“Senti-me bem e a equipa foi forte num jogo com esforço especial mas fiz o trabalho e dei o meu melhor. Sem o Quintana e sem o Humberto [Gomes, que está lesionado], com quem tenho história desde há quatro anos, este foi o meu jogo mais difícil a nível emocional”. Depois de Ristovski, Gustavo Capdeville é agora suplente do espanhol Sergey Hernández no Benfica. Na Seleção, por força das circunstâncias, foi chamado à titularidade no primeiro encontro do torneio pré-olímpico frente à Tunísia. Manuel Gaspar, outro jovem guarda-redes chamado por Paulo Pereira, até tem conseguido mais minutos no Sporting entre os experientes Cudic e Skok, mas a aposta foi para o número 41. E foi uma aposta mais do que ganha, que não passou ao lado de ninguém em França.

Por cada defesa que fazia, e foram muitas (até três livres de sete metros) sobretudo numa primeira parte onde Portugal construiu a base da vitória, Capdeville beijava o fumo negro que tinha no braço esquerdo com as iniciais do falecido luso-cubano, AQ, que tem sido homenageado de várias maneiras neste regresso ao ativo da Seleção em Montpellier após o histórico décimo lugar no Mundial deste ano, em janeiro. E a presença inédita nesta fase de qualificação para os Jogos Olímpicos deve-se também ao sexto lugar no Europeu de 2020, outro registo alcançado por Portugal no melhor momento de sempre a nível de resultados que devia e merecia ser vivido de outra forma que não a fazer o luto por um dos melhores guarda-redes de sempre que deixou um vazio na Seleção.

A vitória frente à Tunísia por 34-27 mostrou o exigente desafio mental dos jogadores pelas circunstâncias em que foram preparados os três dias mais importantes de sempre do andebol nacional mas mostrou também que, não estando de nível regular ao nível dos melhores do mundo, Portugal mostra já uma maturidade de jogo capaz de lidar da melhor forma com os grandes desafios. “Foi importante ter cedo o jogo na mão porque não sabíamos como iria reagir a equipa, dada a carga emocional. Todos participaram e foi possível poupar energias para o próximo jogo, onde será preciso outra intensidade e mais soluções”, assumiu Paulo Pereira, projetando já o encontro frente a uma Croácia que surpreendeu a França na primeira parte mas acabou por ceder numa segunda parte em que sofreu 18 golos e perdeu diante dos gauleses por 30-26. O encontro deste sábado tornava-se decisivo.

Ninguém da Seleção assumiu de forma aberta este cenário mas, conseguido o primeiro triunfo neste torneio pré-olímpico, a Croácia era o adversário ideal para chegar à segunda e decisiva vitória (assumindo que a Tunísia perdia na segunda ronda), bem mais do que uma França que, jogando também em casa, era a grande favorita ao primeiro lugar. E se em termos de experiência internacional e de grandes competições existe ainda um fosso grande para os balcânicos, o Mundial mostrou que não está tão forte como em anos anteriores e pode também ter dias negativos. Era nisso que Portugal apostava, sabendo que estava a 60 minutos de uma histórica qualificação para Tóquio.

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Ao contrário do que aconteceu nos encontros da véspera, Portugal e Croácia entraram no jogo com vários erros no ataque, ações sem remate e clara superioridade das defesas, que consentiram apenas três golos nos primeiros sete minutos da partida com a Seleção a começar a perder e a dar depois a volta (2-1). A defesa mista dos balcânicos ia conseguindo criar dificuldades ao ataque de Portugal mas, com uma grande variedade de recursos e opções, passou para a frente por 4-2 e mais tarde 6-3 com 11 minutos jogados, com a particularidade de ter seis marcadores diferentes a marcarem os golos entre Fábio Magalhães, Victor Iturriza, Rui Silva, André Gomes, Luís Frade e Pedro Portela (a que se juntou depois Miguel Martins, acabado de entrar na partida e a resolver sozinho uma jogada).

Com o resultado em 7-6, e com Rui Silva a ter mais um salto fantástico a evitar um direto da Croácia que jogava com guarda-redes avançado pela exclusão de Luís Frade, Paulo Pereira pediu um desconto de tempo. “Temos de jogar mais tempo no ataque, não arrisquem nos remates surpresas porque até nós somos surpreendidos. E na defesa vamos evitar exclusões ou depois não conseguimos controlar o 7×6”, pediu. Portugal cumpriu. Melhorou. Mas a chave determinante até ao intervalo foi a entrada de Manuel Gaspar para a baliza, que com quatro grandes intervenções “secou” o ataque croata durante mais de oito minutos e permitiu que a Seleção conseguisse quatro golos de vantagem com uma fantástica jogada aérea entre Rui Silva e António Areia que fez o 12-8.

O intervalo chegava com 12-9 e os marcadores dos golos ajudavam a contar a história dos 30 minutos iniciais: Ivan Cupic, que na véspera tinha apontado dez golos frente à França, tinha quase metade dos golos (quatro, com três de livres de sete metros) pela constante tentativa de jogo aos seis metros dos balcânicos; Fábio Magalhães, António Areia, Miguel Martins e Iturriza tinham dois cada entre oito marcadores diferentes, sinal da versatilidade de jogo ofensivo nacional. Portugal estava a 30 minutos de cumprir um sonho que parecia impossível.

E se a primeira parte tinha sido globalmente muito boa, o segundo tempo começou ainda melhor: com Gaspar a continuar a encher a baliza e os croatas cada vez mais nervosos em termos ofensivos, em ataque organizado ou reposições rápidas, André Gomes começou por brilhar na primeira linha e depois foi Ituriza a marcar de recarga e em contra-ataque, colocando Portugal na frente pela primeira vez por seis golos (16-10) perante o desespero do banco contrário que teve de parar o encontro com apenas cinco minutos jogados. A partir daqui, e contra uma das melhores seleções europeias da atualidade mesmo não vivendo tempos de outrora, o triunfo iria depender da capacidade de gestão da Seleção, que começa agora a habituar-se aos grandes palcos. E essa “defesa” do resultado não começou da melhor forma, com a Croácia a reduzir para apenas três golos a 20 minutos do final.

A organização defensiva dos balcânicos tornou-se muito mais agressiva, Portugal esteve alguns minutos a zero e a sofrer depois golos em ataques rápidos, Luís Frade ainda furou esse bloqueio mas os problemas no ataque não tinham solução apesar das entradas de Miguel Martins e Alexandre Cavalcanti. Voltou Rui Silva, voltou Fábio Magalhães, entrou em ação o 7×6 com Salina e Iturriza como pivôs que conseguiu estabilizar de novo a equipa durante alguns minutos mas este seria mesmo um jogo de nervos, com Portugal a sentir grandes dificuldades no ataque e a ter também decisões incompreensíveis da arbitragem como um lance em que Musa defendeu Rui Silva com um murro na cara e nem exclusão de dois minutos (e visto no VAR poderia mesmo valer vermelho direto), com a Croácia a voltar a liderar o marcador a dois minutos do final, o que não acontecia desde o início.

Portugal perdeu mesmo por 25-24, após uma última tentativa com o tempo esgotado de Rui Silva que saiu por cima depois de mais um golo de Luka Cindric que nasceu de outra falta muito duvidosa aos seis metros, e tem agora de ganhar à França na última jornada, este domingo, para conseguir chegar a Tóquio.