As organizações não governamentais (ONG) representativas da sociedade civil de Moçambique argumentam que o impacto do ciclone idai é mais um argumento para o Governo não ter de pagar a dívida oculta, que consideram ilegal.

“Está na altura de as autoridades moçambicanas serem transparentes relativamente à dívida odiosa e deviam genuinamente investir todos os seus recursos na salvaguarda das vidas do povo de Moçambique e na integridade da nossa nação”, disse Denise Namburete, uma ativista do Fórum de Monitoria do Orçamento, em Maputo.

Para esta dirigente do organismo que acompanha a evolução do orçamento, “não há hipótese de o país conseguir recuperar da magnitude do impacto do ciclone idai sem vencer a cultura de corrupção, que suga os recursos essenciais da infraestrutura pública que pode salvar vidas e potenciar o desenvolvimento”.

O escândalo de corrupção ao mais alto nível no anterior Governo de Moçambique ficou conhecido como o caso das dívidas ocultas, e representa dois empréstimos contraídos por empresas públicas (MAM e ProIndicus) sem o conhecimento das autoridades nacionais e dos doadores internacionais, com o aval do Estado, e no âmbito do qual estão detidos três antigos banqueiros do Credit Suisse, o antigo ministro das Finanças Manuel Chang e o filho e a secretária pessoal do antigo Presidente da República Armando Guebuza.

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“A devastação causada pelo ciclone Idai é mais uma razão para o povo moçambicano não ter de pagar um centavo dessas dívidas”, defendeu o economista-chefe do Comité para o Jubileu da Dívida, uma ONG britânica.

“A economia moçambicana já foi suficientemente atingida por uma crise da dívida desencadeada por empréstimos secretos de 2 mil milhões dados por bancos britânicos”, disse à Lusa Tim Jones, acrescentando que “há pelo menos 700 milhões de dólares desaparecidos, e uma investigação norte-americana alega que pelo menos 200 milhões foram gastos em subornos a banqueiros e políticos envolvidos nas transações”.

Para este economista, o facto de, três anos depois dos empréstimos terem sido divulgados, “a injusta situação da dívida não ter ainda sido resolvida é uma acusação maldita para a comunidade internacional em geral e para o Governo britânico em particular”, até porque “o falhanço na resolução da crise da dívida nos últimos três anos pode prejudicar os esforços de reconstrução” dos estragos causados pelo ciclone Idai, que já matou cerca de 300 pessoas só em Moçambique, a que se juntam outras 300 no Zimbabué e Malaui, afetando quase 3 milhões de pessoas, no total.

“As pessoas estão agora mesmo a morrer em Moçambique por causa do ciclone e das inundações; as pessoas estão nos telhados à espera de serem salvas por ajuda que muitas vezes não chega; o povo precisa de uma resposta de emergência agora mesmo para sobreviver a esta crise”, disse Anabela Lemos, da ONG Justiça Ambiental.

O impacto do ciclone é “uma lembrança dura de que a crise climática está aí e que os países desenvolvidos precisam urgentemente de reduzir as suas emissões e parar de financiar a exploração de combustíveis fósseis”, disse Anabela Lemos, apontando que “agora mesmo, o Governo britânico está a ponderar financiar a exploração de gás em Moçambique, quando o que precisamos é, em vez disso, de energias renováveis centradas nas pessoas”.

O ministro das Finanças atual considerou recentemente, no Parlamento , que serão os tribunais britânicos a decidir se o Estado deve pagar esses empréstimos, no valor de cerca de 1,3 mil milhões de dólares, mas sobre os 727,5 milhões de dólares em títulos de dívida pública emitidos para substituir uma emissão obrigacionista da EMATUM, o Executivo diz que continua a negociar com os ‘bondholders’, os detentores desta dívida soberana.

Em 2016, a revelação de que o Governo tinha prestado garantias do Estado em empréstimos contraídos em 2013 e 2014 levou à suspensão de vários apoios internacionais, incluindo do Fundo Monetário Internacional (FMI), causando uma quebra de confiança entre os doadores internacionais, o que contribuiu para a degradação das perspetivas económicas e atirou o país para o nível de ‘default’ (incumprimento financeiro) por parte das agências de notação financeira.