Desde que “Making a Murderer” estreou em 2015 e foi tema de discussão pelo mundo inteiro abriram-se as portas para um género que parece não ter fim. As séries documentais de crime acompanham histórias com tantos twists que seria impossível contar tudo num documentário de menos de duas horas. São mais sinistras do que qualquer thriller de Hollywood e os seus protagonistas são psicopatas que envergonham os vilões do cinema.

“I’ll Be Gone in the Dark” é um desses exemplos, tendo como objetivo encontrar um violador e assassino em série que durante décadas escapou às autoridades. A produção da HBO é uma das melhores dos últimos tempos e vai ter um episódio especial, com desenvolvimentos, a 21 de junho.

Quase todos os meses surgem novas séries documentais de crime mas nem todas são incríveis — “Crime na Comunidade Mórmon” ou “Os Filhos de Sam: Uma Descida ao Inferno”, por exemplo, têm relatos confusos e personagens menos cativantes. Por isso, o Observador selecionou aquelas que foram estreando nos últimos sete meses e que são mesmo obrigatórias. Deixamos-lhe só uma recomendação: consuma com moderação antes de dormir.

“I’ll Be Gone in the Dark”, HBO

Seis episódios

Esta série documental não é deste ano mas merece um lugar nesta lista porque está prestes a ganhar um sétimo episódio, que estreia a 21 de junho. Há novidades na história que se resolveu graças à obsessão de uma mulher, Michelle McNamara, que escreveu um livro no meio de uma tragédia que acabaria por apanhá-la também.

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“I’ll Be Gone in the Dark” centra-se num violador e assassino em série que, durante mais de 40 anos, conseguiu aterrorizar, matar e fugir sem deixar qualquer rasto. Pelo caminho ficavam cenas macabras e alguns sobreviventes que preferiam ter morrido.

A maldade de um homem e a brutalidade dos seus atos juntam-se aos relatos das vítimas, tão elaborados e revoltantes que desencadeiam em nós, espectadores, verdadeiras reações físicas. É preciso ter estômago para ver esta produção mas a sequência dos acontecimentos está tão bem contada que todos os minutos valem a pena para chegar ao desfecho inesperado.

O próximo episódio, que estará igualmente disponível na HBO, vai acompanhar uma sessão em tribunal e colocar frente a frente, pela primeira vez desde os crimes, o culpado e as poucas pessoas que sobreviveram aos seus ataques.

https://www.imdb.com/title/tt8259114/?ref_=nv_sr_srsg_0

“Night Stalker: Caça a Um Assassino em Série”, Netflix

Quatro episódios

Arrepiante. Se fosse preciso descrever esta série documental com uma única palavra, seria esta. Desde a natureza dos crimes à própria expressão facial do assassino, quando este é descoberto, é impossível não sentir o corpo a contorcer-se e a tremer um bocadinho.

Estamos em Los Angeles, anos 80, uma data de crimes começam a somar-se e a alarmar a comunidade. Raptos, violações, homicídios, vale tudo para um homem que passa anos a escapar à polícia. Umas vezes é por sorte, outras devem-se aos erros das autoridades, que chegam a ter oportunidades flagrantes para apanharem o suspeito. São desperdiçadas, claro, e tudo isso torna esta história ainda mais fascinante, apesar de macabra. A forma como acaba por ser apanhado junta uma sucessão de acasos que podia ter saído de um filme de suspense de Hollywood.

“O Estripador”, Netflix

Quatro episódios

Se partirmos dos anos 80, recuarmos mais uma década e viajarmos até ao norte de Inglaterra, encontramos outro serial killer que parece não ter sido mediático à escala mundial mas que, a julgar pelos crimes, merecia um lugar nessa lista.

Mais uma vez, tal como em “Night Stalker: Caça a Um Assassino em Série”, os erros sucessivos da polícia arrastaram um caso que podia ter sido resolvido em metade do tempo (e poupado muitas vidas).

“O Estripador”, como ficou conhecido, começou por assassinar prostitutas em zonas pobres. Os corpos eram esventrados, as cenas dos crimes eram assustadoras. No entanto, como se tratavam de prostitutas (consideradas mulheres de segunda categoria), ninguém parecia dar muita importância aos casos. Até que uma adolescente banal apareceu morta e aí começaram a soar todos os alarmes.

Apesar da caça ao homem que se seguiu, o desfecho acabou por ser pura sorte — cinco anos e 13 mulheres mortas depois.

“Cena do Crime: Mistério e Morte no Hotel Cecil”, Netflix

Quatro episódios

Expetativa: um hotel gigante no centro de Los Angeles, sonhado para ter glamour e charme. Realidade: um antro de droga e crime onde o próprio edifício parece ganhar vida para ser a personagem central de muitos acontecimentos sinistros.

Até o “Night Stalker” chegou a dormir lá mas não é ele que domina esta série documental. Aqui o que se investiga é o desaparecimento de Elisa Lam, uma estudante que troca o Canadá por umas férias na Califórnia. Quando se instala no Hotel Cecil desaparece sem haver qualquer pista do seu paradeiro.

