“Nós já vimos o filme”. O Bloco de Esquerda não está impressionado com a prometida bazuca de fundos europeus e compara as promessas de Bruxelas — e do Governo português — com a crise anterior, que acabou com medidas de austeridade. “Acho que temos de ter o cuidado de ter uma discussão política franca, não vá alguém dizer daqui a dois anos que depois é preciso austeridade”, avisou esta segunda-feira Catarina Martins.

Em entrevista à TVI, a coordenadora do Bloco de Esquerda deixou registada a sua desconfiança sobre a forma como o dinheiro chegará a Portugal — “Nós já vimos o filme em que se promete o que ainda não está decidido para depois se cobrar de uma forma ruinosa” –, desvalorizando assim as garantias que o Executivo tem vindo a dar sobre a aplicação do dinheiro acordado com Bruxelas. Se António Costa promete que não haverá austeridade, o Bloco de Esquerda, que rompeu com o Executivo nas negociações do último Orçamento do Estado, duvida: “Ainda não há acordo. Neste momento, a bazuca europeia é em grande medida dinheiro do próximo quadro comunitário e de outros futuros, apresentado de outra forma”, alertou.

Cimeira social: “Estamos a brincar?”

Não foi o único aviso em relação à Europa: a líder do Bloco expressou a sua “profunda desilusão” com a Cimeira Social que decorreu este fim de semana no Porto e que marca a presidência portuguesa da União Europeia, classificada por António Costa como um momento histórico, criticando as “declarações vazias sem nada em concreto” e os “apelos aos países para que tenham preocupações sociais”: “Estamos a brincar… As propostas sobre a despesa com desigualdades na pandemia não entrar nas metas do défice não passou, não ficou nada, e há zero sobre direitos do trabalho (nas plataformas digitais)”, atacou. Insuficientes serão também as metas de reduzir os pobres na Europa em quinze milhões: “Achamos normal que haja 100 milhões de pobres enquanto damos prémios aos offshores desta vida. Continuamos a arrastar as metas com a barriga. É enganar as pessoas e isso está errado”.

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“As regras da União Europeia não são uma lei da física, são uma construção política. Dizermos amén a tudo o que vem de fora como se fosse uma questão de ou existe Europa ou não existe Europa é uma falsa questão”, defendeu a coordenadora bloquista”.

Ainda sobre Europa, e embora com saudações à decisão da União Europeia sobre investir nas vacinas, a bloquista voltou a defender o levantamento das patentes, lembrando que até o Papa Francisco e a administração de Joe Biden já pediram o mesmo. “Acho uma vergonha que a Europa não acompanhe o Papa, às autoridades de Saúde ou o que dizem os Estados Unidos. Se não fosse a quebra das patentes no caso do VIH/Sida não tinham sido possíveis os avanços”, criticou.

Odemira: “Toda a gente fecha os olhos”

Outro dos temas quentes abordados na entrevista foi o da TAP, em que a líder do Bloco manteve a posição do partido, de que o Estado deve apoiar a sua “companhia de bandeira” e que esta deve “servir o interesse público”, embora confessando estar “muito preocupada” com a TAP e deixando um desejo: “Espero que seja muito menos do que os 5 mil milhões” o dinheiro de que a TAP vai precisar. “Mas não sei quanto tempo esta crise vai durar, seria péssimo fazermos de conta que sim. Se não se perceber bem quais são os interesses, qualquer tostão está a mais”.

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Quanto a Odemira, onde Catarina Martins esteve esta segunda-feira, a coordenadora do Bloco voltou a lembrar que o Bloco fez aprovar em 2019 uma lei do trabalho forçado “inspirada naquela situação”, mas apontou “problemas de fiscalização” e o facto de “toda a gente fechar os olhos”, com “cumplicidade de autoridades nacionais e locais”. O partido quer agora mudar a lei para responsabilizar toda a cadeia das explorações agrícolas, e não apenas as empresas subcontratadas que contratam os migrantes e se “esfumam”. E deixa um aviso: não há só uma Odemira e é na exploração agrícola intensiva que se encontram “situações de abuso muito forte”.