O Conselho das Finanças Públicas (CFP) acredita que a economia portuguesa vai crescer 4,7% em 2021 (mais do que os 3,3% que indicou em março), alinhando as previsões com as novas perspetivas do Governo. Apesar de ainda manter oficialmente a previsão de 4%, o ministro das Finanças, João Leão, já apontou para um crescimento “perto dos 5%”, o que será refletido nas contas do Orçamento do Estado para 2022. Apenas o Banco de Portugal tem, neste momento, uma previsão mais otimista do que o CFP (+4,8%).
Para o próximo ano, o CFP também faz uma revisão em alta, mas de apenas duas décimas face às perspetivas de março. A entidade liderada por Nazaré Costa Cabral acredita que a economia vai ter um impulso de 5,1%, o mesmo que a Comissão Europeia já esperava em julho. Estes valores confirmam que “em 2022, o nível de riqueza de 2019 destruído pela pandemia será recuperado”. Também aqui já são superadas as contas do Governo (que espera, para já, 4,9%). E, mais uma vez, só a entidade liderada por Mário Centeno aponta para valores mais elevados (+5,6%).
Na base da revisão está, desde logo, a “incorporação do contributo da aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”, que funcionará, neste período, “como uma mais-valia a afetar as diferentes componentes do PIB, com destaque para o investimento e fundamentalmente o investimento público”.
Também “os desenvolvimentos económicos a partir do 2º trimestre de 2021” e o “levantamento das restrições à atividade económica num país com uma das mais elevadas taxas de cobertura vacinal do mundo” contribuíram para as melhores perspetivas do CFP.
Consumo, investimento e exportações em alta
A recuperação do consumo privado é importante para estas contas — está projetada uma subida de 4,5% em 2021, contra os 2,7% estimados em março, “traduzindo sobretudo a realização de despesas de consumo adiadas durante a crise pandémica e de redução dos níveis de poupança por motivos de precaução, num contexto de aumento da confiança das famílias”. Em 2022, “é esperada a retoma do consumo privado para os níveis observados no período pré-pandemia”, com um crescimento de 4,1%.
Já o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) deverá “recuperar para 5,9% em 2021, e para 7,1% em 2022, refletindo sobretudo a absorção dos fundos do PRR na economia, bem como a expetativa de retoma da procura interna e externa neste período e a manutenção de condições de financiamento favoráveis”. Em março, o CFP esperava uma subida do investimento de 3,4% em 2021 e de 6% em 2022.
São ainda esperadas melhorias nas contas das relações comerciais com o exterior, sobretudo a reboque da “forte recuperação” do segmento das exportações de bens e serviços, que deverá crescer para 10,3% em 2021 e 10,7% em 2022. Uma dinâmica que “reflete uma recuperação mais célere nas exportações de bens e uma retoma mais lenta nas exportações de serviços, em particular naqueles ligados ao turismo e atividades associadas, enquanto subsistirem as restrições às viagens internacionais devido à crise pandémica”.
As contas do CFP, que são feitas com base em políticas invariantes para a economia portuguesa (ou seja, tem em conta todas as medidas em curso ou já legisladas, não especulando sobre cenários alternativos), apontam ainda para um crescimento de 2,9% em 2023 (depois dos 4,7% e 5,1% dos dois anos anteriores), 2,2% em 2024 e 2% em 2025.
A verificar-se o nível de crescimento económico previsto para este ano, haverá reflexos no mercado de trabalho. É verdade que o CFP continua a antecipar um aumento face a 2020 — quando a taxa de desemprego se situou nos 6,8%, muito à custa das ajudas governamentais —, mas agora espera que a subida seja bem mais ténue, para 7,3% (em vez dos 8,3% que apontava em março). Este indicador poderá depois cair para 6,9% em 2022, 6,5% em 2023 e 6,4% em 2024.
CFP acrescenta umas décimas ao défice previsto em 2021 e 2022
Em relação às contas públicas, o CFP estima que haja uma “continuação da redução anual do desequilíbrio orçamental ao longo do horizonte de projeção”, tendo em conta a melhoria da atividade económica e uma progressiva normalização do funcionamento da economia. Ainda assim, para 2021, espera agora um défice com mais uma décima do que em março — 4,2% em vez de 4,1% —, por causa das medidas excecionais de resposta à crise.
Essas medidas deverão valer, em 2021, 2% de toda a riqueza gerada no país, um pouco menos (-0,3 pontos percentuais do PIB) do que tinha acontecido em 2020.
Para já, antes de uma eventual revisão na proposta de Orçamento do Estado que vai apresentar em outubro, o Governo espera que o défice fique em 4,5% este ano (estimativa feita em abril).
