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Shots, compras, vacas e um Presidente "acima dos ventos". A discrição fica para depois do Corvo

Este artigo tem mais de 4 anos

Marcelo promete discrição para o final do mandato. Em outubro, ou se remete ao "pudor" ou "desaparece suavemente". Mas agora, no Corvo, não há nada disso — houve apartes políticos a cada esquina.

Marcelo Rebelo de Sousa chegou ao Corvo e nas primeiras cinco horas correu tudo o que pôde, falou tudo o que conseguiu e contou as horas para jantar
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Marcelo Rebelo de Sousa chegou ao Corvo e nas primeiras cinco horas correu tudo o que pôde, falou tudo o que conseguiu e contou as horas para jantar

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Marcelo Rebelo de Sousa chegou ao Corvo e nas primeiras cinco horas correu tudo o que pôde, falou tudo o que conseguiu e contou as horas para jantar

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Ah meu Deus, vamos chegar à meia-noite com uma animação que não lhe digo…” Marcelo Rebelo de Sousa temia o pior, era o segundo shot de licor de Nêveda da ilha do Pico e no seu estômago, à hora de almoço, constava apenas “um fortimel” (concentrado de proteína), um golinho de imperial mal tirada (pelo próprio) e aqueles dois licores. Verdade seja dita, o ritmo já ia acelerado, com ou sem licores, com Marcelo a entrar, sair e voltar a entrar no restaurante que estava a confeccionar o jantar da noite, mal aterrou no Corvo, para a passagem de ano. Se o objetivo é cumprimentar cada um dos 430 corvinos recenseados, ali já ia bem lançado: nos primeiros 20 minutos na ilha, 30 beijos e duas selfies. Quer um final de mandato discreto, mas até lá ainda falta muito tempo e essa prática não começará no Corvo, seguramente.

Marcelo foi ao Caldeirão, não viu nada, mas andou a pé um quilómetro, mostrou “carinho pela pecuária”, a fazer-se à fotografia junto às vacas que pastavam na estrada que sai do Caldeirão em direção à Vila, visitou a Santa Casa da Misericórdia e falou com os cinco idosos que lá estavam, viu receitas dos medicamentos, comentou o que tomam, o preço do que tomam e os efeitos secundários do que tomam, contou que ontem foi à missa e que faltou vinho ao padre, seguiu pela estrada e parou na casa de um artista da terra, depois na “Loja Maria João”, que tem tudo, viu preços, comentou-os de si-para-si, cantarolou, abasteceu, mais uma paragem no Museu do Tempo e outra na Câmara. São seis da tarde. Quatro horas de Corvo e nem sombra de discrição ou de comida no estômago presidencial ou até de minutos mortos ou de curtos silêncios.

Na Loja da Maria João a ver e... a cheirar os produtos

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

É alérgico ao silêncio. Cantarola enquanto investiga o preço da roupa ensacada, nas prateleiras da loja dos pais de Ashley Domingos, que dá ali uma mão mas também trabalha no rent-a-car e é, ao mesmo tempo, presidente da Assembleia Municipal da Vila do Corvo. Passeia entre as prateleiras, faz lista de compras em voz alta, comenta sozinho os produtos de higiene, os vinhos, as bonecas: “LOL, isso já não é do meu tempo”. Chega à caixa com dois packs de leite, meio gordo e gordo, três pacotes de manteiga açoriana e um pedaço de queijo. “Chocolate não, que engorda”, pensa alto, enquanto olha para o expositor ali ao lado, abre os braços: “Licores!”. Desaparece e volta com três garrafas. 46 euros e 49 cêntimos e o contribuinte na factura: “É melhor, é melhor”.

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E mal chegou à ilha tratou logo de saber, no restaurante Caldeirão (há dois na ilha e este chega a servir entre 150 e 200 almoços num dia, em época de Verão… no Inverno ficam-se pelos 30), qual a ementa do jantar, sem deixar de comentar cada prato previsto. Lulas guisadas e bacalhau espiritual: “Bacalhau espiritual, ai adoro!”. Alcatra. “Ai alcatra, isso é ótimo. Mas é comer imenso!”. A escola do Corvo tem 52 alunos e 23 professores, mas hoje serve de sala de jantar presidencial para a entrada em 2020.

Marcelo já aterrou no Corvo e “o mergulho está garantido”

O Presidente “ao centro”, sem “ventos de direita ou de esquerda”

Atrás de Marcelo seguiu sempre o presidente da Câmara da Vila, José Silva, e o presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro. Ambos socialistas. E o terceiro Presidente ali presente, o visitante, não deixa escapar qualquer oportunidade para a provocação. Vem nisto desde o voo, quando depois de aterrar comentava com Vasco Cordeiro que os ventos laterais “puxavam para a direita e depois para a esquerda. Acabámos por ficar ao centro e eu achei que o resultado era um bom resultado”.

