Burlas no OLX através do MB Way. “Em 30 minutos tentaram enganar-me três vezes”

“Queria vender uma cama e coloquei-a no OLX” conta ao Observador um jovem de 24 anos que prefere não ser identificado. Poucos minutos depois recebeu a primeira chamada, do outro lado uma potencial compradora dizia-lhe que estava interessada e que o produto à venda era raro no mercado. Essa compradora aceitou os 95 euros estabelecidos no anúncio e ficaram de acertar os detalhes.

Passaram menos de dez minutos quando o telemóvel voltou a tocar. Desta vez era um homem, a abordagem foi parecida e depois de saber que a cama já tinha uma compradora subiu a oferta para 150€ para assegurar a troca. A primeira compradora voltou a ligar e igualou a oferta. O segundo comprador ofereceu 200€ e disse que queria fechar o negócio no momento. A parada subiu até aos 300 euros e ficou combinado.

O jovem que estava a vender a cama admite ao Observador que a certa altura a situação pareceu-lhe “estranha” mas decidiu avançar com a venda. O momento do pagamento foi onde se desentenderam. O homem, do outro lado do telefonema, disse-lhe que iria buscar a cama no dia seguinte mas que queria pagar no momento. “Dá para ser no MBWay, certo? Isto é só ir aos levantamentos e dar-me o código“. Foi aqui que este jovem, habituado à aplicação e aos meios digitais, se apercebeu que se tratava de uma burla. Sabia que caso o tivesse feito, em vez de receber o dinheiro, este ser-lhe-ia debitado da sua conta.

Incomodado, desligou o telemóvel e ligou à anterior compradora. Ficou definido o preço e passaram à fase de definirem os moldes da troca. “Eu meto aqui o seu código e você recebe o dinheiro aí desse lado” disse ela. O esquema era exatamente o mesmo, mais uma vez tratava-se de um engodo.

Passaram-se menos de dez minutos e este jovem voltava a ser contactado. Desta vez era um rapaz que “não teria mais de 16 anos”. A burla era parecida, apenas executada com menos perícia e experiência.

Três tentativas de burla em menos de 30 minutos. Este jovem de 24 anos não se deixou enganar, mas há muitos portugueses que sim. Há reclamações públicas que relatam perdas de milhares de euros com esquemas parecidos com os que nos relata este jovem. A pandemia obrigou as pessoas a deslocarem-se para os meios digitais e o número de burlas e crimes informáticos disparou.

Qual é a dimensão do problema?

O contexto pandémico mudou o comportamento dos portugueses, mudou a forma como eles consomem e o número de burlas aumentou. Em 2020, a GNR registou 1100 crimes cometidos na plataforma OLX através do MBWay. Só este ano, foram já registados 123 crimes deste tipo. Em média, no ano de 2021 até ao momento, mais de duas pessoas foram burladas por dia através deste esquema.

A PSP registou 4.177 denúncias de burla informática desde o início de 2019. Isto traduz-se em  mais de 2,5 milhões de euros em danos às vítimas destes crimes. A Polícia de Segurança Pública não discrimina este tipo de burla pelo OLX através do MBWay, por isso não é possível sabermos a dimensão deste crime em particular em áreas urbanas. Os dados da PSP dizem-nos apenas que o pico de burlas corresponde aos meses de Estado de Emergência em que os portugueses estiveram confinados. A pandemia aumentou a criminalidade digital.

O que diz a SIBS?

Ricardo Chaves, CCO (diretor comercial) da SIBS, empresa que detém o MBWay, começa a entrevista por dizer que Portugal é um país muito seguro e que há até um relatório bianual publicado pela União Europeia que mostra que o nosso país tem registos 80% inferiores à média dos 27.

Já em relação ao tipo de esquemas como o acima relatado, Ricardo Chaves sublinha que houve um aumento exponencial deste tipo de crimes e explica que há várias pessoas que já foram presas.

No que toca aos conselhos que deixa, Ricardo Chaves começa por dizer que: “A segurança começa em cada um de nós, temos de explicar às pessoas como é que se utilizam estas novas tecnologias.” e compara o ato de fornecer os códigos de levantamento a partilhar o código de multibanco.

O CCO da SIBS lembra ainda que além deste tipo de burlas, também têm vindo a aumentar o número de tentativas de phishing, uma burla na qual as pessoas recebem um mail ou um SMS de uma qualquer entidade para entregar dados pessoais. Ricardo Chaves é claro: nunca nenhuma empresa ou banco vai pedir dados pessoais por escrito. Deve desconfiar sempre“.

O que diz o Portal da Queixa?

Só desde março do ano passado, o Portal da Queixa recebeu 214 reclamações de pessoas que foram enganadas no OLX, através do MBWay. Os picos do número de queixas coincidem com os meses de confinamento, e o verão foi a época do ano em que chegaram menos reclamações, entre junho, julho e agosto foram registadas apenas três queixas no total.

O CEO do Portal da Queixa, Pedro Lourenço, explica ao Observador que o principal motivo destas burlas é a falta de conhecimento das pessoas. “Fomos obrigados a fazer esta transição para o digital mais rápido do que esperávamos e nem as marcas, nem os consumidores nem os próprios ecossistemas estavam prontos“. Pedro Lourenço acredita que este tipo de engodos só acontecem por causa da inexperiência e da falta de literacia digital patente nos portugueses.

#NãoSejasPato

Fruto da sucessiva chegada de queixas e reclamações sobre episódios que aconteceram em ambiente digital, o Portal da Queixa decidiu criar o #NãoSejasPato. Este projeto nasceu em vésperas de Black Friday e aliou-se com várias marcas portuguesas  (OLX, MBWay, CTT, etc). Pretende precisamente combater a falta de literacia e experiência das pessoas, de forma a não serem apanhadas nestes engodos.

Através de um quiz interativo, o site analisa o conhecimento das pessoas e dá-lhes ferramentas para se poderem proteger contra a fraude e contra esquemas. O CEO do Portal da Queixa, Pedro Lourenço afirma mesmo que o objetivo é informar as pessoas para que elas “não caiam que nem um patinho”.

Esta iniciativa é uma resposta a um problema da sociedade já que o Estado não responde, diz Pedro Lourenço. O diretor desta plataforma critica o Governo que não tem estado atento a esta questão. “Não basta só colocar as empresas online, é necessário que os consumidores saibam estar online”. Caso contrário, afirma Pedro Lourenço, estamos a criar uma desconfiança total que pode descredibilizar o comércio através da internet para o futuro.