O secretário-geral das Nações Unidas abriu esta segunda-feira os trabalhos de uma inédita reunião virtual da Assembleia Geral, que marca 75 anos da organização, apelando ao reforço da cooperação entre os Estados sem que isso suplante a soberania dos governos.

Segundo António Guterres, esta terá como pano de fundo a colaboração entre os diferentes países face a desafios cruciais, como a pandemia do novo coronavírus, que já provocou pelo menos 961.531 mortos e mais de 31,1 milhões de casos de infeção em 196 países e territórios, ou as alterações climáticas.

“Ninguém quer um governo global, mas temos de trabalhar juntos para melhorar a governança mundial”, afirmou Guterres aos líderes internacionais, sublinhando que a soberania nacional é um “pilar” da ONU, pelo que o caminho a seguir é o de uma “cooperação internacional reforçada”.

Na intervenção, o secretário-geral da ONU defendeu a necessidade de “mais multilateralismo” num mundo cada vez mais interligado e em que a pandemia da Covid-19 expôs “fragilidades” que só se conseguem resolver de forma conjunta.

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“Hoje temos um excedente de problemas multilaterais e um défice de soluções multilaterais”, alertou o também antigo primeiro-ministro português (1995/2002), assegurando que os cidadãos veem na ONU “um veículo para tornar o mundo melhor”.

Para Guterres, o “multilateralismo” deve ser “inclusivo”, baseado na “sociedade civil, nas cidades, nas empresas, nas autoridades locais e, cada vez mais, nos jovens”.

Segundo o também antigo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (2005/15), que citou um inquérito feito pela ONU a mais de um milhão de pessoas, ficou claro que a maioria acredita que a cooperação multilateral é “crucial para enfrentar as realidades” do tempo atual e que a pandemia “tornou a solidariedade ainda mais urgente”.

Nesse sentido, acrescentou, também ficou claro que o mundo “precisa de sistemas universais de saúde e serviços básicos”. O secretário-geral destacou, por outro lado, os grandes êxitos da ONU, realçando o ter conseguido evitar uma III Guerra Mundial que muitos temiam quando foi criada a organização (a 24 de outubro de 1945).

Nunca na história moderna temos estado tantos anos sem uma confrontação militar entre grandes potências”, sustentou.

Guterres lembrou também o sucesso das várias missões das forças de paz da ONU, no envolvimento dos processos de descolonização, na implantação de padrões dos Direitos Humanos e mecanismos para os proteger, a vitória sobre o sistema de segregação racial (“apartheid” na África do Sul) na ajuda humanitária e na elimina de doenças ou na redução da fome.

“Foram precisas milhões de mortes e duas guerras mundiais para que os líderes se comprometessem com Estado de Direito”, frisou.

Entre outros “grandes desafios” da atualidade, Guterres assinalou a desigualdade do género, as alterações climáticas, a perda da biodiversidade, o aumento da pobreza, o crescimento do ódio, a escalada dias tensões geopolíticas, a ameaça que continua com as armas nucleares ou os problemas que estão a provocar algumas novas tecnologias.

Por seu lado, o presidente em exercício da Assembeia Geral da ONU, Volkan Bozkir, defendeu ser o momento de se apoiar a organização e de a dotar com os recursos que necessita, sublinhando que “nenhuma outra organização dá às pessoas tanta esperança”.

A abertura dos trabalhos da Assembleia Geral contou com a presença de apenas cerca de 200 diplomatas, todos os demais participando não presencialmente mas de forma virtual, como serão também feitas a maioria das intervenções, quando o hemiciclo pode albergar até cerca de 2.000 pessoas.

O que se esperava como uma grande comemoração da ONU em Nova Iorque é, assim, um ato sobretudo virtual como consequência da pandemia do novo coronavírus.

ONU marca os seus 75 anos com nova declaração de compromissos

A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou a comemoração do 75.º aniversário, com uma declaração e lista de 18 objetivos adotada pelos Estados-membros, com vista à mobilização de recursos e reforço de parcerias.