Para 2022, o CFP espera agora um défice de 2,4%, superior aos 2,1% que perspetivava em março; e 1,6% em 2023, que já fica abaixo da anterior previsão (-1,8%). Em 2024 (-1,4%) e 2025 (-1,3%), o défice poderá continuar a cair, mas, se o CFP acertar no cenário traçado, nem daqui a quatro anos o Governo conseguirá repetir os números de 2019, em que o saldo foi positivo pela primeira vez em largas décadas.
Em relação à dívida pública, muito influenciada pelo crescimento económico, “deverá descer ao longo de todo o horizonte de projeção, antecipando-se que atinja 114,1% do PIB em 2025”, ou seja, deverá diminuir 19,5 p.p. face a 2020. Só em 2024 se deverá atingir o nível de dívida que havia antes da pandemia, o que, em todo o caso, é uma melhoria de um ano face à previsão que o CFP tinha feito em março.
A “ilusão orçamental” e todos os outros riscos
Como habitualmente nestes relatórios, o CFP deixa vários avisos face a riscos que podem afetar a projeção feita. Por um lado, há preocupação com o “atraso nos processos de vacinação em economias parceiras ou aparecimento de novas variantes que venham a reduzir a eficácia das vacinas atualmente disponíveis, que poderão levar ao adiamento no levantamento de restrições, afetando negativamente a recuperação da economia, em particular por via do sector do turismo”.
A entidade liderada por Nazaré Costa Cabral tem ainda em consideração um eventual “atraso na recuperação da economia, que poderá aumentar o risco de insolvências no tecido empresarial e, consequentemente, o aumento do desemprego e a diminuição no rendimento das famílias”. Neste caso, associado ao elevado endividamento dessas famílias, “potencia o risco de incremento do crédito malparado, em especial após o término das moratórias, com impacto nas condições de liquidez da economia”.
Mas não só. O CFP avisa ainda para “o elevado nível de endividamento das empresas, das famílias e das administrações públicas”, que pode afetar as condições até aqui favoráveis de financiamento da economia. E para uma eventual execução do programa NextGenerationEU (a “bazuca”) que fique “abaixo do esperado” ou a “possibilidade do seu impacto no PIB ficar aquém do projetado”.
Da perspetiva das contas públicas, o PRR traz ainda “o risco de ilusão orçamental, ou seja, a ilusão de que a receita da transferência ou subvenção não tenha no imediato quaisquer custos para os contribuintes nacionais, estimulando assim, por parte destes beneficiários nacionais, o gasto público associado”. Ou seja, “no limite, pode até criar-se a (falsa) sensação de ausência ou relaxamento de restrições orçamentais, incentivando a realização de despesa, qualquer que seja, e relaxando os mecanismos de controlo e de avaliação da mesma”.
Ainda que o CFP admita que alguns destes riscos possam, apesar de tudo, “ser limitados”, se o desenho e a execução dos fundos forem bem feitos, a entidade que fiscaliza as contas do Governo lembra que “o atual contexto é de momentânea distensão da política orçamental, marcada por medidas de forte estímulo (de que o PRR é o exemplo cimeiro) num quadro de suspensão temporária de regras orçamentais”. Por outras palavras, pode instalar-se “a ideia de bem-aventurança económica durável e um certo relaxamento das restrições orçamentais”.
Não será caso para isso, segundo o CFP, porque “os problemas de fundo da economia e das finanças públicas portuguesas não estão resolvidos: a fraca produtividade e insuficiente capacidade de crescimento económico, subcapitalização das empresas e seu endividamento, o peso da dívida externa e, desde logo, da dívida pública”.
Na opinião do CFP, o controlo da despesa “é agora, mais do que nunca, essencial”, porque, mos próximos anos, “num contexto esperado de políticas orçamentais dirigidas à redução da dívida pública excessiva”, será necessário definir prioridades na despesa para “acomodar os custos orçamentais significativos, que se avizinham, da transição ambiental e digital (a somar aos custos do envelhecimento demográfico) e que, afinal, serão suportados pelos contribuintes”. É que “o PRR apenas financiará e no imediato uma (pequena) parte desses custos”.
Há também, no entanto, algumas hipóteses no horizonte que podem trazer notícias melhores que o esperado. É possível que haja “crescimento das contribuições sociais superior ao das remunerações (tal como se tem verificado no período mais recente), uma maior elasticidade da receita fiscal face às bases de incidência, uma menor execução de investimento público suportado por financiamento nacional ou um crescimento menos intenso das prestações sociais”. São fatores que se podem traduzir “numa evolução mais favorável do que o projetado para o saldo orçamental”.