Um hábito tão simples e enraizado como sair de casa para trabalhar, para uma boa parte da população mundial, deu lugar a uma espécie de vácuo na rotina. O novo coronavírus obrigou-nos a reformatar os dias e agora que um novo cenário — a que podemos chamar pós-pandemia — começa a desenhar-se, vale a pena perguntar: será que vai tudo voltar a ser como era antes?
Antes da resposta, ou melhor, das três respostas possíveis — sim, não e mais ou menos — temos as impressões de Ana Levy, uma advogada de 52 anos que durante cerca de um ano e meio preparou a abertura do seu projeto de vida, um espaço de cowork, em Lisboa. O The Hare and the Tortoise abriu em meados de fevereiro, um bingo irónico se pensarmos que, um mês depois, teve de fechar as portas.
“É importante termos uma comunidade, sobretudo quando trabalhamos sozinhos”, introduz Ana, otimista quanto à recuperação do negócio, mesmo depois do rombo financeiro. Aliás, otimista é pouco. Apesar de ser suspeita, acredita na oportunidade que a tal mudança de hábitos pode trazer para estes espaços. “Num primeiro momento, fez todo o sentido pôr as pessoas a trabalhar em casa, mas agora as organizações perceberam que o método é produtivo e rentável, uma ideia que não tinham de todo. Acho que, feito de uma forma séria, o trabalho remoto vai ser muito importante daqui para a frente”, acrescenta em conversa com o Observador.
Na mesma linha de raciocínio, as empresas podem estar a concluir que não têm de ter lá toda a gente sempre e que os espaços não precisam de ser tão grandes e dispendiosos. É aí que entram os espaços de cowork. “É a liberdade de trabalharmos onde quisermos. No momento que atravessámos fez sentido ficar em casa durante um tempo, mas isso acaba por colidir com a própria vida privada”, explica.
Antes da pandemia, o The Hare and the Tortoise foi contactado por uma empresa com sede em Paço de Arcos, recorda Ana, a título de exemplo. Comprou cinco passes mensais para vários trabalhadores que se viviam ou que se deslocavam a Lisboa para reuniões. O confinamento permitiu relativizar a necessidade do contacto presencial, espera-se agora que as conclusões sejam transpostas para uma nova economia do esforço.
Será um hotel? Um restaurante? É o Wood, o topo de gama dos coworks
O nome do espaço, inspiração direta da fábula de Esopo, remete para diferentes ritmos de trabalho. Uma associação literal se pensarmos que aqui trabalham pessoas de diferentes áreas, idades e nacionalidades. Norte-americanos, ingleses, franceses e brasileiros, entre outras nacionalidades da América do Sul, representam 85% dos clientes. Não estão de passagem por Portugal, pelo contrário. Mudaram-se para cá em busca de qualidade de vida ou no encalço de oportunidades de negócio.
Gerir um espaço de cowork em tempos de pandemia
Atualmente, e depois da reabertura logo no início de maio, o espaço tem capacidade para 18 pessoas, distribuídas entre dois andares, com zonas de open space e gabinetes fechados. Um número bastante abaixo da meia centena que, antes da Covid-19, podia estar aqui em simultâneo. Além da redução da lotação, o reforço da limpeza e disponibilização de equipamento, como é o caso de gel desinfetante ou de máscaras cirúrgicas, tiveram de entrar na equação.
Oportunamente, muitos dos utilizadores do espaço, já com mensalidades pagas e pacotes de dias ou horas compradas, retomaram a rotina dentro das suas possibilidades. “Se tudo continuar a correr como está agora, em setembro vai ser a verdadeira reabertura”, explica. Para resistir ao duro golpe, a resiliência ajudou, mas não foi o suficiente. Ana conseguiu negociar as condições de financiamento e atravessar um mês e meio em que o retorno do investimento feito foi simplesmente zero.
“O número de estrangeiros a viver em Portugal vai aumentar nos próximos meses”, afirma. Boas notícias para o ramo. Mesmo com as limitações no espaço de trabalho, tem estado a ser fácil gerir o tráfego de locatários. Alguns facilitam o trabalho e avisam na véspera se estão a pensar ir trabalhar ou não. Mas há outras estruturas afetadas. Também o pequeno auditório, muitas vezes requisitado para eventos externos, tem agora o funcionamento condicionado. O espaço inclui ainda um estúdio de yoga, onde agora as aulas são apenas para uma ou duas pessoas.
Um lugar no The Hare and the Tortoise tem muitos preços, a começar pelo plano diário que se desdobra em três valores: 14,99 euros para um dia, 10 euros para meio dia e 4,99 euros por hora. Cinco dias custam 75 euros e dez dias custam 120 euros (ambos os valores sem IVA), com seis meses de validade. Os planos mensais variam entre 200 e 240 euros, sem IVA incluído. Todos os valores foram adaptados ao período pós-confinamento, tal como o horário de funcionamento que é agora das 9h30 às 17h30.
O cowork em Portugal
Antes de pensar em abrir o próprio espaço, Ana passou pela experiência. Mas em 2015 “não havia assim tantos”. Lá se resolveu por um, onde trabalhou ao lado de publicitários, contabilistas e engenheiros. “Naquela altura, podia ser em qualquer espaço. Bastava pôr duas ou três mesas e uma máquina de café e era um corwork“, recorda.
Foi então que começou a pensar mais à frente e a guiar-se pelos bons exemplos europeus — Londres, Madrid, Barcelona — e mesmo por Nova Iorque, já do lado de lá do oceano. “Olhei para aquilo que era a tendência internacional. Esta área cresceu muito nos últimos dois, três anos, mesmo em Portugal, embora menos. Segundo os últimos dados de que ouvi falar, cerca de 1% dos arrendamentos de escritórios são espaços de cowork. Em Londres representam 10% e em Nova Iorque 12%”, indica.
Apercebeu-se que o futuro estava nos espaços mais pequenos e com uma dose de charme, “quase a roçar o clube”. A preocupação com o ambiente e com a decoração é fundamental, à semelhança dos locais inspiradores que teve oportunidade de visitar em Londres, onde até cadeias de hotéis começaram a abrir espaços de trabalho partilhados, depois de muitos já fazerem dos lobbies escritório. O fenómeno é bem menos intenso por cá, embora já dê para perceber que Portugal continua apetecível, até para trabalhar.