O major general Raul de Carvalho e o coronel Alcides Fernandes foram esta sexta-feira condenados a seis anos de prisão por corrupção passiva agravada, no processo sobre sobrefaturação nas messes da Força Aérea e do Hospital das Forças Armadas.

O Tribunal de Sintra decidiu esta sexta-feira, além de seis anos de prisão, aplicar aos dois militares a pena acessória de proibição de funções durante quatro anos, tendo ambos sido absolvidos do crime de falsificação de documento.

Outra das penas mais pesadas aplicadas no processo “operação Zeus” foi para o militar Jorge Lima, que foi condenado a cinco anos e seis meses de prisão também por corrupção passiva agravada e à suspensão de funções por quatro anos. O capitão Luís Oliveira, que confessou os factos em tribunal, foi condenado a quatro anos de prisão com pena suspensa, ficando durante dois anos impedido de exercer funções nas forças armadas. O major Rogério Martinho foi condenado a quatro anos de prisão com pena suspensa por corrupção passiva agravada.

Na leitura do acórdão, a juíza presidente, Susana Madeira, salientou que “quando mais se ascende na hierarquia militar” maior é o “grau de culpa” e a obrigação de “cumprir os deveres estatutários” da carreira militar, que exigem honra e lealdade à instituição. Na avaliação da medida da pena aplicada ao major Raul Milhais de Carvalho e Alcides Fernandes, o coletivo de juízes revelou ter sopesado o facto destes dois militares “não se terem colocado nunca do lado da verdade”, tentando inclusivamente descredibilizar os factos ilícitos relatados pelo capitão Luís Oliveira e que puseram a descoberto todo o esquema corruptivo. A juíza criticou o que designou de “sobranceria” e “falta de autocensura” daqueles e de outros arguidos que não confessando os factos acabaram por ser condenados a penas efetivas de prisão.

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A juíza realçou ainda o contributo decisivo na descoberta dos factos do “agente encoberto”, tenente Miguel Martins, a qual, disse, “foi “muito útil” para desmontar um esquema corruptivo que estava em marcha pelo menos desde finais de 2011. O “agente encoberto” – revelou a juíza no acórdão de 900 páginas – entrou em ação em 26 de novembro de 2015, devidamente autorizado pelo juiz de instrução criminal, razão pela qual não há motivos para que a defesa venha alegar que funcionou como “agente provocador” dos crimes em causa. Além disso, notou, o “agente encoberto” Miguel Martins recolheu diversa prova documental sobre os factos que viriam a constar da acusação.

O coletivo de juízes absolveu sete dos 30 militares e outros 11 arguidos, entre empresas e empresários. Dos vários militares condenados, 10 deles tiveram penas efetivas de prisão, que oscilaram entre os seis anos e os três anos. Do total dos 23 militares condenados pelo tribunal, 13 viram a sua pena de prisão suspensa na execução, alguns deles por terem colaborado com a justiça nas diferentes fases processuais.

Dois empresários foram condenados a pena efetiva de prisão, tendo as empresas Pac&bom e Chavibom e Docecabaz sido condenadas a multas de 112,5 mil euros, 60 mil euros e 42 mil euros, respetivamente, ficando ainda impedidas de celebrar contratos com o Estado durante quatro anos.

A Operação Zeus tinha 68 arguidos, entre os quais estão 30 militares (16 oficiais e 14 sargentos), empresas e pessoas individuais, mas terminou com 67 porque uma das empresas foi dissolvida. Em causa no inquérito esteve a sobrefaturação na aquisição de bens alimentares e matérias-primas para a confeção de refeições nas messes da Força Aérea e do Hospital das Forças Armadas, pela qual os militares alegadamente recebiam dinheiro e presentes dos fornecedores, num caso que terá lesado o Estado em cerca de 1,55 milhões de euros.

À saída do tribunal, o advogado Carlos do Paulo, defensor do major Rogério Martinho, visivelmente satisfeito com a pena suspensa aplicada ao seu cliente, considerou que foi “dia histórico” para a justiça e para quem, como o major Martinho e o capitão Luís Oliveira, “contra tudo e contra todos”, resolveram contar a verdade dos factos (esquema corruptivo), suportando durante ano e meio de julgamento e mais de 100 audiências a “desconsideração e a hostilidade” dos restantes arguidos acusados de corrupção passiva.

Segundo o mesmo advogado, apesar de o silêncio ser um direito para qualquer arguido, o tribunal não deixou de censurar os arguidos que “se calaram” durante todo o julgamento apesar de confrontados com “provas cabais” que constavam da acusação e da pronúncia.

Carlos do Paulo mencionou ainda que o acórdão lido pela presidente Susana Madeira sublinhou negativamente que tais arguidos não mostraram arrependimento, nem autocensura, apesar de terem passado meses em prisão preventiva acusados do crime grave de corrupção passiva.

“Estiveram em prisão preventiva vários meses e não lhes serviu de emenda”, comentou o advogado, aludindo aos militares que tentaram ocultar os crimes ao tribunal.

Vincou a propósito que foi o seu constituinte Rogério Martinho que “contou toda a verdade” sobre o papel do major-general Milhais de Carvalho e o funcionamento da DAT (Departamento de Abastecimento e Transportes) da Força Aérea que serve as messes e por onde passaram muitos dos atos corruptivos.