A pianista Olga Prats morreu esta sexta-feira, aos 82 anos, na sua residência na Parede, concelho de Cascais, vítima de doença oncológica. A informação foi confirmada à Agência Lusa pelo compositor Sérgio Azevedo, que era seu amigo.

Dizia que não podia “viver sem a música”, que a música era a sua “botija de oxigénio”, e a carreira que traçara apenas “parte” dessa dependência e desse gosto. A carreira, porém, duraria quase 70 anos (69, mais concretamente) tendo Olga Prats privilegiado a música de câmara, destacando a produção contemporânea.

Prats foi, desde logo, a primeira pianista a tocar e a gravar o argentino Astor Piazzola em Portugal e a divulgar o fado ao piano, nomeadamente as partituras de finais do século XIX e primeiras décadas do século XX de compositores como Alexandre Rey Colaço ou Eduardo Burnay.

O Governo, através da ministra da Cultura, Graça Fonseca, já lamentou a morte da pianista portuguesa — que em vida se manifestou por diversas vezes crítica do pouco investimento público na formação musical dos estudantes e das poucas condições dos espaços de ensino especializado.

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Em reação publicada na conta oficial do ministério da Cultura nas redes sociais, lê-se que a ministra “lamenta profundamente a morte da pianista e pedagoga Olga Prats, figura de relevo na arte de bem ensinar e na interpretação de inúmeros repertórios e estilos musicais, destacando-se a música de câmara e a produção contemporânea”.

Também o Presidente da República reagiu já à morta da pianista. Através de uma nota publicada no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa apresenta “condolências à família” de Olga Prats, que diz ter tido “a honra e o prazer de conhecer pessoalmente”.

Lembrando a frequência do Conservatório Nacional e os estudos posteriores na Alemanha, “onde em 1958 ganhou o prémio de melhor aluna estrangeira”, Marcelo Rebelo de Sousa vinca que Olga Prats “tocou com várias orquestras nacionais e internacionais e foi professora do Conservatório e da Escola Superior de Música de Lisboa”.

Estreou e gravou obras de clássicos e, sobretudo, de modernos, como Fernando Lopes Graça, Constança Capdeville e Astor Piazzolla, entre outros. Fundadora de diversos grupos musicais, entre os quais o Opus Ensemble, foi uma destacada figura da música de câmara em Portugal”, lê-se ainda na nota publicada no site da Presidência da República.

O velório da pianista realiza-se na segunda-feira na igreja paroquial da Parede, no concelho de Cascais, disse à Lusa o compositor Sérgio Azevedo. Na terça-feira é rezada missa de corpo presente, pelas 15h00, saindo o funeral para o cemitério de Cascais, segundo a mesma fonte.

O começo com apenas seis anos e os estudos na Alemanha

Nascida em Lisboa a 4 de novembro de 1938, Olga Prats começou a tocar mais regularmente piano aos 6 anos, tendo sido aluna particular de João Maria Abreu e Motta. Numa entrevista à agência Lusa, recordou que “havia sempre música em casa”.

Já em entrevista ao programa “Entre Nós”, da RTP, em 2002, Olga Prats contava que nem sabia “exatamente” dizer quando se começou a interessar por música: “Como a minha mãe era professora de piano, do que me lembro exatamente foi de a partir dos meus 4 ou 5 anos adormecer e acordar com um piano na frente, porque dormia na sala onde estava o piano e onde a minha mãe dava aulas. Sempre ouvi a minha mãe tocar e cantar — tinha uma linda voz —, os alunos dela… foi, como diz o anúncio, tão natural como a minha sede, tão natural como o respirar.”

Costumo dizer aos meus alunos que o que tinha de raro é que estudava muito. Uma criança que com seis anos agarra num relógio, põe em cima de um piano e está ali três horas seguidas tenha vontade ou não de sair… não é realmente normal”, apontava na entrevista à RTP.

O seu primeiro recital foi dado aos 14 anos, no Teatro Municipal de S. Luiz, em Lisboa, a 5 de maio de 1952. Prats frequentou Curso Superior de Piano no Conservatório Nacional, que apontou à Lusa como “a sua segunda casa”, e onde tinham sido alunas a sua mãe e uma tia, e um bisavô professor.

Terminado o curso, em 1957, continuou a estudar, prosseguindo e reforçando as aprendizagens em Colónia, na Alemanha — onde foi aluna de Gaspar Cassadó e de Karl Pillney — e em Friburgo, na Suíça, estudou com Carl Seeman e Sándor Végh.

