Quatorze bancos que operam em Portugal, entre os quais o BPI, BES, Caixa Geral de Depósitos e o antigo BPN, foram acusados de “prática concertada de troca de informação comercial sensível” pela Autoridade da Concorrência (AdC).

A AdC impôs agora aos 14 bancos coimas no valor de 225 milhões de euros, por essas ações — que aconteceram durante mais de dez anos, entre 2002 e 2013, diz a Autoridade da Concorrência. Este é uma investigação que tem sete anos e começou com a denúncia de um dos bancos envolvidos.

A multa aplicada é a maior de sempre em processos de concorrência, sendo que o regulador não divulga a sanção aplicada a cada banco. Mas a maior coima foi de 80 milhões de euros e tudo indica que tenha sido aplicada à Caixa Geral de Depósitos, o banco com maior quota nos mercados visados. Questionado pelo Observador, fonte oficial da instituição não comenta. Já o BCP confirmou entretanto em comunicado ter sido multado em 60 milhões de euros. O banco liderado por Miguel Maya disse que vai impugnar a condenação no Tribunal da Concorrência de Santarém.  De fora das sanções ficaram os gestores das instituições bancárias visadas.

Num longo comunicado publicado no seu site oficial, a entidade reguladora detalha que os 14 bancos condenados são “o BBVA, o BIC (por factos praticados pelo então BPN), o BPI, o BCP, o BES, o BANIF, o Barclays, a CGD, a Caixa de Crédito Agrícola, o Montepio, o Santander (por factos por si praticados e por factos praticados pelo Banco Popular), o Deutsche Bank e a UCI”.

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Os bancos participantes na prática concertada trocaram informação sensível referente à oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas. Neste esquema, cada banco facultava aos demais informação sensível sobre as suas ofertas comerciais, indicando, por exemplo, os spreads a aplicar num futuro próximo no crédito à habitação ou os valores do crédito concedido no mês anterior, dados que, de outro modo, não seriam acessíveis aos concorrentes”, acusa a Autoridade da Concorrência.

De acordo com a entidade reguladora, “cada banco sabia, com particular detalhe, rigor e atualidade, as características da oferta dos outros bancos, o que desencorajava os bancos visados de oferecerem melhores condições aos clientes, eliminando a pressão concorrencial, benéfica para os consumidores”.

Maiores multas para os maiores bancos. Novo Banco escapa

O valor das multas foi determinado ” tendo em conta a gravidade e duração da participação na infração por cada banco visado, tendo em consideração os mercados afetados , de acordo com a Lei da Concorrência”, justifica ainda a Autoridade da Concorrência. Outro fator que pesou no valor das multas foi a dimensão dos volume de negócios que cada banco faz nos segmentos abrangidos no processo. Por esta informação, tudo aponta para que as maiores multas tenham sido aplicadas aos bancos com maiores quotas de mercado: a Caixa, o BCP, o antigo BES , o Santander e o BPI.

O Santander fica com a multa que seria aplicada ao Banco Popular, que foi absorvido pelo primeiro no quadro de um processo de resolução. Mas livra-se da sanção devida pelo Banif, cuja operação comercial também foi adquirida pelo Santander, que é aplicada à instituição que ficou foi resolvida e que está na esfera pública. Também o Novo Banco escapou de uma coima que seria significativa, dado o peso do mercado do antigo BES. Quem foi multado foi o banco mau, que continua a existir enquanto entidade. Apesar de estar em liquidação e não ter licença bancária, icou com a responsabilidade pelos atos cometidos no tempo do Banco Espírito Santo, nos termos da resolução e da separação de ativos efetuada pelo Banco de Portugal.

Quem escapa também é o Barclays, cujas operações foram adquiridas pelo espanhol Bankinter. Neste caso, foi o banco inglês a denunciar o caso à Autoridade da Concorrência, beneficiando assim do regime de clemência. Um segundo banco envolvida nestas práticas e denunciante das mesmas “obteve uma redução de 50% no valor da coima que lhe foi aplicada”, acrescenta a AdC no comunicado.

Banco de Portugal alertou para efeito da multa máxima na estabilidade financeira

Dada a dimensão das coimas e a natureza sistémica da sua aplicação, poucos bancos escapam, o Banco de Portugal alertou a Concorrência para o impacto material que a aplicação da coima máxima prevista na lei, 10% do volume de negócios do segmento onde foram identificadas as práticas irregulares, teria na estabilidade financeira. E alertou para o efeito na resiliência de “um número significativo de instituições num cenário de recuperação do sistema bancário”.

Tudo indica que a Autoridade da Concorrência teve em consideração este parecer na fixação do valor das coimas que dada a natureza abrangente das atividades bancárias apanhadas poderia ter sido mais elevada. Num documento com perguntas e respostas, a AdC refere que as coimas aplicadas “representaram uma parcela reduzida dos volumes de negócios totais dos bancos visados”. 

A entidade que zela pelas regras de livre concorrência afirma ter feito buscas e apreensões em “25 instalações de 15 bancos participantes na infração”, entre outras ações de investigação. O processo “teve um elevado grau de litigância, tendo estado suspenso durante cerca de um ano, na sequência de decisões judiciais levantadas por questões de natureza processual. A nota de ilicitude, que corresponde à acusação num processo da Concorrência, foi entregue aos bancos em maio de 2015. Não obstante, de um total de 43 recursos apresentados pelos bancos visados, só 5 decisões foram desfavoráveis à AdC”, refere o comunicado.

A investigação da Autoridade da Concorrência concluiu que houve uma concertação “ilícita” que permitiu aos bancos reduzir o risco e a incerteza no que respeita à atuação dos seus concorrentes diretos. Este “desvirtuar da concorrência” afetou os principais mercados de crédito bancário, desde o crédito à habitação, passando pelo consumo e pelo crédito às empresas.

A prática sancionada terá durado 11 anos, entre 2002 e 2013, data em que o regulador realizou as primeiras buscas e apreensões nas instalações dos bancos.

BCP nega efeito negativo para os consumidores

Em comunicado, o BCP garantiu que prestou à AdC todos os esclarecimentos solicitados e que expôs os motivos pelos quais considera que as acusações que lhe foram dirigidas não se encontravam adequadamente sustentadas e fundamentadas. O banco negou que as “práticas de partilha de informação imputadas ao BCP tenham tido qualquer efeito negativo para os consumidores”. O banco lembra que o período abrangido pela decisão inclui os anos pré-crise financeira de 2008 “em que se verificaram práticas comerciais muito competitivas entre instituições, com vista ao reforço das respetivas quotas de mercado, as quais foram posteriormente e publicamente reconhecidas por analistas e pelos media em geral como geradoras de crédito com preços muito baixos”.

Após 2008 o preçário do BCP refletiu o aumento generalizado dos spreads de crédito em consequência da crise económico-financeira e as condições de financiamento do país. As informações trocadas pelos departamentos de marketing, acrescenta, “correspondiam, no caso do BCP, aos spreads standard que são divulgados através do preçário geral e não aos preços que acabavam por ser praticados nas negociações individuais com os clientes”.

A condenação do chamado “cartel da banca”, apesar da prática ilegal visada não ser um cartel, é conhecida poucas semanas depois da entidade liderada por Margarida Matos Rosa, ter divulgado outra condenação importante no setor financeiro, essa sim por cartel.

Cartel. Autoridade da Concorrência condena Zurich e Lusitania a multa de 42 milhões por fixarem preços

Atualizado às 22. 10 com comunicado do BCP.