As teorias da conspiração começam a somar-se, sobretudo quando são divulgadas imagens de segurança de um elevador, onde Elisa Lam parece ter um comportamento estranho e pouco coerente. Os detetives da Internet são mais rápidos do que a polícia a identificar coincidências e a desenvolver teses. O hotel passa a ser ponto turístico para meros cidadãos obcecados com esta história.

O final acaba por ser mais triste do que fantástico mas fica uma certeza: nunca reservar uma noite no Hotel Cecil.

“SanPa: Terapia Controversa”, Netflix

Cinco episódios

Numa fase em que o consumo de heroína subia exponencialmente em Itália, um homem chegou-se à frente para acolher os toxicodependentes, dar-lhes casa, comida, carinho e, assim, reabilitá-los. Vincenzo Muccioli era visto como um salvador, a quem os próprios pais de jovens viciados em drogas iam suplicar por ajuda.

San Patrignano, a comunidade que criou, era auto-suficiente. Tinha oficinas, vinhas, cavalos. Parecia um cenário idílico e era o último recurso para muitos que, ou iam para ali viver, ou iam parar à prisão — isto se não morressem antes. Começaram por ser dezenas, depois centenas, a seguir milhares. Havia quem dormisse à entrada dos portões vários dias, à espera de uma vaga.

As televisões, os políticos, toda a gente falava daquele local como um exemplo de sucesso. Mas — tinha de haver um mas — começaram a surgir relatos de pessoas presas contra a sua vontade (chegando a estar acorrentadas), violência, mortes suspeitas e negócios pouco claros. Aquilo que começou por ser um gesto repleto de boas intenções depressa se perdeu no meio da ganância de um homem, Muccioli.

“Pray Obey Kill”, HBO

Seis episódios

Em 2004 uma mulher é assassinada na pacata localidade sueca de Knutby. A poucos metros outro vizinho é ferido. Quando a polícia chega, começa a desenrolar um novelo bem mais complexo do que se podia prever inicialmente. Religião, relações extraconjugais, vozes do Além, um esquema que corre mal e uma comunidade onde tão depressa se protegem uns aos outros, como viram o jogo e trocam acusações.

A narrativa é conduzida por Anton Berg e Martin Johnson, dois jornalistas que vão recuperando os acontecimentos. A realização é de Henrik Georgsson, responsável por uma das melhores séries escandinavas dos últimos anos, “Bron — A Ponte”.

“Sob Suspeita: O Caso Wesphael”, Netflix

Cinco episódios

Um fim de semana em Ostende, zona balnear na Bélgica, acaba da pior forma para Véronique Pirotton. É encontrada morta no quarto de hotel que partilhava com o marido, Bernad Wesphael, um político relativamente conhecido.

Ele garantiu às autoridades que a encontrou inanimada na casa de banho mas rapidamente as suas declarações começaram a levantar dúvidas. Ao cenário sinistro juntaram-se relatos de outros hóspedes que ouviram confrontos, cartas, mensagens e amantes que levaram a investigação por vários caminhos.

Bernard Wesphael é um dos entrevistados na série e, apesar de ter havido um desfecho em tribunal, cabe sobretudo a quem está a ver decidir se os relatos deste homem são ou não credíveis.

“Nevenka: Assédio Sexual em Espanha”, Netflix

Três episódios

Esta série documental pode não ter cadáveres ou sangue mas é daquelas que não nos deixam dormir à noite. Aliás, é daquelas que nos deixam mal-dispostos por haver quem faça tão mal aos outros sem qualquer remorso, empatia e pouquíssimas consequências.

Muito antes de explodir o movimento #MeToo, de se ouvir falar em Harvey Weinstein ou Jeffrey Epstein, uma mulher teve a coragem de denunciar, pela primeira vez em Espanha, um caso de assédio sexual. E, se a sua vida já era um inferno até aí, não ficou melhor quando o escândalo rebentou.

Tudo começou quando Nevenka Fernández foi eleita vereadora na localidade de Ponferrada, em 1999. Ismael Álvarez, o presidente da câmara eleito, depressa demonstrou o seu interesse  por ela, primeiro com meros gestos de simpatia, depois com chamadas insistentes e um cerco que se foi fechando à volta da sua colaboradora.

Nevenka ficou tão fragilizada que até o seu aspeto físico se deteriorou de forma chocante. Quando decidiu expor Álvarez e levá-lo a tribunal foi engolida pela população daquela localidade, que venerava o então presidente.

O mais impressionante nesta série documental é perceber que tudo aquilo, que se passou há mais de 20 anos, podia perfeitamente acontecer hoje. Para muitos, as vítimas têm sempre algum tipo de culpa, estavam a pedi-las, deixaram as coisas arrastar-se porque quiseram e por aí fora. No final, Nevenka Fernández não teve sequer metade da justiça que merecia.