Os suíços votaram este domingo a favor de uma proposta que pretende penalizar legalmente a discriminação feita com base na orientação sexual e na identidade de género. O “sim” conseguiu 63,1% dos votos, durante esta votação que terminou ao meio-dia local (11:00 em Lisboa), de acordo com os dados oficiais, citados pela BBC.

Em declarações ao canal público suíço RTS-1, Mathias Reynard, parlamentar socialista por detrás desta reforma do Código Penal suíço, considerou que hoje é “um dia histórico” e que o resultado do referendo representa um “sinal magnífico para todas as pessoas envolvidas”.

Marc Frueh, do pequeno partido defensor dos valores cristãos UDF, que lançou este referendo com o apoio da União Democrática do Centro (UDC, um dos principais partidos do país), estimou que, apesar da derrota, o recurso ao voto num referendo foi justificado. O referendo “permitiu ao povo suíço tomar uma decisão”, disse Frueh ao mesmo canal, acrescentando que o seu partido iria vigiar a aplicação da reforma.

A discriminação racional e religiosa já é ilegal, mas a proposta de estender esta salvaguarda à comunidade homossexual e transgénero dividiu a sociedade suíça, com os opositores a denunciarem que pode limitar a liberdade de expressão.

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A nova lei pune a exposição pública e a discriminação de qualquer pessoa por causa da sua orientação sexual, ou qualquer atitude para despertar o ódio contra ela por meio escrito, falado, por imagens ou por gestos. Restaurantes, hotéis, empresas de transporte, cinemas ou piscinas não podem recusar o acesso de alguém por causa da sua orientação sexual. Por outro lado, não reprime os comentários feitos no círculo familiar ou entre amigos. O texto prevê multas ou sentenças de até três anos de prisão

A extensão da legislação contra a discriminação à orientação sexual foi aprovada no parlamento em 2018, mas o partido de direita UDC (Partido do Povo) e e União Democrática Federal da Suíça, um partido pequeno de valores cristãos, estavam contra e forçaram a realização de um referendo.

Para o ativista dos direitos dos gays, Jean-Pierre Sigrist, a nova lei poderia ter evitado que tivesse sido sujeito a agressões que começaram há quatro décadas. “E talvez não tivesse sido gozado comigo quando entrei na polícia”, desabafa à AFP o homem de 71 anos para quem esta alteração legal é uma proteção adicional contra a homofobia.

“Muitos suíços tendem a sobrevalorizar o grau de modernidade do nosso país. Pode ser um país rico, mas ainda não é realmente moderno. Não temos leis que proíbam a discriminação baseada na orientação sexual”, alerta Anna Rosenwasser, da organização lésbica suíça, citada pela BBC.

E dá exemplo: no mapa arco-íris que classifica 49 países em função do respeito pelos direitos LGBT, a Suíça só aparece em 23º lugar.  Sobre os efeitos que a falta de proteção legal tem, Rosenwasser aponta para taxas de suicídio que são cinco vezes mais nas pessoas que não são heterossexuais.

Mas se os defensores dos direitos destas minorias defendem legislação mais progressista, também há argumentos contra. Um dirigente do Partido do Povo (UCD), conotado com a direita conservadora, deixa a nota de preocupação. “Nem sequer sabemos se será permitido fazer uma piada sobre homossexuais”, diz Benjamim Fischer.

“Uns dizem que sim, outros dizem que não, que passará a ser punível pela lei. Vivemos num país com liberdade de expressão, as pessoas devem poder pensar e dizer o que querem, mesmo que seja um bocado estúpido ou uma falta de gosto”.

Confrontado com esta preocupação, o ativista Sigrist, fundador da associação dos professores gay, garante que defende a liberdade de expressão, mas “não a liberdade para dizer tudo e mais alguma coisa”.

Do outro lado da barricada, um dirigente de Genebra do UDC, Eric Bertinat, ouvido pela AFP, revelou a convicção de que esta proposta de lei faria parte de um plano da comunidade LGBT para gradualmente pressionar no sentido de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo — que está a ser discutido no parlamento — e o acesso de casais gay à reprodução medicamente assistida.

A oposição surge também a partir de grupos religiosos, apesar da igreja reformada da Suíça ter apoiado a nova legislação. A Aliança Evangélica suíça, que tem muita adesão nas partes mais rurais, tem reservas sobre a proposta e mesmo quando no caso em que dirigentes religiosos são tolerantes em relação à homossexualidade não parece haver grande apoio a casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

As nossas igrejas olham para o casamento entre um homem e uma mulher como o único que querem celebrar, afirmou o secretário-geral da Aliança, também ouvido pela BBC.

Só queremos ser livres para afirmar: OK, defendemos que o casamento entre um homem e uma mulher deve ser privilegiado. E não queremos estar em risco, se divulgarmos esta opinião, mas também não queremos tratar outros tipos de casais de forma diferente”. O parlamento suíço está em processo de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Artigo atualizado com os dados oficiais do referendo