No Caldeirão, um quilómetro para garantir os seis quilómetros por dia que tem de fazer

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Depois, mais adiante, durante a caminhada junto ao Caldeirão do Corvo, dizia para os mesmos socialistas: “Sabem, o problema da governação ao centro são os ventos da direita e da esquerda. A vantagem do Presidente é que está um bocadinho acima do vento”. E mais adiante, quando já fazia contas para terminar o quilómetro a pé: “Chegamos ali à curva para a direita, que é a que mais me agrada mas é tão raro haver, e entramos na carrinha antes de virar à esquerda”. E outra ainda, mais abaixo, no miradouro Grades Brancas, a explicar onde tenciona dar o mergulho do primeiro dia do ano, logo pela manhã.

Aponta lá para baixo, para junto da pista do aeroporto onde aterrou pouco mais de uma hora antes, e explica: “Há dois caminhos possíveis. À esquerda temos a mais segura — mas é uma opinião — que é o porto… a que eu prefiro é à direita, que é a praia. As ondas são mais alterosas na praia, mas é uma inclinação que tenho para ali… sim, para a direita, para a praia e não para o porto“.

Selfie no Corvo com a presidente da Assembleia Municipal da Vila

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Soltam-se risos sempre que sai uma tirada mais política, mas é só mesmo nestes apartes que Marcelo vai espicaçando esquerda ou direita. Quando a pergunta vem direta dos jornalistas sobre se haverá recados para o Governo ali da ilha, na mensagem de Ano Novo que vai escrever depois da meia-noite, aí sai tudo muito mais reservado.

Refugia-se naquele que diz ser o seu “estilo”. “Tenho um princípio que é naquelas datas ou ocasiões mais simbólicas, não aproveitar para questões estritamente conjunturais”. “Havia muita tradição para aproveitar essas ocasiões, compreendo para presidentes que falavam menos do que falo, que se concentrasse nesses momentos as mensagens essenciais. Eu prefiro dispersá-las ao longo do ano”.

Entre o “pudor” e o “desaparecer suavemente”

Assim, para a mensagem de Ano Novo promete “questões mais intemporais”, por uma “questão de protagonismo e de estilo”, mas na chegada à ilha já tinha dito que também não seria só espuma — enquanto tirava uma imperial com mais gravata do que a dita — porque os seus discursos “nunca são só espuma, têm de ser lidos com muito cuidado”.

Ainda assim, a promessa é de uma mensagem mais reservada do que os apartes e declarações conjunturais que saem a cada paragem nesta visita ao Corvo. Marcelo não resiste a microfones e câmaras ligados ali à volta e vai disparando com quase tanta insistência quanto aquela que coloca na contagem decrescente para o repasto noturno. “Ainda faltam seis horas e vinte minutos para comer! Mas diz que o queijinho é bom… mas é picante? É amanteigado? Ai que bom… As vacas tinham boa cara, mas quem vê caras, não vê queijos!”

Um shot de cerveja mal tirada pelo próprio Presidente

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Está visto que não é por aqui que tenciona começar a cumprir a palavra que quer estar a seguir daqui a um ano, seja ou não recandidato a Presidente da República: ser “o mais discreto possível”. “No fim do mandato, das duas uma. O Presidente ou se recandidata e deve ter o pudor de não intervir nesse período que antecede as eleições para não ter vantagem sobre os adversários; ou não é candidato e deve desaparecer de cena suavemente. Isso acontecerá sempre a partir de outubro ou novembro”.

Sobre os seus antecessores que estiveram nas duas condições diz: “Os que se recandidataram tiveram o cuidado de, sendo candidatos, fazer mensagens inócuas, e os que estavam no fim do segundo mandato fizeram uma mensagem muito apagada. É de bom tom e bom senso democrático ser o mais discreto possível”. Mas não é aqui, no isolado Corvo, que desfaz o tabu da sua recandidatura.

Chegada ao Corvo, depois de uma aterragem feita no cockpit do avião militar

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Aproveita os pingos que começam a cair para contornar a questão. “É um sinal divino para que abreviemos essa conversa…” Mas não resiste a deixar um aviso aos comentadores, puxando a si o momento que todos prevêem acontecer a dada altura do ano que amanhã começa. “Tenho ouvido os comentadores dizerem que sou candidato, mas isso é a opinião deles. Quem decide sou eu”.

Por ali há apenas uma coisa que lhe escapa ao controlo — pelo menos por agora. Tem de andar seis quilómetros por dia e o Corvo tem apenas seis por quatro. “Hoje só fiz 880 metros e é pouco, muuuuuito poooouco”. Arranca pela estrada fora, contra o vento que sopra forte contra a pedalada presidencial, não sem lembrar o stent que pôs na intervenção cardíaca do ano que agora vai ficar no passado.

“Aqui há ar puro, vemos o céu, o mar, é revigorante. Melhor do que os dois stents que pus no final de outubro. Abre mais as artérias”. Não há um segundo de silêncio, nem quando nestas divagações sobre a beleza que o rodeia esquece que está no meio de uma nuvem. “Ah que maravilha! Este Caldeirão é estimulante! Com umas vistas…”. Olha para trás, como quem vai admirar a famosa lagoa na cratera do vulcão (inactivo) da ilha. Pouca sorte, o nevoeiro não deixava ver mais de um palmo à frente dos olhos. “Mas eu já vi e está igual!”. E segue.

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