A “Declaração sobre a comemoração do septuagésimo quinto aniversário das Nações Unidas” foi adotada esta segunda-feira por unanimidade, na semana de alto nível da Assembleia Geral, com presenças muito restritas na sede da ONU, em Nova Iorque e com discursos gravados anteriormente pelos chefes de Estado, devido à pandemia.

“Não estamos aqui para comemorar. Estamos aqui para agir”, refere a declaração esta segunda-feira adotada pelos Estados-membros da ONU, em que se destaca que a pandemia de Covid-19 é “o maior desafio global” da história da organização, criada para manter a paz internacional depois da Segunda Guerra Mundial.

“Ao longo dos anos, mais de um milhão de mulheres e homens serviram sob a bandeira das Nações Unidas em mais de 70 operações de manutenção da paz”, lê-se na declaração que pede novas medidas e novas abordagens aos problemas atuais, numa altura em que se defende que a ONU é o principal palco mundial de acordos multilaterais, cooperação e solidariedade.

“Não deixaremos ninguém para trás” é o primeiro compromisso do documento, explicando-se que atenção especial deve ser dada às pessoas em situações vulneráveis e que “assistência humanitária deve ser concedida sem obstáculos ou atrasos e de acordo com os princípios humanitários”.

Medidas “transformadoras” são também pedidas no objetivo de “proteger o planeta”.

Temos de reduzir imediatamente as emissões de gases com efeito de estufa e alcançar padrões de consumo e produção sustentáveis em linha com os compromissos nacionais aplicáveis ao Acordo de Paris e em linha com a Agenda 2030”, lê-se no documento.

Com vista a proteger a população contra o terrorismo e extremismo violento, os Estados-membros declaram também “promover a paz e prevenir conflitos”. Este objetivo defende o uso da diplomacia preventiva e da mediação, com um pedido ao secretário-geral para “aprimorar o conjunto de ferramentas para prevenir a eclosão, escalada e recorrência de hostilidades em terra, no mar, no espaço e no ciberespaço”.

“Apoiamos e promovemos totalmente a iniciativa do secretário-geral por um cessar-fogo global. O Direito Internacional Humanitário deve ser totalmente respeitado”, continua a declaração.

“Cumpriremos o direito internacional e garantiremos a justiça”, com respeito à democracia, direitos humanos, Estado de direito, “fortalecendo uma governança transparente e responsável e instituições judiciais independentes”, lê-se.

A declaração adotada no 75.º aniversário da ONU destaca também o compromisso de “colocar mulheres e meninas no centro”, porque sem a participação igual de mulheres não se chega à resolução de conflitos e os direitos humanos não podem ser garantidos. A promessa é de “acelerar ações para chegar a igualdade, participação de mulheres e empoderamento de mulheres e meninas em todos os domínios”.

Também para “construir confiança”, os Estados-membros garantem que vão ser condenados ataques, discriminação xenofóbica, racista, ou baseada em género ou sexualidade.

Abordaremos as causas profundas das desigualdades, incluindo violência, abusos dos direitos humanos, corrupção, marginalização, discriminação em todas as suas formas, pobreza e exclusão, bem como falta de educação e emprego”, declaram os assinantes.

“Melhorar a cooperação digital”, “aprimorar as Nações Unidas” e “impulsionar parcerias” são outros três objetivos descritos na declaração.

Os países prometem também “garantir financiamento sustentável”, com compromissos de pagamentos atempados e do total valor das contribuições nacionais acordadas com a ONU e com reforço de projetos e parcerias público-privados.

Os Estados-membros comprometem-se ainda a “ouvir e trabalhar com jovens”, sendo que “a juventude é a peça que falta para a paz e o desenvolvimento”.

Por último, o 18.º objetivo é de os países estarem “preparados”: “A pandemia de Covid-19 apanhou-nos desprevenidos”, lê-se, o que “destaca a necessidade de mais cooperação e partilha de informações”.

O documento sublinha que há “uma necessidade urgente de acelerar o desenvolvimento, a produção, bem como o acesso global equitativo e acessível a novas vacinas, medicamentos e equipamentos médicos”.

Com base nos três pilares das Nações Unidas — Direitos humanos, paz e segurança, e desenvolvimento — os Estados-membros comprometem-se a seguir o “roteiro” da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.