Vai no Calçadão entre o posto 2 e 3, tropeça numa pedra, começa a cambalear mas não cai. É milagre, porque é ele, ou Ele, Jesus. Sai de carro do Ninho do Urubu, entra num cruzamento com prioridade, olha para o lado em vez de avançar e vê passar por si uma viatura a alta velocidade que não cumpriu os sinais de trânsito. É milagre, porque é ele, ou Ele, Jesus. Agarra numa equipa com carências físicas, debilidades táticas e até problemas disciplinares, ganha 15 pontos em menos de meia volta do Campeonato e ainda vai à final da Taça dos Libertadores. É milagre, porque é ele, ou Ele, Jesus. Em termos reais, apenas o último cenário aconteceu. Mas é por este último cenário ter acontecido que os dois primeiros também podiam acontecer. O Brasil está rendido a Jesus, Jorge Jesus.

O treinador português já seria uma figura incontornável pelos recordes que conseguiu atingir no Campeonato desde que assumiu o comando do conjunto do Rio de Janeiro mas, depois de ter apurado o Fla para a sua segunda final de sempre da Taça dos Libertadores, tornou-se ainda mais mediático e figura central de reportagens de fundo pela imprensa nacional, como aquela da Globo que recorda o pai e a infância difícil que teve antes de entrar no futebol. De adeptos a dirigentes, das velhas glórias aos próprios adversários, Jesus é indiscutível e ganha ainda mais admiração dos próprios jogadores em pormenores como o que teve antes do encontro com o CSA, quando deixou que todas as famílias pudessem ver o último treino e convivessem num ambiente mais reservado. Ainda assim, havia a questão do jogo. Um jogo onde até poderia haver mais a perder do que a ganhar.

Com a densidade competitiva a ter cada vez maior peso, a confiança por uma goleada histórica na meia-final da Taça dos Libertadores a poder abrir o flanco para facilitismos, o momento do adversário a reforçar o favoritismo e uma série de 13 vitórias e um empate nos últimos 14 encontros para o Campeonato, o Flamengo tinha o CSA como adversário em campo e o próprio Flamengo como maior adversário fora dele – e neste caso por Flamengo entenda-se uma massa adepta que anda nas nuvens e uma equipa que joga como se fosse inquestionável. E a primeira parte acabou por ser exatamente um reflexo dessa mesma ideia, no melhor e no pior.

O Mengão teve uma entrada diabólica, quase dando continuidade ao ambiente frenético que se vivia mais uma vez num Maracanã lotado. Nas transições, nas combinações ofensivas, na conquista das segundas bolas, na pressão em zonas mais altas. Gerson, com um remate fortíssimo de fora da área encaixado por João Carlos (6′), deixou o sinal inicial de algo que demoraria apenas mais três minutos a surgir: numa jogada em velocidade entre dois artistas da bola no ataque do Flamengo, Everton Ribeiro assistiu Arrascaeta que tirou um adversário da frente na área com uma finta curta e rematou rasteiro para o golo inaugural que provocou a primeira explosão da noite (9′).

O ritmo abrandou depois um pouco mas, só até ao intervalo, entre remates defendidos por João Carlos e bolas que passaram muito perto dos postes, o Flamengo podia ter marcado por Gabriel Barbosa (22′), Everton Ribeiro (29′), Arrascaeta (44′) e Bruno Henrique (45′). No entanto, o balanceamento ofensivo e alguns posicionamentos falhados na recuperação permitiram que o CSA comandado pelo antigo central de Benfica e FC Porto Argel tivesse duas das mais flagrantes chances da metade inicial, com o sempre movimentado Apodi a obrigar Diego Alves a uma grande defesa (35′) e Dawhan a acertar na trave numa bola ainda desviada pelo guardião dos visitados (41′).

No segundo tempo, Gabigol ainda teve dois avisos ao lado (60′) e para defesa de João Carlos (67′), mas começou a sentir-se o desgaste físico sobretudo na altura de decidir, como se viu numa jogada com os quatro elementos mais atacantes do Flamengo que estiveram mais de 30 segundos às voltas para verem qual deles rematava à baliza ou em mais uma bola em profundidade a explorar a velocidade de Apodi e Warley que por pouco não deu o empate (69′ e 80′). O resultado não voltaria a mexer e Jesus conseguiu o seu CSA: Compromisso, Sonho e Arte, os predicados que aproximam a equipa do título dez anos depois perante os dez pontos de avanço a dez jornadas do fim e sempre a somar recordes, desta vez o de receita de bilheteira, que foi de 3,8 milhões de reais (850 mil euros).

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