ligado a ninguém do Real Madrid mas explica da melhor forma as primeiras opções que Zinedine Zidane tomou no regresso ao Santiago Bernabéu pouco mais de nove meses depois. Recuando ao início da era Santiago Solari no comando da equipa e recuperando a possibilidade que esteve em cima da mesa de José Mourinho ser contratado, existia uma ideia clara com diretrizes superiores nos merengues, neste caso de Florentino Pérez: era preciso acabar com o peso excessivo de alguns jogadores no balneário do clube. Isco deixou de ser opção por ter entrado desde início em choque com o argentino mas Marcelo foi exemplo paradigmático dessa tentativa de começar a criar um novo ciclo sem beliscar o ambiente no grupo. O líder considerava que os jogadores conseguiam sentenciar fora de campo o trajeto dos técnicos e quis acabar com isso. O treinador francês, que conhece como ninguém aquele “núcleo”, provou que não tem de ser assim.

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À exceção de Odriozola, que foi titular pela lesão de Carvajal, Zidane escolheu um onze para a receção ao Celta de Vigo apenas com jogadores que tinham trabalhado consigo. E promoveu surpresas como a troca de Keylor Navas por Courtois na baliza, a colocação de Marcelo como lateral esquerdo em vez de Reguilón, a aposta em Isco para dar outra capacidade de construção e criatividade no meio-campo perante o castigo de Casemiro ou o lançamento de Asensio e Bale no tridente ofensivo. Deu uma mensagem de confiança a quem já tinha trabalhado consigo, mostrou que a qualidade, o ambiente e a harmonia de um balneário também é feita com o tipo de liderança que por lá existe. A de Zidane, como escreviam os jornais espanhóis, é hipnótica.

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Navas até foi o primeiro grande protagonista do encontro frente ao Celta de Vigo, com uma defesa fantástica quando estava já em contra pé a evitar o golo de Maxi Gómez (15′). O Real dominava em termos territoriais, tentava sempre explorar as trocas rápidas de flanco mas foi preciso esperar até à meia hora para criar uma verdadeira oportunidade, quando Gareth Bale acertou na trave da baliza de Ruben Blanco. E continuou a ser a “velha guarda” a destacar-se, com Marcelo a obrigar o guarda-redes do conjunto de Vigo a uma grande defesa para canto e, na sequência do lance, Sergio Ramos a cabecear a rasar o poste (36′). O intervalo chegou com o nulo e outro assunto paralelo muito comentado nesse período – os seguranças do Santiago Bernabéu foram retirar uma tarja na bancada que dizia “Florentino culpado”. Logo no dia do jogo 900 na liderança do clube.

No segundo tempo, e com os visitantes a provarem mais uma vez o porquê de estarem em posição de aflitos pela incapacidade de ter saídas rápidas em transição com qualidade, Modric ainda chegou a marcar aos 55′ antes de ver o golo anulado pelo VAR (por Varane estar no raio de ação da bola em posição irregular) mas Isco inauguraria pouco depois o marcador na pequena área, após assistência de Benzema e uma grande jogada de Asensio (63′). Pouco depois, o médio deu lugar a Ceballos. Saiu com o Bernabéu de pé a aplaudir. Uma imagem que valeu por tudo em relação à opinião dos adeptos merengues sobre a situação do 10. Mais tarde, Gareth Bale, num remate na área a aproveitar um buraco na defesa contrária depois de uma arrancada de Marcelo pela esquerda antes de fazer a assistência para o galês, aumentou para 2-0 (76′). A exibição não foi a melhor mas o Real Madrid quase que recuou mais de nove meses no tempo, voltando a ganhar no Santiago Bernabéu depois de quatro derrotas seguidas em casa (Girona, duas com Barcelona e Ajax). Só faltou mesmo… Cristiano Ronaldo.