André Ventura viaja esta quarta-feira para os Açores, onde vai reunir com os dois deputados do Chega na quinta-feira para tomar uma decisão sobre o acordo que PSD e CDS assinaram para as eleições autárquicas. O Chega ficou de fora, o líder do partido acusou sociais-democratas e centristas de “bullying político” e admitiu a possibilidade de consequências políticas. É agora hora de perceber até onde vão essas consequências no arquipélago dos Açores e nada está excluído, incluindo romper o acordo que suporta o governo açoriano. O tom é de conflito.

Sem o apoio do Chega, o governo de direita deixa de ter apoio maioritário. Se o partido de André Ventura romper o acordo, o próprio governo de direita pode estar em causa, já que PSD, CDS, PPM, IL sozinhos não conseguem aprovar documentos estratégicos como os orçamentos regionais. Além disso, o pressuposto para o Representante da República  para não ter dado posse ao partido mais votado nas regionais (o PS) foi precisamente uma maioria, firmada em acordo escrito, que incluiu o Chega.

Menos de uma semana depois da reunião entre Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, André Ventura encontrou espaço na agenda e, apesar da época de pandemia em que as reuniões por vídeo são cada vez mais habituais, o presidente do Chega fez questão de se deslocar até aos Açores para “avaliar o impacto que o acordo hostil entre o PSD e o CDS poderá ter naquela que é a atual solução governativa na região” na qual estão envolvidos PPM, PSD, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal.

O PSD e o CDS não podem ostracizar o Chega quando bem entendem e depois recorrer a acordos connosco quando precisam“, refere em declarações ao Observador, acrescentando que “o Chega merece ser tratado com todo o respeito que um partido político com assento parlamentar merece”. Como tal, na reunião nos Açores, além de uma avaliação da situação política na região, vai estar também “uma estratégia para articular a ação nacional e regional do partido”.

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Os deputados do Chega Açores, que pressionaram para um entendimento à direita — depois de André Ventura na noite eleitoral ter recusado logo à partida um acordo com o PSD –, preferem não arriscar qualquer cenário e aguardam pela reunião com o líder do partido para perceber quais as ideias que traz para resolver o assunto: pôr fim ao acordo, que pode ter consequências graves na situação política nos Açores, ou mantê-lo apesar de se referir ao entendimento entre PSD e CDS como uma espécie de facada nas costas.

Na altura, o acordo dos Açores, que foi assinado há cerca de três meses, foi descrito pelo presidente do Chega como uma “grande vitória, histórica”. O tema fez correr muita tinta, mas o Chega congratulou-se com o facto de ter inscrito no entendimento a redução “significativa da subsidiodependência na região”, a criação de “um gabinete regional de luta contra a corrupção” e a redução do número de deputados regionais. Na altura, houve mesmo um recuo por parte de Ventura sobre o processo de revisão constitucional, com o Chega a aceitar que esse processo venha a ser desencadeado este ano, para que o entendimento visse a luz do dia.

Se o Chega gritava vitória, o PSD foi muito criticado e, perante as reações, o partido liderado por Rui Rio sentiu necessidade de se defender e fê-lo através da comissão permanente nacional, o órgão restrito da direção do PSD, que referiu que as exigências do Chega “são quatro aspetos que um Governo liderado pelo PSD deve naturalmente prosseguir na sua governação regional, mal fora que não o fizesse apenas porque o Chega também o defende”. Certo ficou que o acordo não era nacional.

Dúvidas houvesse e, meses depois, Rui Rio assinou o tal acordo com o CDS-PP para as eleições autárquicas, afastou o Chega e lembrou uma afirmação que proferiu pouco depois desse entendimento nos Açores. “Para haver conversa com o PSD o Chega tem de se moderar” e como “não se moderou não há conversa nenhuma”. Já Francisco Rodrigues dos Santos assegurou que nas autárquicas não haverá acordos “rigorosamente nenhuns com o Chega”, mas deixa um espaço aberto para as legislativas, dizendo que nessa altura “temos de falar”.

O entendimento entre PSD e CDS estava feito e André Ventura sentiu-se colocado de parte. Pouco depois, o líder do partido já reagia. O que os dois partidos fizeram foi, na visão do deputado, “bullying político” ao não contarem com o Chega. Ventura diz ser “incompreensível” porque este “procura que sejam os partidos de direita a fazer uma espécie de cordão sanitário a um partido legalizado e um partido que está no parlamento”. Para o líder do partido de extrema-direita, a decisão tomada por PSD e CDS “só vai prejudicar a intenção de agregar a direita e de formar uma alternativa”, mas não só.

“[Esta decisão] altera o cenário político-partidário em que estamos. Ora, se um partido como o Chega tem uma base nos Açores de apoio ao PSD, não podemos ter um outro raciocínio a funcionar aqui ou noutras eleições”, acrescenta, numa referência à solução governativa dos Açores que junta PPM, PSD, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal. Apesar de o acordo ser para as autárquicas e não implicar o que foi feito nos Açores, André Ventura pode usar esta solução governativa para atingir o PSD, aliás, foi o que disse logo no momento em que reagiu, ameaçando com consequências políticas na região.