Jorge Jesus teve de enfrentar um pouco de tudo nos primeiros meses da segunda época na Luz. O treinador tinha as condições para consolidar os aspetos positivos que sobraram da temporada anterior, incluindo o sistema de três centrais que parece ter passado de plano B a A, mas aconteceu de tudo um pouco no Benfica desde julho, da demissão de Vieira no âmbito da operação Cartão Vermelho a todo o clima pré-eleitoral entre tentativas de compra de pelo menos um quarto da SAD por parte de John Textor. O futebol, esse, tem estado à margem de tudo. O mesmo futebol que numa semana tinha Rui Costa a negociar João Mário em Milão como administrador e que na seguinte via Rui Costa como presidente. Tudo foi superado.

Houve dois grandes segredos no arranque de época do Benfica só com vitórias no Campeonato e com a tão desejada (e importante) entrada na fase de grupos da Champions. Por um lado, a diferença de entrar com um ano de trabalho na Luz com Jesus e uma base que foi sendo apesar de tudo construída entre vários insucessos desportivos; por outro, a capacidade de blindar o balneário ao natural ruído externo, unindo-se para superar barreiras como aconteceu em Eindhoven. Apesar dos cinco avançados, os encarnados ficaram a dever muito à finalização nos jogos feitos na Primeira Liga mas tiveram o condão de mostrar uma equipa mais sólida em termos coletivos no processo defensivo, somando por vitórias os quatro jogos.

A paragem não foi a melhor notícia para Jesus mas as preocupações do técnico estavam longe de ficarem circunscritas apenas isso, tendo em conta as viagens longas que alguns elementos habitualmente titulares tiveram de enfrentar antes da estreia também na Champions, na Ucrânia. “Não tenho dúvidas nenhumas que devia ter sido adiado. Não sei se solicitámos isso mas tive essa conversa com as pessoas ligadas à estrutura, face a todo o cenário dos jogadores nas seleções”, admitiu Jesus. “Terça-feira temos de estar em Kiev para um jogo muito importante. Era uma defesa do futebol português, sinal que a Federação devia estar atenta a isto. Como não foi, temos de ir aos Açores. Preparámo-nos dentro do possível para aparecer nos Açores nas melhores condições”, acrescentou o treinador sobre o mesmo tema.

Otamendi e Lucas Veríssimo (este castigado na estreia na Champions) eram dois exemplos disso mesmo, tendo jogado na madrugada de sexta-feira e viajado de imediato para Portugal com viagem direta marcada para os Açores. “Tenho 90% da equipa na minha cabeça mas face ao que estes dois jogadores me disserem… Daqui a umas horas vou estar em contacto com eles e a partir daí vou definir a equipa. Só vou saber o estado físico depois, o feedback deles vai ser importante para mim”, explicou antes da partida de Lisboa para São Miguel. Ou seja, muito provavelmente o próprio esquema tático estaria dependente da resposta que os dois centrais sul-americanos. E era neste contexto que os encarnados procuravam defender a liderança isolada antes do clássico, sabendo que a nota artística era algo num plano secundário mas que apareceu.

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Depois de uma primeira parte onde a menor posse não impediu o Santa Clara de ter uma bola na trave e criar mais situações de perigo apesar da vantagem do Benfica no único remate enquadrado em 45 minutos, Jesus leu o jogo, percebeu o que faltava, lançou quem devia e colocou em Rafa a possibilidade de transformar três num quadrado como reza uma das célebres expressões do técnico. O internacional português, só no quarto de hora inicial em que esteve em campo, subiu automaticamente à categoria de MVP da partida. E foi com a presença dele nos três do ataque envolvendo sempre um dos laterais ou o médio mais subido que as águias encontraram a solução para um problema que se mostrou complicado mas que acabou com nota máxima.

Jesus recuperou o 3x4x3 que tinha abdicado na receção ao Tondela e chegou aos Açores com uma frente de ataque nova que juntava Everton, Darwin Núñez e Rodigo Pinho. O técnico prometeu oportunidades aos cinco avançados que ficaram no plantel e cumpriu, dando a primeira titularidade ao brasileiro que chegou do Marítimo. No entanto, raramente funcionou. Não pela qualidade do setor mas pela falta de ligação entre setores. E foi nesse espaço entre linhas que o Santa Clara construiu o seu jogo que até chegou a indicar ser suficiente para chegar na frente ao intervalo mas que “morreu na praia” no único erro coletivo feito.

Os encarnados começaram melhor, com capacidade para ter bola até chegar ao último terço contrário e uma tentativa declarada de assumir o domínio em posse. No entanto, era um futebol curto. E a primeira ameaça a uma das balizas chegou mesmo na baliza contrária, com Rui Costa a ganhar pela direita e a rematar já com pouco ângulo para Vlachodimos (10′). Weigl andava mais vezes a perceber que terrenos pisar do que a perceber por onde começar a construir, João Mário estava demasiado para o lado e quase nada para a frente, os centrais iam fazendo bem o seu papel e permitindo ainda assim que as boas saídas dos açorianos fossem depois transformadas em oportunidades. Com isso, o perigo voltou apenas aos 25′ e na sequência de uma bola parada, quando Cryzan não conseguiu aproveitar ao segundo poste um desvio inicial.

A seguir, e com uma separação de dez minutos, os dois momentos que começaram por definir o encontro: primeiro, uma saída de Vlachodimos que abalroou Mansur mesmo depois de tocar na bola, que valeu um amarelo ao guarda-redes com os visitados a pedirem expulsão e que deu a oportunidade a Lincoln para atirar à trave de livre direto (30′); depois, a primeira saída em transição bem construída pelo Benfica que terminou com um passe de Grimaldo a isolar Rodrigo Pinho na diagonal a explorar a profundidade e o remate certeiro do brasileiro entre Marco e o poste que fixou a vantagem mínima dos lisboetas ao intervalo (40′).

O avançado tinha tocado apenas sete vezes na bola até esse momento, sofrendo também quatro faltas. Por opção, poupança ou problemas físicos, acabou por ficar no balneário ao intervalo para a entrada de Rafa. O Benfica não fez propriamente uma grande primeira parte, longe disso, mas ganhou com o português em campo a entrada para um segundo tempo de luxo. Tão de luxo que deu para tudo entre a aposta de Gedson para o meio-campo, a estreia do último reforço Lázaro e oportunidades para todas as unidades mais adiantadas fazerem o gosto ao pé. Tudo, mais uma vez, assente naquilo que Rafa conseguiu trazer ao jogo.

A colocação do internacional português como o motor entre linhas para acelerar nas transições partindo de um espaço entre linhas que os açorianos foram deixando que se criasse com a vontade de subirem linhas e irem à procura do empate foi o dínamo de tudo. Everton, mais a cair na direita na primeira parte, mostrou-se bem mais ao jogo e fez a assistência para o segundo golo que abriu caminho à goleada. Darwin Núñez, solto mas mais pelo corredor central, fez o 2-0 (54′), ganhou confiança e contou com um pouco de sorte num tiro que valeu o 4-0 (62′). Diogo Gonçalves, João Mário e sobretudo Grimaldo foram a tal quarta unidade que tanto faltava para surgir na frente e criar os desequilíbrios no espaço em falta. Estava alcançada a fórmula para a maior goleada da época, com um golo fantástico de Rafa (58′) e o 5-0 final de Yaremchuk (68′).