2010/11. André Villas-Boas estava na “cadeira de sonho”, nas palavras do próprio. Era treinador do FC Porto, o clube onde ainda novo tinha entrado para o departamento de desenvolvimento pela mão de Bobby Robson. Foi campeão nacional, ganhou a Taça de Portugal, conquistou a Liga Europa: com uma equipa mítica que tinha Moutinho, Fernando, James, Hulk e Falcao. Saiu pela porta grande para o Chelsea, deixando orfã a “cadeira de sonho”. Nove anos depois, com outros três clubes pelo meio, André Villas-Boas voltava ao Dragão.

E na antevisão da visita do Marselha ao FC Porto, não tinha problemas em garantir desde logo que não iria celebrar demasiado um eventual golo. “Não me sentiria bem em festejar efusivamente. Nesses momentos nunca estamos no controlo total das emoções, mas julgo que não vou festejar. Será quase com um jogo entre um pai e um filho, e nunca se quer o mal de um ou outro. Mas venho com o espírito de missão que tenho pelo Marselha, para ganhar”, explicou o técnico português.

Mas Villas-Boas não era o único. Com o treinador, no comando técnico do Marselha, também regressava Ricardo Carvalho. O adjunto dos franceses representou o FC Porto durante quatro épocas, foi três vezes campeão nacional e ainda fez parte da equipa de José Mourinho que conquistou a Liga dos Campeões em Gelsenkirchen, contra o Mónaco, em 2004. Com a carreira terminada em 2017, depois de outras passagens por Chelsea, Real Madrid, Mónaco e Shanghai SIPG, o antigo central voltava ao estádio onde se tornou um ídolo.

Contra o Marselha, o FC Porto tinha a oportunidade de dar um passo importante rumo ao apuramento para os oitavos de final da Liga das Campeões, no seguimento da vitória contra o Olympiacos na semana passada. Os franceses, ainda sem qualquer ponto conquistado e sem qualquer golo marcado, eram a presa perfeita para a equipa de Sérgio Conceição somar seis pontos no Grupo C da competição europeia — mas também para esquecer a derrota com o P. Ferreira no fim de semana que deixou os dragões no quarto lugar do Campeonato, atrás do Sp. Braga e a seis pontos do líder Sporting.

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Sem Pepe, que esta segunda-feira deixou o treino mais cedo e acabou por ser baixa confirmada no dia de jogo — pela segunda vez consecutiva, depois de no fim de semana ter falhado a visita ao Paços por ter testado inconclusivo para a Covid-19 –, era a grande baixa de Sérgio Conceição. Para o substituir, aparecia Sarr, e não o expectável Diogo Leite. Grujic e Evanilson também saíam do onze, para entrarem Zaidu e Luis Díaz. O FC Porto entrava em campo com um natural 4x4x2, com Díaz e Marega na frente, enquanto que o Marselha apresentava um aparente 4x1x3x2, com Thauvin e Benedetto a serem apoiados pelo trio formado por Rongier, Payet e Sanson.

Os dragões entraram praticamente a vencer, graças a um golo de Marega: Corona rompeu pelo lado esquerdo, beneficiou de um ressalto para ficar com a bola controlada dentro da grande área e assistiu o avançado, que só precisou de encostar para a baliza deserta (4′). O FC Porto colocava-se em vantagem numa fase ainda muito embrionária da partida mas o Marselha procurou desde logo reagir, posicionando a fase inicial de construção muito à frente no relvado e obrigando a equipa portuguesa a atuar apenas nos últimos 30 metros. O resultado desse forcing apareceu quase de imediato, com Sarr a cometer grande penalidade sobre Thauvin. Na conversão, porém, Payet atirou por cima da trave e desperdiçou a oportunidade de empatar desde logo o jogo (10′).

Até pouco antes da meia-hora, o jogo arrastou-se entre batalhas a meio-campo e raramente se aproximou das balizas, com Marchesín e Mandanda a serem forçados a poucas intervenções. O FC Porto não procurava uma grande intensidade, enquanto que o Marselha mostrava incapacidade de desequilibrar: Benedetto, o grande virtuoso do conjunto de Villas-Boas, quase não teve intervenção na partida e esteve sempre totalmente bloqueado pela dupla de centrais e pelo trabalho defensivo de Uribe. Perto da meia-hora, Corona foi carregado em falta no interior da área do Marselha e deu origem ao segundo penálti da noite. Na conversão, Sérgio Oliveira não seguiu o exemplo de Payet, bateu Mandanda, aumentou a vantagem dos dragões e marcou pelo terceiro jogo consecutivo, algo inédito na própria carreira (28′).

Até ao intervalo, Mateu Lahoz ainda voltou a apontar para a marca da grande penalidade, na área de Marchesín, mas voltou atrás depois de ver as imagens do VAR e concluir que Uribe desviou a bola com a cabeça e não com a mão. Mesmo no final da primeira parte, Caleta-Car cabeceou por cima na sequência de um canto (45+1′), naquela que foi a melhor oportunidade dos franceses para lá do penálti, mas o Marselha foi mesmo para o balneário a perder por dois golos de diferença. O FC Porto não estava a ser brilhante, não estava a asfixiar mas estava a ser eficaz no ataque e competente na defesa.

Nos primeiros 20 minutos da segunda parte, pouco ou nada aconteceu. Zaidu cabeceou ao lado depois de um cruzamento vindo da esquerda (50′) e teve na cabeça a melhor oportunidade desse período. O FC Porto, sem imprimir grande velocidade nem grande intensidade na partida, ia gerindo a vantagem com relativa naturalidade e facilidade — até porque o Marselha não tinha atributos para pressionar alto, não conseguia chegar com perigo à grande área de Marchesín e não conseguia sequer rematar à baliza.

André Villas-Boas mexeu pela primeira vez aos 65 minutos, ao trocar Payet e Sanson por Cuisance e Luis Henrique, mas as alterações apareceram do outro lado. De repente, sem que nada o deixasse prever, Corona aproveitou uma recuperação de bola, conduziu a transição ofensiva durante todo o meio-campo adversário, atraiu dois adversários e assistiu Luis Díaz, que aparecia na esquerda em velocidade, de calcanhar. O colombiano, com um remate cruzado e rasteiro, aumentou a vantagem e voltou a bater Mandanda (69′). E Corona dirigiu-se a Marega para pedir desculpa por não lhe ter passado a bola, num demonstração enorme da importância anímica que o mexicano tem na equipa nesta altura.

Até ao fim, para além da catadupa de substituições de um lado e de outro, já pouco aconteceu — Corona ainda procurou fazer um merecido golo mas acabou por rematar por cima (84′). Num jogo abaixo de zero por parte da equipa de André Villas-Boas, o FC Porto acabou por ter uma noite muito tranquila, Marchesín foi um mero espectador e o Marselha continua a ter somente derrotas na Europa e ainda nenhum golo marcado. Com a derrota do Olympiacos em Manchester, os dragões estão agora no segundo lugar do grupo e a um passo do apuramento para os oitavos de final da Liga dos Campeões. E muito pode agradecer a Corona, que ofereceu o primeiro golo a Marega, sofreu o penálti que deu o segundo e ainda construiu o terceiro para Luis Díaz.