Ainda embalados por “Bohemian Rhapsody”, surge “Rocketman”, um filme-musical-biografia sobre um período da vida de Elton John. Diz-se que está na moda, esta coisa das biografias de músicos. Se está ou não, logo se verá, não nos podemos esquecer que há uns anos houve também um boom com filmes em volta de Johnny Cash, Ray Charles, Joy Division/Ian Curtis ou Bob Dylan. Isto foi há uma década e estes são só alguns exemplos. Mas estão a caminho biopics – ou espécies de – em volta de Beatles, Celine Dion, Bruce Springsteen, Aretha Franklin e David Bowie.

Realizado por Dexter Fletcher e com Taron Egerton no papel principal, este “Rocketman” concentra-se numa parte específica da carreira de Elton John, aquela que também foi a mais produtiva, para contar uma narrativa de descoberta, ascensão, queda e salvação. As drogas estão no centro de tudo, afetam as suas decisões, as suas relações e, em muito, a sua música. Há um período absolutamente doido – e “doido” é mesmo a expressão certa – na carreira de Elton John, que vai desde o início de 1970 até Rock Of The Westies (1975).

Em “Rocketman” isso está bem marcado com dois momentos, as primeiras datas de Elton John nos Estados Unidos, meses após o lançamento de do álbum homónimo de 1970, e o concerto no Dodger Stadium em Outubro de 1975, dois dias após uma tentativa de suicídio. Ainda assim, “Rocketman” prolonga-se para lá de 1975 – se a baliza for feita com os álbuns, termina em 1983, com Too Low For Zero – com a presença do videoclip de “I’m Still Standing” para marcar o fim de uma vida de deboche.

[o trailer de “Rocketman”:]

“Rocketman” foi apresentado pela primeira vez a 17 de maio durante o Festival de Cannes e chega esta quinta-feira às salas portuguesas. Recebeu boas críticas durante o festival e é um filme que encapsula bem a fantasia existente em volta do imaginário de Elton John. Deixa as suas intenções bem claras logo nas primeiras cenas: “Rocketman” é uma obra sobre um período sem limites (os anos 1970) e a purga a que o músico se forçou para a abraçar a figura que conhecemos desde os anos 1980 até hoje. É o Elton John Sir, o Elton John “Candle In The Wind”. “Rocketman” é sobre o Elton solitário, canalha e explosivo. E como esse Elton se tornou no outro Elton.

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O filme arranca com o artista a interromper uma reunião de pessoas em reabilitação. Senta-se, invade, conta a sua história. O imponente e espampanante Elton John precisa de salvação. E é essa história que começa a contar e a cantar, é essa a história que o espectador vai ver. Desde a sua infância em Middlesex, passando pela amizade com Bernie Taupin (o homem responsável pela grande maioria das letras que o compositor canta) até chegar aos Estados Unidos e voar como um Rocket Man.

O filme completa-se bem com a moda de Elton John, o que vestiu em certos momentos ou o que usou em determinados concertos. Detalhes subtis que contam muito da história nas entrelinhas. Tal como os álbuns, a hiperprodutividade entre 1970-75 e o trabalho incansável para crescer de um miúdo tímido para um músico milionário adorado por multidões. Talvez por isso o episódio no Dodger Stadium seja tão significativo e seja antes dele que se ouve a canção “Rocket Man”: é o homem das estrelas a perceber a banalidade do seu trabalho, da sua existência. É um trabalhador como todos nós. Mas também é Elton John. E Elton John tem de subir ao palco do Dodger Stadium aconteça o que acontecer. E dar o espectáculo de uma vida.

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Há muito – mesmo muito – Elton para lá de 1975. Mas o período 1970-1975 é especial, tanto no filme como na história de carne e osso que o homem escreveu. A produção é intensa (nove álbuns) e miraculosa. São muitas as canções que ficaram, são vários os álbuns que foram compostos com a urgência de quem estava a viver livre e ferozmente, num pico criativo muito raro. Quando se diz que não se gosta de Elton John a alguém que conhece estes álbuns, a resposta é quase sempre a mesma: já ouviste o Honky Château e o Goodbye Yellow Brick Road?

