Fármacos que imitam algumas das moléculas no fumo dos cigarros impedem o coronavírus de entrar nas células, conclui um estudo conduzido por uma equipa japonesa e publicado na Scientific Reports em agosto.

Os fumadores tem maior risco de doença Covid-19 grave do que os não fumadores — sobre isso não parece haver dúvidas —, mas o que intrigava os investigadores era, aparentemente, haver menos casos de infeção entre fumadores do que entre não fumadores.

O segredo estava, afinal, no fumo do tabaco, mais concretamente no facto de estas moléculas interferirem na produção de ACE2 — a proteína na superfície das células à qual se liga o SARS-CoV-2 para as infetar.

Como um detetive, os investigadores tiveram de seguir a cadeia de acontecimentos para perceber o que se estava a passar e como podiam usar essa informação em seu benefício — leia-se, usando fármacos (e não o fumo do tabaco) para evitar que o vírus entre nas células.

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Representação esquemática das moléculas que se ligam aos recetores AHR e impedem a produção de ACE2, à qual se liga o vírus — ©2016 DBCLS TogoTV/CC-BY-4.0

O fumo dos cigarros tem algumas moléculas (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos), reconhecidas como poluentes, que podem ligar-se a recetores nas células dos mamíferos (neste caso, recetores de hidrocarbonetos de arilo, AHR). A ativação destes recetores pode provocar problemas de saúde, como doenças cardiovasculares, e também, como verificou a equipa japonesa, aumentar a expressão de um gene que inibe a produção de ACE2.

Confuso? Imagine uma grande sala de comando onde se movem os interruptores para baixo e para cima. O resultado final é que quanto mais fumo de cigarro for “atirado” contra as células (na experiência) menos proteína ACE2 (a porta do coronavírus nas células) aparecia à superfície.

Usar fumo do tabaco para tratar doentes Covid-19 não é, naturalmente, uma opção, por isso os investigadores procuraram fármacos capazes de provocar o mesmo efeito nos recetores AHR (os interruptores que desligam a produção de ACE2).

Um derivado do aminoácido triptofano, o FICZ (6‐formilindolo [3,2‐b] carbazol), o omeprazol (usado para tratar o refluxo gástrico) e um conjunto de outras moléculas foram testadas, mostrando reduzir a produção da proteína ACE2. Falta saber qual a melhor nesta tarefa.

Os investigadores identificam como limitação desta abordagem o facto de não ser dirigida diretamente ao vírus (mas às células humanas) nem específica para o SARS-CoV-2, o que implica que teria de ser usada em combinação com outros tratamentos.

Agora que já completou as experiências com células em laboratório, a equipa da Universidade de Hiroshima quer avançar para os ensaios pré-clínicos (com animais de laboratório) e clínicos (com humanos).