Quando uns derrotaram o Borussia Dortmund e os outros eliminaram o Bayern Munique, ou seja, quando ficou confirmado que Manchester City e PSG iam defrontar-se nas meias-finais da Liga dos Campeões, depressa surgiu um cognome para o confronto: o Duelo das Arábias. Na primeira mão, tudo foi decidido pelo génio que saiu da lâmpada de De Bruyne (1-2); na segunda, Neymar queria ser um verdadeiro mártir.

“Temos um jogo muito difícil contra o Manchester City mas temos de acreditar, mesmo que tenhamos apenas 1% de hipóteses. Todos os parisienses devem acreditar em nós. Sou o primeiro a dar a cara, sou o primeiro guerreiro que vai em busca dessa guerra. Vou dar o meu melhor e dedicar-me para trazer de volta essa vitória de qualquer jeito, nem que tenha de morrer em campo”, disse o brasileiro na antecâmara da visita ao Etihad, esta terça-feira. E se Neymar queria ser um mártir, Guardiola queria ser um sábio.

De Bruyne e o génio que saiu da lâmpada para decidir o duelo das Arábias (a crónica do PSG-Manchester City)

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“A segunda mão das meias-finais é sempre difícil. Este jogo é mais complicado do que a final, inclusivé. Jogas com o resultado da primeira mão, a ideia de estar na final não sai da tua cabeça e às vezes acabas por esquecer o jogo em si. Segundo a minha experiências com as outras equipas, este é o jogo mais difícil. A final é algo completamente diferente. São muito bons, mas eles também sabem que nós temos qualidade. Sou um privilegiado por estar aqui mas, para a maioria das pessoas deste clube, é a primeira vez. Disse-lhes que é só mais um jogo em que temos de entrar para ganhar. Toda a gente tem noção da importância deste momento, não tive de dizer nada em relação a isso. Eles sabem que vai ser uma batalha em que vamos sofrer durante alguns momentos mas vamos conseguir reagir sempre”, atirou o treinador catalão, que não disputava uma meia-final europeia desde 2015/16, pelo Bayern Munique, quando foi eliminado pelo Atl. Madrid.

Colocando de lado o objetivo óbvio de chegar à final da Liga dos Campeões e disputar a maior competição continental, Manchester City e PSG tinham metas internas para alcançar. Do lado dos ingleses, eliminar o PSG significava chegar à primeira final da Champions da história do clube e dar um passo em frente rumo ao sonho de aliar a glória europeia aos títulos nacionais, carimbando ainda a aposta em Pep Guardiola; do lado dos franceses, eliminar o Manchester City significava chegar à segunda final da Champions consecutiva, prolongando o feito da época passada para procurar uma sorte diferente e confirmar que, independentemente do dinheiro, das mudanças de treinador e das histórias de bastidores, é uma das principais potências europeias.

Mbappé, que sofreu uma lesão muscular e falhou o jogo do fim de semana contra o Lens, foi a grande dúvida praticamente até à hora do jogo: o francês integrava a convocatória mas começava no banco, com Icardi a assumir a titularidade. Danilo Pereira também era suplente e Mauricio Pochettino fazia outras duas alterações face à primeira mão, para lá da saída de Mbappé, trocando Gueye (que foi expulso em Paris e estava castigado) e Bakker por Diallo e Paredes. Do outro lado, Guardiola mexia em duas peças, com Zinchenko e Fernandino a entrarem para os lugares de João Cancelo e Rodri, que começavam ambos no banco. Rúben Dias e Bernardo, assim como Gündoğan, De Bruyne, Foden e Mahrez, foram poupados no fim de semana contra o Crystal Palace e estavam no onze inicial.

Com os dois golos marcados fora na primeira mão e a jogar em casa, o Manchester City partia claramente com alguma vantagem em relação ao PSG. Com muito granizo no relvado e temperaturas a rondar os cinco graus, depois de uma tempestade ter caído na cidade inglesa ao final da tarde, a primeira parte trouxe um jogo diametralmente inverso ao da primeira mão: os franceses tinham mais bola, partindo do princípio de que não existia a profundidade e a velocidade de Mbappé e era preciso trabalhar mais as jogadas para oferecer a bola a Icardi, enquanto que os ingleses ficavam na expectativa e atacavam quase sempre em contra-ataque, sem um ‘9’ destacado. A equipa de Pochettino começou melhor, também fruto do facto de precisar de marcar golos para chegar à final, e ficou muito perto de beneficiar de uma grande penalidade — o árbitro da partida começou por considerar que Zinchenko tinha tocado a bola com o braço na grande área mas, depois de consultar as imagens do VAR, reverteu a decisão (7′).

