O dia chegou: depois de um dos anos mais importantes da história recente da Fórmula 1, depois de penalizações, de acidentes, de discussões entre os diretores da Mercedes e da Red Bull, Lewis Hamilton e Max Verstappen decidiam finalmente quem era o novo campeão do mundo. O primeiro podia ultrapassar Michael Schumacher, carimbar o oitavo título e tornar-se o piloto mais bem sucedido de sempre; o segundo podia ganhar o Mundial pela primeira vez, ser o quarto mais jovem a alcançá-lo e provar que é mesmo a next big thing no automobilismo.

Hamilton e Verstappen chegavam ao decisivo Grande Prémio de Abu Dhabi completamente empatados no topo da classificação geral com 369.5 pontos — algo que não acontecia desde 1974, quando Emerson Fittipaldi e Clay Regazzoni também entraram totalmente igualados para a última corrida, sendo que o brasileiro acabou por levar a melhor. Com a certeza de que o dia 12 de dezembro de 2021 ia entrar na história do desporto, nem que fosse pelo facto de o mundo inteiro estar novamente a olhar para a Fórmula 1, os dois pilotos encerravam o Campeonato do Mundo com a sombra de um eventual acidente que pudesse desvirtuar a competição.

As notícias da derrota eram manifestamente exageradas: Max “Twain” Verstappen vira a página e consegue pole na corrida decisiva do Mundial

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“Acredito que todos aqueles que estão aqui a correr querem ganhar. E gosto de acreditar que todos querem fazê-lo da forma certa. Não gasto energia nessas coisas, estou aqui para fazer o melhor trabalho que conseguir. Vou prego a fundo com isso e não gasto energia em coisas que não estão sob o meu controlo”, disse Lewis Hamilton na antevisão, afastando a possibilidade de Max Verstappen provocar uma colisão para ser campeão do mundo através de um duplo abandono, já que tinha vantagem na classificação por ter mais vitórias.

“A nossa relação mudou muito no último ano. E não de uma forma positiva. Parece que só eu é que estou errado, as outras pessoas fazem exatamente a mesma coisa e não lhes acontece nada. Saímos ambos de pista e decidem que é culpa minha. Não concordo com isso. Não é como deve ser, não é justo porque parece que os outros pilotos podem fazer coisas diferentes e só eu é que sou penalizado”, completou o piloto neerlandês, mantendo uma postura muito conflituosa que só engrossava a expectativa para a corrida decisiva.

Na qualificação, depois de umas primeiras sessões em que parecia que o Mercedes estava mais rápido do que o Red Bull, Verstappen conquistou a pole-position e agarrou uma vantagem importante. Hamilton foi o segundo mais rápido, seguido de Lando Norris, Sergio Pérez e Carlos Sainz, e a estratégia de pneus da Mercedes passava pelo composto médio, sendo que a Red Bull apostava nos duros. Num dia que não deixava de ser também a despedida de Kimi Räikkönen, que deixava a Fórmula 1 ao fim de 20 anos, a organização do Campeonato do Mundo preparou um vídeo que contava com várias figuras do mundo do entretenimento que se dividiam entre o apoio a Hamilton ou Verstappen — Samuel L. Jackson ou Robert de Niro do lado do britânico, Martin Garrix ou Marc Márquez do lado do neerlandês. Na franja de apoio ao piloto da Mercedes, porém, aparecia George Lucas, o realizador por detrás do universo “Star Wars”, que deixava uma mensagem premonitória: “Que a Força esteja contigo”.

E a Força começou por estar com ele logo no início. Lewis Hamilton teve um arranque perfeito, deixando Max Verstappen para trás ainda antes da primeira curva, e assumiu de imediato a liderança do Grande Prémio. O neerlandês respondeu com um ataque muito agressivo, um autêntico mergulho que chegou a provocar uma ligeira colisão entre os dois carros, e Hamilton alargou a curva para fugir a um eventual acidente e sair à frente e com uma vantagem superior — a Red Bull pediu que o britânico devolvesse a posição, por ter violado os limites da pista, mas a FIA decidiu que o piloto da Mercedes foi forçado a sair mais largo para não bater e decretou apenas a eliminação da vantagem que entretanto tinha alcançado. Mais atrás, Sergio Pérez e Carlos Sainz ultrapassaram Lando Norris.

Até às paragens, persistiu a ideia clara de que o Mercedes estava mais rápido e de que só uma hecatombe poderia roubar a vitória e o Campeonato do Mundo a Lewis Hamilton. Max Verstappen foi às boxes na volta 13 depois de sentir desgaste nos pneus traseiros, regressando em quinto, e Hamilton parou de seguida — o que fez com que Sergio Pérez ficasse na liderança da corrida, realizando um trabalho extraordinário para travar o britânico quando este voltou à pista e encurtar a desvantagem do colega da Red Bull, que entretanto teve tempo para recuperar a posição. “Que animal”, ouvia-se na comunicação rádio. Cumprido o desígnio, Pérez foi também às boxes e deixou os dois candidatos ao título novamente na frente do Grande Prémio.

Por esta altura, aconteceu o que ninguém queria: com problemas nos travões, Kimi Räikkönen foi forçado a abandonar e não terminou a última corrida da carreira. Depois de um arranque vertiginoso, o Grande Prémio assentou e Lewis Hamilton ia eliminando voltas que o separavam do oitavo título mundial, persistindo a ideia óbvia de que Max Verstappen tinha de fazer alguma coisa para ainda poder sonhar com essa conquista. O abandono de Antonio Giovinazzi ditou a entrada do safety-car virtual e a Red Bull aproveitou para montar pneus duros no carro do neerlandês, com a Mercedes a optar por não parar o britânico quando este tinha cerca de oito segundos de margem de manobra — ou seja, arriscando 20 voltas finais em que Verstappen tinha pneus novos e ia forçar o ritmo até às últimas consequências.

O neerlandês foi conquistando segundos nas voltas seguintes, encurtando a distância de 17 para 11 segundos, e o destino ditou que o final do Campeonato do Mundo seria mesmo digno de filme de Hollywood: a cinco voltas do fim, Nicholas Latifi despistou-se e forçou a entrada do safety-car, deixando tudo completamente em aberto. Com a estratégia na mão, a Red Bull parou os dois carros e montou pneus macios, preparando o all in decisivo, enquanto que a Mercedes voltou a deixar Lewis Hamilton em pista para não perder a liderança. O safety-car só foi levantado mesmo a tempo de uma última volta competitiva e aí fez-se história — Hamilton e Verstappen arrancaram lado a lado, o neerlandês ultrapassou o britânico e nunca voltou a perder a liderança, vencendo o Grande Prémio de Abu Dhabi num final absolutamente épico e tornando-se campeão do mundo de Fórmula 1 pela primeira vez.

Nas restantes contas, a Mercedes ficou com o título mundial de construtores, até porque Sergio Pérez acabou por abandonar antes da última volta, e Carlos Sainz conseguiu resgatar o terceiro lugar para carimbar um pódio para a Ferrari no último Grande Prémio da temporada.