Um mês e meio depois, Tottenham e Liverpool voltavam a encontrar-se na Premier League. Não, não é erro. E não, não houve qualquer adiamento – ao contrário do que acontece nas principais ligas europeias, em Inglaterra a segunda volta não muda apenas a ordem das equipas e existe uma reorganização de todas as partidas por sorteio. Assim, e depois do encontro em Anfield decidido com um golo de Firmino aos 90′ que deu a liderança da prova aos campeões na 13.ª jornada, havia novo encontro em Londres na 20.ª ronda. No entanto, e nesses 43 dias, muito mudou nas duas equipas. E o jogo até poderia ser decisivo para ambos mas as razões para tal eram diferentes.

O Tottenham quebrou, havendo quase um efeito anímico desse desaire que colocaria a equipa isolada no primeiro lugar depois de superar uma série de jogos complicados com Manchester City, Chelsea e Arsenal. Aliás, se os spurs tinham apenas uma derrota até Anfield, averbaram logo duas seguidas, com Liverpool e Leicester em casa. Entre a qualificação para as meias-finais da Taça da Liga e para os oitavos da Taça de Inglaterra, o conjunto de Mourinho foi depois melhorando mas ainda com fantasmas do passado, nomeadamente nos encontros em que se colocou na frente mas consentiu o empate nos últimos 15/20 minutos de jogos que poderia ter “fechado”. Ainda assim, uma vitória valia a subida ao quarto lugar, com menos uma partida do que Leicester e Manchester United.

“Baixas no Liverpool? Van Dijk é insubstituível, há jogadores que não podem ser substituídos. Aconteceu-nos o mesmo quando Harry Kane esteve lesionado. Não é possível substituir Harry Kane, assim como não é possível substituir Van Dijk. Tivemos um período em que o Lucas [Moura] disputou todos os minutos de todos os jogos Também perdemos o Son, perdemos o Kane, perdemos o Bergwijn, perdemos o Lamela… Como lidámos com isso? Milagres não há. Podemos tentar esconder ou disfarças as baixas mas é complicado substituir alguns elementos. Às vezes o processo defensivo tem ligação à perda de um avançado e o processo ofensivo tem ligação à perda de um defesa. Não é uma contradição, uma equipa que é estável cá atrás tem muito melhores condições para atacar e vice-versa. Daí que o Van Dijk seja tão importante”, comentou na antecâmara o treinador português.

E esse foi talvez o principal motivo para a quebra abrupta do Liverpool, que há 43 dias estava na liderança depois de ganhar ao Tottenham e que consolidou essa posição com uma goleada por números atípicos ao Crystal Palace no encontro seguinte (7-0). Depois, houve um eclipse: três empates com WBA, Newcastle e Manchester United, duas derrotas com Southampton e Burnley, havendo ainda a particularidade na última de interromper uma longa série de 68 jogos e 1.369 dias sem derrotas em Anfield. Contas feitas, e caso não vencesse o Tottenham, o Liverpool não só igualava o pior registo de jogos consecutivos sem vitórias com Jürgen Klopp (2016/17) como corria o risco de descer ao sexto lugar do Campeonato a uma distância de sete pontos do Manchester City. Daí que, mesmo sem Van Dijk e uma lacuna que voltou a revelar-se demasiado importante na eliminação da Taça de Inglaterra com o Manchester United, os reds partiam numa posição de ainda maior pressão para o principal jogo da jornada.

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“O futebol é assim, sinto que estamos a perder confiança e fé muito rapidamente – tudo é muito bom ou o oposto. O jogo é complexo e não se pode depender de uma só pessoa. Temos de nos tornar na equipa que queremos ser, aquela equipa contra quem ninguém quer jogar. Nesta altura toda a gente defende bem, temos nova chance de o provar amanhã [hoje]. As pessoas dizem-nos que somos a melhor equipa do mundo e não somos mas não há problema. Temos de dar provas e reagir. Quando cheguei a Inglaterra, em 2015, o Tottenham era a equipa mais talentosa. Tinha Hugo Lloris, Harry Kane, Dele Alli, Eric Dier, Erik Lamela, Ben Davis, Toby Alderweireld… Eram muito jovens e já muito talentosos, era só questão de temo até terem sucesso”, recordou o técnico alemão.