São álbuns monumentais. De quem parecia acordar com um vodka mão, uma linha de cocaína na mesa de cabeceira, robe vestido e pronto para compor a melhor canção de sempre em cinco minutos. Essa ferocidade está presente em “Rocketman”, contudo, os álbuns ficam de fora. A partir do momento em que toca no Troubadour Club em Los Angeles, a carreira de Elton John em “Rocketman” passa de pé descalço para milionário. É uma ascensão meteórica, digna precisamente de um piloto de foguetões, que vai sendo composta por canções, mas que ignora o pico criativo de Elton durante esse período. E há álbuns inescapáveis.

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“Madman Across The Water”

1971

É o quarto álbum na carreira de Elton John e o terceiro editado no período de um ano e meio, depois de Elton John e Tumbleweed Connection (e sem contar com o álbum ao vivo, 17-11-70). É o primeiro composto depois de uma intensa digressão pelos Estados Unidos que serviu para sedimentar e glorificar Elton John junto dos yankees. Madman Across The Water abre com um dos seus maiores clássicos, “Tiny Dancer”, e inclui também “Indian Sunset” ou “Levon”:

“Honky Château”

1972

Gravado num castelo francês, o Château d’Hérouville, Honky Château é um álbum de transição na carreira de Elton John. O compositor de canções meio-cabaret deixa o poder do rock’n’roll correr-lhe pelo corpo depois de passar quase dois anos a tocar para audiências que começavam a sentir – e a reagir – a esse poder na sua música. Arranca com “Honk Cat”, explode com “RocketMan (I ThinkIt’s Going to Be a Long, LongTime)” e ainda tem tempo para “Mona Lisas and Mad Hatters” e “Hercules”. Em Honky Château encontram-se a origem de muitas das referências sonoras – e cadências na voz e na música de Elton John – que virariam fórmula para os próximos álbuns.

“Don’t Shoot Me I’m Only The Piano Player”

1972

Honky Château saiu em maio, o álbum seguinte saiu no mesmo ano, em outubro. Foi direto para o primeiro lugar de vendas nos Estados Unidos e mostrou que havia mesmo qualquer coisa de especial na água do Château d’Hérouville, em França. É aqui que constam canções como “Crocodile Rock”, que marca um momento importantíssimo em “Rocketman”, “Daniel” ou “Elderberry Wine”.

“Goodbye Yellow Brick Road”

1973

Um ano depois e mais um álbum. Gravado onde? Vocês sabem. É muitas vezes apontado como o melhor de Elton John, talvez por evidenciar em grande o pico criativo em que vivia, o aperfeiçoamento da fórmula que começou a surgir em Honky Château. A história conta-se pelas canções, “Candle In The Wind”, “Bennie And The Jets”, “Goodbye Yellow Brick Road” ou “Sweet Painted Lady”. Mais uma? Não custa nada: “Funeral for a Friend/Love Lies Bleeding”

“Caribou”

1974

Gravado em poucos dias, Caribou arranca com “The Bitch Is Back”, a primeira música de Elton John que se faz ouvir em “Rocketman”. Há ainda “Grimbsby”, “Pink” ou “You’re So Static”. E chegaram aqui com a pergunta “onde é que está aquela canção que ele mais tarde viria a cantar com o George Michael”? Está aqui. “Don’t Let the Sun Go Down on Me” era um prenúncio do que estava para vir?

“Rock Of The Westies”

1975

É durante a digressão de Rock Of The Westies que tudo começa a ruir. Anos de abusos e abusos parecem dar conta da cabeça de Elton John. Gravado no Caribou Ranch, no Colorado, tal como Caribou e Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy (o álbum anterior, também de 1975). O filme retrata este momento com uma história já conhecida, a tentativa de suicídio, segundo o próprio Elton por culpa do stress e por ter andado a trabalhar sem parar durante cinco anos. Tentou, falhou e dois dias depois estava a celebrar a vida com um concerto monumental no Dodger Stadium em Los Angeles. Emmylou Harris e Joe Walsh (que faria parte dos Eagles) abriram para um concerto que já não se vê nos dias de hoje: trinta e uma canções ao longo de três horas.