“Rapaziada, oiçam bem o que eu lhes digo
E gritem todos comigo
Viva ao Sporting!”

Os três simples versos, as 15 simples palavras, ecoaram em todos os telejornais e noticiários de rádio na passada quarta-feira. Aos 87 anos, Maria José Valério, a voz da “Marcha do Sporting” que é até hoje o hino dos leões e a música que enche o José Alvalade antes de todas partidas, morreu vítima de Covid-19 e deixou o universo leonino mais pobre. O Sporting despediu-se da artista, figuras como Ricardo Sá Pinto e Augusto Inácio também assinalaram o desaparecimento e depressa a memória de Maria José Valério — cujas cerimónias fúnebres vão passar no estádio dos leões e parar na Praça Centenário para um minuto de silêncio  — foi colada a uma temporada que não deixa de ser a melhor homenagem que o clube poderia fazer.

Ora, depois do empate no Dragão com o FC Porto, onde acabou por defender bem melhor do que atacou, o Sporting arrancou uma das semanas mais importantes da temporada — ainda que fora dos relvados. Na liderança da Primeira Liga, ainda sem derrotas para o Campeonato, a nove pontos de distância do segundo lugar e a 10 do terceiro, Rúben Amorim renovou contrato ao fim de um ano civil em Alvalade e prolongou o vínculo por mais uma temporada, até 2024. Uma decisão fácil de tomar, simples de discutir e natural de comunicar, que deixou o treinador com uma cláusula de 30 milhões de euros, mais 10 do que a inicial.

Ficha de jogo

Mostrar Esconder

Sporting-Santa Clara, 2-1

22.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Manuel Oliveira (AF Porto)

Sporting: Adán, Gonçalo Inácio, Coates, Feddal (Jovane, 86′), Bruno Tabata (Daniel Bragança, 70′), João Palhinha, João Mário, Nuno Mendes (Matheus Reis, 58′), Matheus Nunes, Tiago Tomás (Nuno Santos, 70′), Pedro Gonçalves

Suplentes não utilizados: Maximiano, Luís Neto, João Pereira, Antunes, Eduardo Quaresma

Treinador: Rúben Amorim

Santa Clara: Marco, Rafael Ramos, Fábio Cardoso, Mikel Villanueva, Mansur, Hide Morita, Anderson Carvalho (Nené, 67′), Lincoln, Allano (Jean Patric, 67′), Cryzan (Rui Costa, 30′), Carlos Jr.

Suplentes não utilizados: André Ferreira, João Afonso, Lucas, Ukra, Rúben Oliveira, Sagna

Treinador: Daniel Ramos

Golos: Pedro Gonçalves (22′), Rui Costa (84′), Coates (90+4′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Anderson Carvalho (41′), a Fábio Cardoso (63′)

“São momento diferentes, o momento do clube em si mudou, mas a ambição é a mesma. Temos mais certezas de que este é o caminho que temos a percorrer, mas há muito a fazer, daí assinar por mais anos. Sinto-me em casa e disse-o sempre. Desde a época passada, quando falhámos um objetivo, disse que fiz a opção certa. Muito mudou mas há tudo para fazer. Tenho a mesma ambição. E quero deixar uma palavra à equipa técnica, agradecer aos meus jogadores, porque foram eles que me possibilitaram esta oportunidade para continuar ligado ao Sporting. A mensagem é e será: temos muito para ganhar, muito para fazer. O caminho passa por títulos e por algo muito maior. Estou muito feliz, sinto-me em casa, é um enorme orgulho estar ligado ao Sporting”, disse o técnico em reação à renovação de contrato, que lhe garantiu ainda uma melhoria salarial adicional aos cada vez mais prováveis prémios que estão associados à entrada na fase de grupos da Liga dos Campeões e à conquista do título, no valor de 2,3 milhões de euros.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Era neste contexto, na semana em que perdeu uma figura do clube mas também renovou a aposta num treinador que é a cara de um projeto, que o Sporting continuava esta sexta-feira o percurso praticamente imaculado que tem vindo a realizar na Primeira Liga: precisamente no dia em que se assinalava um ano desde que Amorim chegou aos leões. Em Alvalade, contra o Santa Clara, o Sporting recebia um 7.º classificado a atravessar o melhor momento da época e acabado de sair de uma vitória importante contra o P. Ferreira. Com a possibilidade de alargar provisoriamente as distâncias para os principais perseguidores — o Sp. Braga só jogava na terça-feira, o FC Porto só jogava no sábado –, Rúben Amorim não podia contar com Pedro Porro, que treinou condicionado ao longo de toda a semana devido a uma tendinopatia na anca esquerda. Uma ausência que se juntava à de Paulinho, que continuava de fora das contas dos leões.

