A presidência portuguesa “vai pôr a Índia no ‘écran’ da agenda política da União Europeia”, afirma o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, salientando que esse “é um grande passo político”, mesmo que um acordo comercial seja “muito difícil”.

Em entrevista à Lusa na sexta-feira, à margem da visita do colégio de comissários a Lisboa, no âmbito da presidência rotativa do Conselho da União Europeia (UE), Josep Borrell admite que um acordo comercial abrangente com a Índia não está para já ao alcance, mas salienta a importância política de um relançamento da relação.

“É algo muito difícil. Um acordo comercial com a Índia é muito difícil de conseguir porque a Índia é um país que tem políticas muito defensivas nos aspetos comerciais”, admite.

“Mas veja o simples facto de pormos a Índia no ‘écran’, no radar, da agenda política da União Europeia. Esse já é um grande passo político”, frisa, apontando que “todos falam da China, dos Estados Unidos, da Rússia, mas a Índia é a maior democracia do mundo, em breve terá mais habitantes que a China e é uma terra de oportunidades”.

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Esse colocar da Índia no ‘écran’ da agenda política europeia, assegura, “também vai ser muito útil para pôr a América Latina nesse ‘écran’, porque “a pressão da presidência portuguesa pode conseguir que se fechem acordos”.

“Não só o Mercosul, não esqueçamos o México e o Chile, que também estão pendentes. Creio que Portugal pode ser extraordinariamente útil para o conseguirmos”, frisa.

Para Josep Borrell, a UE “tem de procurar alianças com [os países e regiões] que pensam da mesma forma, que têm a mesma visão do mundo ou, pelo menos, que têm o mesmo sistema político”.

“E aí não são só os americanos. Em todo o Pacífico, o Indo-Pacífico, como se diz agora, há muitas democracias”, afirma, sublinhando que são países com os quais a UE “têm de ter alianças”.

“Temos de procurar a nossa maneira de fazer as coisas, defender os nossos interesses e os nossos valores, como estamos mandatados pelo tratado fundador”

UE espera presença dos EUA em reuniões já neste semestre

A União Europeia espera que responsáveis da administração de Joe Biden participem nos conselhos de ministros europeus durante a presidência portuguesa e assegura não ter recebido qualquer reclamação de Washington sobre a conclusão do acordo de investimento UE-China.

“Durante a presidência portuguesa, esperamos que os secretários de Estado, da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, participem nos nossos conselhos. E aqui, em Portugal, teremos ocasião de os receber nos nossos conselhos”, afirma o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, numa entrevista à Lusa, na sexta-feira, à margem da visita do colégio de comissários a Lisboa, no âmbito da presidência rotativa do Conselho da União Europeia (UE).

Questionado sobre o acordo de princípio recentemente alcançado sobre um pacto de investimentos com a China, semanas depois de Joe Biden ter proposto um diálogo transatlântico sobre “o desafio estratégico” colocado pela China, o Alto Representante da UE para Política Externa assegura que não teve qualquer queixa da equipa de transição.

“Sobre o que foi mal interpretado, nada me consta, é o que dizem alguns comentadores. Não tenho qualquer registo disso”, afirma.

“Mas não vejo qualquer razão para que seja mal interpretado. Há sete anos que negociamos um acordo e a presidência alemã conseguiu-o nas condições que há muito solicitamos em termos de equilíbrio nas relações económicas, de tratamento das nossas empresas na China, pelo que não vejo por que razão poderia colocar problemas a alguém”, assegura.

Numa altura em que a UE multiplica as declarações sobre a oportunidade que a eleição de Joe Biden cria para um relançamento da relação transatlântica, Josep Borrell afirma que Bruxelas não iniciou qualquer processo de diálogo e aguarda a posse e ratificação pelo Congresso norte-americano da nova administração.

“O Presidente ainda não foi investido e os cargos que vai nomear ainda não passaram pelo exame na Câmara dos Representantes e no Senado. Parece-nos prudente que, até lá, não comecemos a trabalhar com eles e não o quisemos fazer por respeito ao processo”, frisa.

Borrell espera que esta “seja a presidência para África”

Borrell diz ainda esperar que a presidência portuguesa “seja a presidência para África”, depois de a pandemia ter feito “perder um ano” na relação entre os dois continentes.

“Espero que a presidência portuguesa seja a presidência para África”, afirma Josep Borrell numa entrevista à Lusa, na sexta-feira, à margem da visita do colégio de comissários a Lisboa, no âmbito da presidência rotativa do Conselho da União Europeia (UE).

“Vamos, nestes seis meses, começar por uma conferência ministerial no Ruanda, em março, e, espero, uma cimeira antes de acabar a presidência portuguesa”, precisa, acrescentando que o seu “amigo Augusto” Santos Silva, o ministro dos Negócios Estrangeiros, lhe tem assegurado que “a presidência de Portugal é uma presidência virada para África”.

Josep Borrell lamenta que a pandemia de covid-19 tenha feito a UE “perder este ano muito tempo na relação com África”, período em que estava previsto “um programa de trabalho muito intenso, com encontros a todos os níveis políticos, que não puderam realizar-se”.

“Temos uma parceria, as bases de uma parceria, mas temos que a desenvolver”, afirma, frisando que a UE “não quer apenas continuar com a ajuda a África”, mas “avançar juntos”: “O futuro da Europa é com África”.

Questionado sobre se há condições para uma Cimeira entre a União Europeia e a União Africana durante os seis meses da presidência portuguesa, Josep Borrell não hesita em dizer que “a Europa deveria fazer uma Cimeira com África antes de a China o fazer”, o que está previsto, precisamente, para este semestre.

“Não é uma questão de quem corre mais ou um problema de quem a faz uma semana antes. As cimeiras, só por si, não resolvem tudo. […] O trabalho tem que ser feito antes e as cimeiras mobilizam energias políticas que são muito importantes porque dão o impulso”, afirma.

Para Josep Borrell, a questão central é mobilizar recursos, “canalizando investimentos privados”, mas, para isso, é preciso que África “tenha uma boa governação, estabilidade política e paz”.

“Não haverá investimentos se não houver estabilidade, não se ganham as guerras hoje em dia se não se ganha a paz”.

O Alto Representante da UE para a Política Externa sublinha ainda que a população de África vai ser “dez vezes” maior que a da Europa e que, se não houver um salto no desenvolvimento dos países africanos, “as pressões migratórias serão insustentáveis”.

“E, infelizmente, até agora, entre os dois lados do Mediterrâneo, a diferença de riqueza não diminui, aumenta. Se a demografia está desequilibrada e a repartição da riqueza também, não podemos esperar outra coisa mais que termos uma pressão migratória muito grande”, frisa.