Menos bola, menos remates, mais golos (ou neste caso, menos autogolos), uma vitória inquestionável. A França já era apontada como a principal favorita no plano teórico à vitória no Europeu mas deu com a Alemanha, logo na estreia, uma aula de demonstração prática sobre o tema: uma defesa sempre segura; um meio-campo capaz de ligar setores, marcar zonas de pressão e recuperar inúmeras bolas; um ataque que com a soma de Benzema veio multiplicar a sua qualidade. E o papel de Antoine Griezmann foi o exemplo paradigmático do salto qualitativo que os gauleses deram em relação ao triunfo no Mundial de 2018 com a geração que perdera o último Europeu.

Em determinadas fases do encontro, o avançado do Barcelona jogou como um falso ala direito a explorar as diagonais também conjugadas com as subidas de Pavard. Em determinadas fases do encontro, encostou mais no meio em Benzema dando o lado direito às movimentações de Paul Pogba com Kanté e Rabiot mais por dentro. Em determinadas fases do encontro, sobretudo na parte final, encostou mais à direita fazendo quase um papel de falso lateral direito com Pavard por dentro em linha com os centrais. Griezmann fez, e bem, o que a equipa precisava. E foi esse sacrifício que colocou a França num plano superior à Alemanha em termos coletivos.

Foi isso que se começou a ver na partida dos franceses contra a Hungria em Budapeste, que teve uma entrada mais forte dos magiares que levou Griezmann mais vezes para uma posição de auxílio a Pavard na direita sem bola. Depois, entre as linhas baixas montadas por Marco Rossi, Mbappé mostrou que começa a aprender a jogar melhor sem espaços, Benzema soube andar nos espaços entre linhas e Deschamps foi vendo a equipa falhar várias oportunidades entre defesas de Gulásci, remates ao lado de Mbappé (num deles após uma boa subida de Digne pela esquerda), tiros às malhas laterais de Pogba. O intervalo estava à porta mas ainda havia tempo para um autêntico golpe de teatro de uma Hungria que perdeu cedo Szalai, com Fiola a ir à frente, a combinar com Sallai, a tocar pela segunda vez a bola na área contrária e a inaugurar o marcador na Puskás Arena.

Aquilo que poderia ser um encontro fácil perante as oportunidades criadas tornava-se um desafio complicado para os campeões mundiais, que começaram com mais um remate perigoso de Pogba antes de Deschamps lançar Dembelé no lugar de Rabiot e ver o jogador do Barcelona acertar no poste após desvio de Gulásci. Foi também essa mexida que colocou de novo Griezmann pelo corredor central de forma mais constante, sendo nessa zona que apontou o empate aproveitando um corte incompleto da defesa contrária após cruzamento de Mbappé num lance onde a Hungria poderia ter evitado males maiores logo no início da jogada (61′). Ficou por aí. E o rock star Mbappé não apareceu nos minutos finais para corrigir aquele minuto em que foram na cantiga de Fiola.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O jogo a três toques

Para recordar

A forma como Antoine Griezmann voltou a ser o que a França precisava, quando precisava e onde precisava merece ser destacada. O golo que fez o empate foi importante, tendo em conta o que representou o empate no seguimento da vitória contra a Alemanha, mas o avançado voltou a cultivar um espírito altruísta que tão depressa o colocava a jogar nas costas de Benzema como a ajudar Pavard sem bola no lado direito, à semelhança do que tinha acontecido na estreia. O segredo da França passa por colocar no plano coletivo o leque de maior qualidade individual que existe e é com exemplos como Griezmann que se vais constuindo esse processo.

Para esquecer

A margem de manobra para jogos menos conseguidos na seleção francesa não é muito grande tendo em conta as opções que Didier Deschamps tem no banco. Sim, ok, alguns podem ter um encontro mau e não lhes acontece nada na partida imediatamente a seguir. Mbappé é assim, Griezmann pelo papel coletivo também, Kanté idem, pode haver mais um ou outro com esse estatuto. Rabiot não está nessa linha e é talvez um dos mais vulneráveis quando há Tolisso, Sissoko ou até Lemar no banco. Depois do encontro com a Hungria, onde acabou por sair de forma natural dando o lugar a Dembelé, o médio da Juventus esteve bem mais discreto do que com a Alemanha, nunca soube perceber como andar entre linhas baixas dos magiares e não teve chegada a zonas de finalização.

Para valorizar

A Hungria não tem propriamente muitos jogadores conhecidos, nem muitos jogadores que atuem nas ligas top 5 da Europa mas nem por isso se rende facilmente, como se viu no encontro de Portugal. Assim, a divisão entre um conjunto de jogadores abnegados, com espírito de sacrifício e grande entrega teria de ser feita pela coragem de arriscar ser algo mais do que isso e o prémio contra a França vai direitinho para Attila Fiola, lateral esquerdo de 31 anos que joga no Fehérvar desde 2016, ano em que se estreou em fases finais do Europeu: agarrou na trouxa depois de 45 minutos remetido à defesa, ganhou metros sem oposição, combinou com Sallai para aparecer nas costas de Pavard, tocou na bola pela segunda vez na área e rematou rasteiro para o 1-0 ao intervalo.