O PSG tinha mais bola, estava a jogar praticamente por inteiro no meio-campo adversário e ainda não tinha concedido um centímetro de espaço ao Manchester City. O conjunto de Guardiola, porém, mostrou que não precisa de muitas oportunidades para marcar: Ederson soltou um grande passe longo que encontrou Zinchenko em velocidade na esquerda, o ucraniano procurou De Bruyne à entrada da grande área, o belga rematou contra um adversário e Mahrez, na recarga, empurrou para bater Keylor Navas (11′). Contra a corrente do jogo, os ingleses abriam o marcador, dilatavam a vantagem na eliminatória e deixavam os franceses obrigados a marcar dois golos para empatar a meia-final.

Não foi pelo golo sofrido, contudo, que o PSG deixou de conseguir chegar com perigo à baliza adversária. Marquinhos acertou na trave com um cabeceamento ao segundo poste depois de um cruzamento de Di María na esquerda (16′) e o próprio argentino, depois de um passe algo arriscado de Ederson para Gündoğan, atirou de longe para a baliza quase deserta mas a bola passou ao lado (19′). O jogo acalmou ligeiramente até ao intervalo — apesar de os ânimos algo exaltados, com Bernardo e Neymar a discutirem depois de o primeiro fazer falta sobre o segundo — e, à exceção de um remate por cima de Herrera (36′) e de uma dupla oportunidade de Mahrez e Bernardo (45+2′), já existiram poucas ocasiões de golo. O PSG desacelerou um pouco na segunda metade da primeira parte, permitindo mais bola e mais conforto ao City, mas continuava a ser a equipa dominante de todo o encontro, ainda que estivesse a perder e a 45 minutos de falhar a final da Liga dos Campeões.

No arranque da segunda parte, a primeira palavra de apreço tinha de ser dedicada aos funcionários do Manchester City, que durante o intervalo conseguiram retirar praticamente todo o granizo que estava no relvado. Nem Pochettino nem Guardiola fizeram substituições, a chuva continuava a cair e os ingleses tentavam pressionar um pouco mais alto, provavelmente para chegarem ao segundo golo no arranque da segunda parte e fechar aí a eliminatória. Foden teve a primeira ocasião depois do intervalo, com um remate de fora de área que Navas defendeu (54′), e Neymar respondeu com um lance individual em que acabou por atirar contra a defensiva adversária — com Rúben Dias, Stones e Zinchenko a celebrarem a reação coletiva como se de um golo se tratasse. O central português realizou esta terça-feira outra exibição de luxo ao mais alto nível, com diversos cortes importantes e uma liderança muito acima da idade que tem no documento de identificação.

À chegada à hora de jogo, o PSG continuava a precisar de marcar dois golos para empatar a eliminatória e Icardi era um jogador a menos, sem bola, sem influência e praticamente sem qualquer ação ofensiva. Confrontado com isso mesmo, Pochettino tirou o avançado argentino e lançou Moise Kean, trocando também Herrera por Draxler, com Verratti a recuar no terreno para assumir tarefas mais defensivas. O xeque-mate, porém, apareceu de imediato. Num lance de transição rápida e numa altura em que os franceses ainda pareciam adaptar-se às duas substituições, Foden arrancou no corredor esquerdo, combinou com De Bruyne na faixa central e voltou a receber, servindo Mahrez ao segundo poste; o argelino, de primeira, bisou e empurrou o City de forma definitiva para a final da Liga dos Campeões (63′).

A pouco mais de 20 minutos do fim, a frustração levou a melhor e Di María acabou expulso, com vermelho direto, acabando aí também com qualquer esperança que o PSG ainda pudesse ter: fora do terreno de jogo, junto à linha lateral, o argentino desentendeu-se com Fernandinho e acabou por pisar propositadamente o médio brasileiro, sem deixar grandes dúvidas ao árbitro sobre a decisão a tomar. Até ao final, Pochettino ainda tirou Florenzi e Paredes, que estavam algo descontrolados e sem conseguir controlar as emoções, o que motivou a entrada de Danilo. Foden acertou no poste, num lance em que a receção vale quase tanto como a restante jogada (77′), Agüero, Sterling e Jesus ainda entraram mas o resultado não voltou a alterar-se, carimbando a eliminação dos franceses e o apuramento dos ingleses.

O PSG, que não fez qualquer remate enquadrado no Etihad, sai da Liga dos Campeões na reta final de uma edição em que calhou no grupo do RB Leipzig e do Manchester United e eliminou depois o Barcelona e o Bayern Munique. Já o Manchester City carimba a presença na primeira final da Champions na história do clube e fica agora à espera de saber se encontra o Real Madrid ou o Chelsea na partida derradeira, em Istambul. O herói, claramente, foi Mahrez: mas se o nome é dele, a final é de Pep, de Rúben, de Phil, de Kevin e de todos os outros que estão a contribuir para uma época em que os citizens podem, finalmente, aliar a Liga dos Campeões à Premier League.