Um estudo da Universidade do Minho alerta que as pequenas barragens estão a “fazer desaparecer” o mexilhão de água doce, uma espécie “criticamente ameaçada na Europa”, sugerindo que “se evite a construção de barragens nos rios com aquela espécie”.
Em comunicado enviado esta terça-feira à Lusa, o investigador Ronaldo Sousa, cujo trabalho foi publicado terça-feira na revista Science of the Total Environment, aponta ainda que “se avalie a possível desativação de barragens nesses rios [onde existem mexilhões] e se melhore a gestão dos respetivos caudais a jusante das barragens, procurando a naturalização das secções sob a sua influência”.
Segundo aponta o estudo, que avaliou 66 locais nos rios Mente, Rabaçal e Tuela, no distrito de Bragança, os mexilhões de rio (Margaritifera margaritifera) são 98,5% mais abundantes acima da zona de influência das barragens e 97,4% abaixo destas estruturas.
A presença de juvenis só foi reportada a montante das barragens, o que indica que a reprodução destes animais é comprometida em zonas sob influência das barragens e a jusante destas, refere ainda o texto.
A presença de pequenas barragens afeta drasticamente a abundância e o recrutamento destas populações”, refere Ronaldo Sousa, que é investigador do Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA) e professor do Departamento de Biologia da Escola de Ciências da UMinho, em Braga.
Segundo a Universidade do Minho, há mais de 80 mil pequenas barragens (geram até 10 megawatts), que, ao contrário das de maiores dimensões, localizam-se em geral nas zonas de cabeceira das bacias hidrográficas.
“Essas áreas são habitat de muitas espécies, geram importantes funções e serviços e são usualmente menos perturbadas pela atividade humana, constituindo assim ecossistemas com alto valor de conservação. Porém, existem pressões crescentes para a construção das pequenas barragens acelerar nas próximas décadas, por isso importa avaliar como estas afetam a biodiversidade”, lê-se.
No caso dos mexilhões de rio, a investigação observou que, junto às barragens, há significativamente uma maior acumulação de sedimentos finos e de sólidos em suspensão e menos oxigénio dissolvido.
É especialmente prejudicial para [o mexilhão] Margaritifera margaritifera, que vive no fundo do rio em áreas ricas em oxigénio e com sedimentos grosseiros pobres em matéria orgânica”, rerefe, no texto, o investigador.
A espécie, aponta, “tem em geral uma vida de mais de 50 anos e as suas larvas precisam de um peixe hospedeiro para completar a metamorfose”, pelo que, salienta Ronaldo Sousa, “estas características naturais e as crescentes pressões humanas – mudanças climáticas, poluição, pesca excessiva, barragens e introdução de espécies invasoras – tornam a sua conservação muito difícil”.
Com base em estudos desenvolvidos pelo CBMA, em conjunto com investigadores dos centros CIBIO, CIIMAR (ambos da Universidade do Porto), CITAB (Universidade de Trás-os-Montes Alto Douro) e CIMO (Instituto Politécnico de Bragança), o investigador aponta que “75% das espécies europeias de mexilhões de água doce estão em risco.”
A equipa liderada pelo professor do Minho, que também trabalha em geografias como o Sudeste Asiático e o Norte de África, averigua ainda a “possibilidade de criar, em laboratório, juvenis para repovoar as zonas fluviais e as espécies mais afetadas em Portugal”, onde “os casos mais preocupantes são, além de Margaritifera margaritifera, a Potomida littoralis (ameaçada) e Unio tumidiformis (vulnerável).
“Os bivalves têm funções relevantes, como filtrar na coluna de água, e são bioindicadores da qualidade da água. Precisam, normalmente, de habitats com água corrente e, num sistema de água parada sob influência das barragens, não têm condições ambientais e desaparecem, inclusive nos primeiros quilómetros após as barragens, pois o habitat foi alterado”, lê-se.