Desde a estreia em 2018 que “Manifest” se tem tornado num estranho caso de sucesso. A fórmula não é nova, o que surpreende é que tenha dado tanto resultado. O pitch de elevador seria: um avião desaparece e reaparece cinco anos depois, o que é feito da vida presente dos passageiros e tripulantes desse avião? Há algo de “Perdidos” na ideia principal, mas ao invés de uma ilha misteriosa, as personagens estão no mundo real — um pouco como a população que desapareceu de “Os Vingadores” e voltou anos depois ou, então, aqueles que ficam de “The Leftovers”.

Desde “Perdidos” que várias séries tentaram imitar a fórmula, mas falharam. “Manifest” resultou e talvez isso se deva à forma como se reinventa o modelo com alguma frequência. Não é uma série que tire muitas vezes o tapete ao espectador, mas é uma que gosta de brincar com os géneros televisivos e de os misturar de forma eficaz. Rapidamente, percebe-se que não é uma série sobre o sobrenatural, ou de mistério, mas também não é um drama, um thriller, um drama de hospital ou uma série de aventuras. É isso tudo e mais, de uma forma leve e funcional: o espectador rapidamente esquece a premissa da série e fica ligado às personagens e ao respetivo drama diário.

Reinventa-se regularmente também através das personagens e das suas narrativas. Não as mata, mas roda o protagonismo. É uma fórmula que tem resultado mundialmente, em Portugal é das séries mais vistas da HBO Portugal, onde todas as temporadas estão disponíveis – a terceira está a decorrer de momento. Há poucos estivemos à conversa, via Zoom, com dois dos protagonistas, Josh Dallas e Parveen Kaur, ou seja, Ben Stone e Saanvi Bahl.

https://www.youtube.com/watch?v=nrjMG70JIug

No final do primeiro episódio fiquei surpreendido com o aviso de que, durante as filmagens, foram criadas condições para manter toda a gente segura, por causa da pandemia. É o primeiro programa que vejo com uma advertência do género. Como foi voltar à normalidade das filmagens?
Parveen Kaur:
Um novo mundo, estávamos a andar num novo território e contentes por estarmos todos a trabalhar para continuar a contar a história de “Manifest”. Éramos testados várias vezes por semana, havia distanciamento social e filmou-se de forma diferente. Era uma alegria ir trabalhar todos os dias, nunca senti que era um risco ou que não queria estar ali. Bem pelo contrário, estávamos felizes por estarmos de volta às filmagens.

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Na vossa perspetiva, porque é que é tão apelativo para nós, público, estas séries onde pessoas desaparecem e reaparecem passado algum tempo?
PK:
É o ABC das teorias das conspirações e a os espectadores adoram uma boa teoria da conspiração.

Josh Dallas: Além do mistério há a questão de se viajar de avião, porque acontece num objeto que não é o nosso corpo. E não é suposto voarmos. A ideia de que desaparecemos num avião e ninguém sabe para onde fomos, ou de onde viemos, torna-se imediatamente intrigante. Tem uma ligação a algo profundo e humano, não sei o que é, mas tem.

Quando leram o guião de “Manifest” pela primeira vez, perceberam que se iria tornar numa miscelânea de géneros?
PK:
Fiquei com essa ideia, mas é algo que só sabes quando começas a filmar e, antes disso começar, só tinha lido o argumento do episódio-piloto, não fazia ideia de como se iria desenvolver. Honestamente, não sei ainda para onde é que iremos e qual será a resposta final. O que sei é que quando li o piloto, fiquei curiosa para saber para onde iria. E atualmente é bastante melhor do que achava que alguma vez poderia ser.

JD: Eu achei que se iria tornar num musical… não, estou a brincar.

PK: Mas é verdade, cantamos muito durante as filmagens.

JD: Este tipo de série evolui muito ao longo dos episódios. Penso que está tudo na base: a história é viciante. Tudo vem daí e acontece de forma orgânica.

Há uma associação imediata com “Perdidos”. Muitas séries tentaram replicar a fórmula e falharam de imediato. “Manifest” não, aliás, tem muito sucesso. A que se deve isso?
JD:
São as personagens. Elas criam uma ligação profunda com a audiência, pela história e como enfrentam o seu dia-a-dia. Há uma mulher e o marido, o pai e os filhos, um cientista e a sua vontade de descobrir o que aconteceu àquela tripulação. É o lado humano que nos liga à série. É intrigante como estas personagens avançam na história, agem de uma forma que fazem o público questionar: “o que faria eu nesta situação?” Queremos saber como as personagens existem e se desenvolvem neste universo.

PK: Concordo, são as personagens. A série é viciante e muito divertida de se ver. É um ótimo escape à realidade, que é algo que precisamos de momento.

Josh, por vezes não pensa que a sua personagem faz demasiadas coisas?
JD: Acho que ele não gere isso muito bem. Faz o que pode. Coloca muita pressão sobre si próprio, porque quer avançar com as coisas. No início desta temporada, por exemplo, sente que as pessoas morreram naquele voo e foram ressuscitadas e percebe que não é algo individual, mas que diz respeito a todos. Por isso, quer contar essa sua verdade a toda a gente. Mas nem todos alinham nessa ideia. Como a vontade dele de salvar toda a gente – além de si próprio e da sua família — é tão fervorosa, facilmente ele vai para locais muito escuros na sua cabeça. Ao longo desta temporada isso vai acontecer de forma dramática. Mas respondendo à pergunta… não faço ideia como ele o faz. Eu não o conseguiria fazer na vida real.

Como é que veem as vossas personagens a desenvolverem-se no futuro?
JD:
Não nos contam detalhes da história, por isso não sabemos o que acontece às personagens. Sabemos o que acontece no final desta terceira temporada e isso vai destruir algum equilíbrio no núcleo de personagens da série. Se existir uma quarta temporada, algumas personagens irão reiniciar o seu percurso. O final desta temporada é emocionante e desconcertante. Vai mudar tudo. Mal posso esperar para que o público o veja.

Irão criar espaço para novas personagens e histórias?
JD:
Esse é o brilhantismo do Jeff Rake e dos argumentistas, estão sempre a criar e a brincar com histórias paralelas. Não param de acontecer. Isso é muito atrativo e satisfatório para a audiência. Há sempre muito a acontecer ao mesmo tempo.

Não têm medo que isso afete o vosso protagonismo?
JD:
Como atores ou personagens?

Como personagens.
JD:
Não, qualquer nova história que acontece, faz parte do bolo inteiro. Torna-o mais rico e interessante de ver. Também é mais entusiasmante trabalhar assim. Se isso não existisse em “Manifest”, não estaríamos a falar agora.

Mencionaram há pouco e não resisto perguntar: se um episódio fosse um musical, fariam?
PK:
Claro!

JD: Acho que sim,… não sei como iria entrar no arco da história, mas seria interessante.

PK: Faríamos com que tudo funcionasse.

JD: Estou só a pensar que tipo de números musicais poderíamos meter. Mas não seria um musical alegre…