Assim, o Sporting apresentava-se com duas surpresas. Sem o lateral espanhol, quando era expectável que fosse João Pereira a saltar para a titularidade, Amorim lançava Matheus Nunes na ala direita da equipa, apostando no jovem jogador que entrou muito bem no Clássico com o FC Porto. Depois, Bruno Tabata era a outra novidade, já que também entrava no onze inicial e deixava Nuno Santos no banco de suplentes. De resto, o habitual, com o trio defensivo formado por Inácio, Coates e Feddal, Nuno Mendes no corredor esquerdo, Palhinha e João Mário no meio-campo e Tiago Tomás enquanto referência ofensiva, apoiado mais diretamente por Pedro Gonçalves e, então, por Tabata. Do outro lado, o destaque ia para a titularidade de Morita, o japonês que chegou ao Santa Clara no mercado de inverno e que foi elogiado por Amorim na antevisão da partida.

Numa primeira parte bastante rica a nível tático mas muito pobre no que toca a oportunidades, o Santa Clara começou melhor e depressa deixou entender que iria colocar as linhas subidas no terreno, à procura de uma pressão alta que pudesse provocar o erro do adversário. Os instantes iniciais, que trouxeram esse ascendente açoriano, depressa deram lugar a um período mais híbrido da partida em que o Sporting tentava colocar algum gelo no jogo e prolongar a posse de bola. Os leões exploravam maioritariamente os corredores, com especial incidência na ala esquerda onde estavam Nuno Mendes e Pote, e a equipa de Daniel Ramos posicionava-se mais na faixa central. Ou seja, o Santa Clara ia controlando as parcas investidas ofensivas dos leões e depois avançava pela zona do terreno onde existia mais espaço.

Sem grande margem de manobra para construir de forma ponderada, face aos espaços reduzidos pela transição defensiva do Santa Clara e ao bloco muito organizado que os açorianos apresentavam, o Sporting optava muitas vezes por um futebol mais direto: com passes longos de Gonçalo Inácio e João Palhinha, que procuravam as costas da defesa e as desmarcações dos elementos mais adiantados. A movimentação da equipa de Rúben Amorim parecia algo lenta, com o expoente desse particular a ser João Mário, que apesar de ser um pêndulo importante no setor intermédio estava a demorar muito tempo a ligar a defesa e o ataque. Até aos 20 minutos, o Santa Clara tinha a totalidade dos remates da partida (dois) e estava a secar por completo todas as tímidas aproximações que o Sporting fazia à grande área de Marco. Apesar de também não conseguir criar especial perigo quando entrava no meio-campo adversário, a equipa de Daniel Ramos ia demonstrando uma organização admirável que já tinha ficado evidente nos jogos contra o Benfica e contra o FC Porto.

A questão é que este Sporting só precisa de meia oportunidade para marcar — e o Santa Clara ofereceu a outra metade. João Palhinha recuperou a bola na zona do meio-campo, jogou com João Mário que ligou com Bruno Tabata e o médio brasileiro tirou um passe perfeito para Pedro Gonçalves, que já na grande área atirou um pontapé cruzado que abriu o marcador (22′). O jovem avançado português regressava aos golos, depois de não ter marcado nas últimas quatro jornadas, e chegava ao 15.º golo da temporada na Primeira Liga. Pouco depois do golo, Daniel Ramos foi forçado a realizar a primeira substituição, graças a uma lesão de Cryzan, e trocou de referência ofensiva ao lançar Rui Costa, um reforço de inverno.