Na Alemanha, onde foi bolseira do Governo alemão em parceria com a Fundação Gulbenkian, Olga Prats tocou com várias orquestras e recebeu elogios da crítica musical, tendo, em 1958, sido distinguida com o prémio para melhor estudante estrangeira.

A minha formação foi uma formação francesa e germânica. Tenho também sangue alemão, do lado da minha mãe, e o método foi a principal base: ser muito metódica e saber exatamente o que queria, estudando na direção da tentativa da perfeição — porque quanto mais queremos a perfeição, mais longe ela está de nós porque mais exigências vamos tendo”, chegou a dizer à RTP.

Em 1960, Olga Prats regressou a Portugal, tendo continuado a estudar com a pianista Helena Sá e Costa (1913-2006) e com vários outros pianistas. A formação devia ser, defendia inclusivamente, “uma coisa contínua, continuada” e “ouvir discos e ir aos concertos faz parte da formação” e da “cultura musical” que a profissão exigia.

O seu talento não passou despercebido nos meios académicos internacionais, tendo sido convidada para ser professora de piano nas classes de música de câmara de Paul Tortelier, Ludwig Streicher e Karen Georgian.

Olga Prats tocou com diversas orquestras, desde logo a da ex-Emissora Nacional, a da Gulbenkian, e a do Porto, mas também a Orquestra de Câmara do Festival de Pommersfelden ou a Sinfónica de Buenos Aires.

O interesse pela música de câmara e pela produção contemporânea

Ao longo da sua carreira, privilegiou a música de câmara, destacando a produção contemporânea. Este seu gosto foi passado a outras pianistas, designadamente a Gabriela Canavilhas, antiga ministra da Cultura.

Além de Lopes-Graça, foi também colaboradora próxima de outros compositores, como Constança Capdeville e Victorino d’Almeida, os quais lhe dedicaram várias peças.

Lecionou no Conservatório Nacional e na Escola Superior de Música de Lisboa (ESML) até novembro de 2008.

Olga Prats foi uma das fundadoras do Opus Ensemble, em 1980, e do ensemble de teatro musical Grupo ColecViva, em 1975.

No Opus Ensemble, que formou com o oboísta e maestro Bruno Pizzamiglio, a violetista Ana Bela Chaves e o contrabaixista Alejandro Erlich Oliva, atuou em várias salas de concerto internacionais levando sempre partituras de compositores portugueses como Croner de Vasconcelos, Armando José Fernandes, Ivo Cruz, Sousa Carvalho, Carlos Seixas e, naturalmente, Lopes-Graça e C. Capdeville.

À Lusa afirmou que participar no grupo lhe tinha “aberto horizontes”.

Olga Prats foi jurada desde a sua criação, do Prémio José Afonso, que anualmente, distingue um álbum inédito de música portuguesa, e foi também jurada em concursos de música erudita, tanto em Portugal, como no estrangeiro.

Em 2008, o Estado português reconhece a excecionalidade da sua carreira e o seu contributo para a Cultura portuguesa, tendo-a feito feita Comendadora da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

A patrona Olga Melo, Marquesa de Cadaval

Olga di Robilant Álvares Pereira de Melo (1900-1996), Marquesa de Cadaval, foi “a patrona mais importante para a Olga Prats”, segundo o seu biógrafo e amigo, o compositor Sérgio Azevedo, que disse à Lusa “que o nome da pianista foi uma homenagem à aristocrata” que durante anos patrocinou os Festivais de Sintra.

A intervenção da Marquesa de Cadaval foi aliás essencial para a família de Olga Prats lhe comprar o primeiro piano. “Sem a Marquesa de Cadaval, a Olga Prats não teria tido todas aquelas oportunidades que teve de estudar e conhecer músicos na infância e adolescência”, disse Sérgio Azevedo.

Sérgio Azevedo é autor da única biografia publicada da pianista, “Olga Prats – Um Piano Singular”(Bizâncio, 2007). Do seu biógrafo, também compositor, Olga Prats estreou várias obras, quer a solo quer com o Opus Ensemble, e com ele gravou também um disco.

No ano passado, celebrando 68 anos de carreira, Olga Prats juntou-se, num concerto, em janeiro, no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, a Artur Pizarro, seu amigo, Jorge Moyano, e ao britânico Nick van Bloss, com a Orquestra Sinfónica Portuguesa para interpretarem os concertos para dois, três e quatro pianos, de Bach, projeto que o CCB apresentou como “uma autêntica festa pianística”.