Estavam lançados os dados para um grande encontro que funcionava também como novo capítulo entre Mourinho e Klopp, dois treinadores que, segundo o português, só não têm uma relação melhor por… falta de tempo. “Não sou amigo do Jürgen porque nunca passei tempo com ele. São cinco minutos antes e depois do jogo. É um colega que respeito, não tenho problemas com ele e creio que não tenha problemas comigo”, referiu, apesar de ter deixado mais uma “farpa” pelo comportamento do técnico dos reds na sua área técnica: “Quando eu não me portava bem, pagava por isso. Uma das consequências para mim era ver os jogos no balneário, numa televisão; outra era pagar multas grandes. O mesmo não se passa com alguns dos meus colegas…”. Antes do encontro, ambos entraram em campo num ambiente de boa disposição e muitos cumprimentos mas, no final, apenas o alemão tinha razões para sorrir, com o Liverpool a quebrar a série de maus resultados com um triunfo categórico por 3-1.

Apesar de não contar com Fabinho, o que levou Jordan Henderson a recuar de novo para central ao lado de Matip (e também pela exibição falhada de Rhys Williams em Old Trafford), o Liverpool começou a todo o gás e criou logo a primeira oportunidade no segundo minuto de jogo e num movimento que seria mais vezes repetido: Salah recuou para ganhar espaço, assistiu Mané mas o remate saiu ao lado. Ficava a primeira ameaça na baliza de Lloris, estava a chegar a primeira ameaça na baliza de Alisson e numa jogada com semelhanças na sua génese: Kane recuou para ganhar espaço, lançou em profundidade Son, o sul-coreano marcou mas o golo foi anulado por posição irregular no início do lance quando Klopp mostrava sinais de impaciência e Mourinho esperava calmamente no banco (3′).

A partir daí, num misto de estratégia dos spurs e mérito dos reds, os visitantes agarraram mais no jogo, tiveram mais posse e oportunidades por Firmino, Salah e Mané (do outro lado só Son conseguiu criar perigo, para defesa de Alisson) e, já depois de duas boas intervenções de Lloris, o golo apareceu mesmo no quarto e último minuto de descontos da primeira parte: com Bergwijn a defender mais por fora, Henderson avançou com a bola, lançou em profundidade Mané, o senegalês recebeu de forma orientada e cruzou para Firmino encostar na pequena área entre o guarda-redes francês e Eric Dier, que ficaram na expetativa de quem atacava primeiro a bola.

No segundo tempo, Mourinho abdicou da linha de três defesas, recolocou Matt Doherty na direita tirando Aurier, substituiu Harry Kane que já se tinha queixado duas vezes na primeira parte e lançou Harry Winks e Lamela para um 4x3x3 com ataque móvel sem referência no meio. Em desvantagem, o Tottenham arriscava mais mas os reds voltaram a ter uma entrada forte e aumentaram mesmo a vantagem por Alexander-Arnold, numa recarga após defesa incompleta de Lloris (47′). O técnico português mostrava o seu desagrado em gestos e palavras por toda a passividade revelada pela defesa no lance mas trocou esse estado de espírito pela motivação e pela crença quando Höjberg, num bom remate à entrada da área, conseguiu reduzir a desvantagem dois minutos depois.

Mourinho queria mais mas ao mesmo tempo pedia cabeça à equipa, que teve tudo menos isso e arriscou-se mesmo a ser goleado tantas foram as facilidades concedidas pelo setor defensivo: com o ataque a sofrer da falta de bola e o meio-campo incapaz de ligar a equipa, o eixo recuado do Tottenham voltou a facilitar em dois lances em que Salah marcou mas o golo foi anulado por toque irregular de Firmino e Sadio Mané fixou o 3-1 após cruzamento largo de Alexander-Arnold que Rodon não conseguiu afastar (65′). O resultado estava feito, ficando sempre a sensação que, com a defesa mais estável do que é normal, Alexander-Arnold a fazer a diferença pela direita e Thiago a tomar conta do meio-campo, mais acelerações do Liverpool podiam levar à goleada. Não aconteceu. Mas esta noite não houve dúvidas: se em Anfield Mourinho acabou a dizer que não ganhou a melhor equipa e Klopp até achou que o português estaria a “gozar” com a situação (que não estava), agora ninguém teve dúvidas sobre o vencedor…