Pouco aconteceu até ao intervalo, com o jogo a ser muito discutido na zona do meio-campo e as duas equipas a anularem-se mutuamente, e o Sporting acabou por descer ao balneário com uma margem mínima valiosa conquistada no único remate que fez na primeira parte. Sem terem realizado uma grande primeira parte, principalmente por mérito do Santa Clara, os leões estavam na frente do marcador muito graças à qualidade individual dos jogadores e à eficácia de Pedro Gonçalves, que só precisou de um remate para voltar a marcar aos açorianos depois do bis da primeira volta.

[Carregue nas imagens para ver alguns dos melhores momentos do Sporting-Santa Clara:]

Na segunda parte, o Santa Clara voltou a começar melhor e com maior vontade de chegar a terrenos mais adiantados — ficava clara a ideia de que os açorianos queriam lutar pelo resultado e disputar os pontos até ao apito final, cientes de que o Sporting não estava a ter capacidade para povoar com frequência o último terço adversário. Esgotados os primeiros 10 minutos da segunda parte, Rúben Amorim olhou para a equipa e decidiu mexer no corredor esquerda, onde Nuno Mendes estava novamente abaixo das exibições que assinou na primeira metade da temporada: o jovem ala saiu e deu o lugar a Matheus Reis, que oferecia maior presença física nas bolas paradas e trazia frescura à movimentação defensiva dos leões.

Daniel Ramos voltou a mexer quando faltavam cerca de 25 minutos para o final da partida e mostrou novamente que não iria desistir do resultado: tirou Allano e Anderson Carvalho e lançou Jean Patric e Nené. Amorim respondeu e trocou Tiago Tomás e Bruno Tabata por Nuno Santos e Daniel Bragança, claramente com o objetivo de conquistar mais posse de bola na zona do meio-campo e injetar alguma velocidade de movimentos numa equipa que parecia algo adormecida e pouco confortável. A entrada do jovem médio deixou os centrais do Santa Clara sem uma referência ofensiva para marcar e criou um vazio que abriu algum espaço aos leões no meio-campo adversário — um espaço prontamente aproveitado por Nuno Santos, poucos minutos depois de entrar, através de um remate perigoso que saiu ao lado (73′).

O Sporting recuou cada vez mais à medida que o relógio se aproximava do apito final e o Santa Clara, embora sem grande critério, ia conquistando vários pontapés de canto que ameaçavam a baliza de Adán. Já dentro dos últimos 10 minutos, quando os leões só pensavam no final do jogo e nos três pontos que estavam a dar como garantidos, os açorianos acabaram por alcançar aquilo que tinham procurado durante toda a partida: cruzamento largo na esquerda, Carlos Júnior desviou em esforço ao segundo poste, Feddal fez um alívio incompleto e a bola sobrou para Rui Costa, que rematou para dentro da baliza e estreou-se a marcar pela nova equipa (84′). Com o resultado empatado, Amorim deu o tudo por tudo e tirou Feddal para lançar Jovane.

Os leões carregaram, o jogo partiu e podia ter caído para qualquer lado — no fim, caiu para quem tem contado com a estrelinha da sorte e para o capitão que está a realizar a melhor temporada desde que chegou a Portugal. Nuno Santos recebeu de Jovane na esquerda, tirou um cruzamento largo e encontrou João Mário ao segundo poste; o internacional português cruzou para a zona da pequena área e Coates, quem mais, apareceu a cabecear para dentro da baliza (90+4′). O central uruguaio fez o quarto golo da época no Campeonato e garantiu a vitória leonina.

O Sporting venceu o Santa Clara em Alvalade depois de um jogo pouco conseguido e de uma das exibições mais pobres da época e garantiu desde já que vai pelo menos manter as distâncias para os principais rivais. No dia em que Rúben Amorim comemorou um ano ao comando dos leões, ouviu-se a voz de Maria José Valério depois do apito final, com um pequeno reparo na letra: “Rapaziada, oiçam bem o que o Coates diz e gritem todos com ele”.