“Desertor”. Na Polónia não se estão a usar palavras meigas para adjetivar a saída do futuro ex-selecionador polaco Paulo Sousa, em vias de ser o novo representante português no Brasileirão, onde vai tomar conta da equipa do Flamengo (tendo recusado uma oferta do Internacional). A imprensa e os responsáveis daquele país não estão mesmo a poupar nas palavras e, além das opiniões de responsáveis ou ex-responsáveis federativos e figuras do futebol polaco, fica ainda a sensação de que, feitas as contas, a passagem de Paulo Sousa pela seleção da Polónia não foi positiva, saindo até numa altura muito sensível: faltam três meses para o confronto com a Rússia, do playoff de acesso ao Mundial 2022, no Qatar.

E se “desertor” estava bem patente na capa do jornal Przeglad Sportowy, o Sportowe Fakty  também, mais uma vez, não teve problemas em assumir posição no seu editorial: “Paulo Sousa mostrou que é um desertor, ingrato e perdedor. Não se comportou de forma correta com a federação, até porque numa reunião a 14 de dezembro garantiu ao presidente que não iria sair e estava apenas focado na Polónia. Não há nada de bom que se possa dizer sobre a sua passagem pela seleção do nosso país”. É um parágrafo, é um resumo. Essa reunião a 14 de dezembro com o líder federativo é um dos pontos que está a incomodar os polacos, visto duas semanas depois o português pedir a saída.

“Hoje fui informado pelo Paulo Sousa que queria rescindir o contrato com a federação por causa de uma oferta de um clube. Trata-se de um comportamento extremamente irresponsável, inconsistente com as declarações anteriores do treinador. Portanto, recusei firmemente”, escreveu Cezary Kulesza, presidente da federação, no passado domingo no Twitter.

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Mas não ficam por aqui as reações, a antiga estrela do futebol polaco e ex-líder federativo Zbigniew Boniek disse sentir que tudo é “estranho”: “Fiz dele selecionador nacional. É inteligente e conhece o futebol. A tarefa dele era apurar-nos para o playoff, algo que conseguiu. Por outro lado, no Europeu estávamos à espera de passar o grupo. Tenho de dizer que estou incrivelmente enojado e um pouco desapontado. Ouvi falar nessa chamada ao presidente da Federação, a dizer que queria sair. Os jogadores também já devem ter ouvido falar nisto e estão provavelmente surpreendidos”.

Por falar em jogadores, não há como falar da Polónia e não falar da figura maior e capitão daquela equipa nacional: o craque do Bayern Munique Robert Lewandowski, que tem 74 golos em 128 jogos pela Polónia. Ao site Interia, através da assessoria de imprensa, a posição do goleador-mor da equipa (e para muitos o melhor do mundo no último par de anos) foi (para continuar a vibe polaca) clara: “O Robert está chocado e surpreendido com as ações do treinador [Paulo] Sousa”.

Ainda esta segunda-feira, no jornal Meczyki lê-se que Paulo Sousa “não pediu desculpas a ninguém, não deu explicações aos seus colegas, nem aos jogadores”. “Nem escreveu no grupo de WhatsApp da equipa”, é acrescentado.

A novela acabou com o protagonista de fora: Paulo Sousa sai da Polónia, escolhe Flamengo entre duas ofertas e Jesus fica na Luz (para já)

Voltando a figuras do passado, Grzegorz Lato, grande goleador do Mundial 1974, disse ao Sportowe Fakty, já depois de prever que Sousa não duraria muito tempo no comando dos polacos logo a seguir ao sorteio da Liga das Nações, que, de certa forma, o português está a fugir do jogo com a Rússia: “De momento é um treinador frívolo para mim. É um pequeno escândalo. Ele quer sair porque sabe que não conseguiu nada aqui e não quer ver o seu nome associado a uma possível eliminação. No que toca ao Flamengo, sei um pouco de futebol sul americano. O treinador hoje está, amanhã já não”.

Também Franciszek Smuda, em declarações à imprensa polaca, citadas pela imprensa portuguesa, comentou a saída de Paulo Sousa, dizendo que “qualquer selecionador tem de ambicionar algo”. “Se ele fosse um treinador com ‘tomates’, nunca iria preferir trabalhar numa liga em vez de numa seleção. Treinar uma seleção é a maior honra que um treinador pode ter”, acrescentou.

Quem tem noção do que é a Polónia, mas também do que é o Flamengo, porque jogou no Mengão em 2004, é Roger Guerreiro, antigo internacional polaco (foi ao Euro 2008), naturalizado pela Polónia e nascido no Brasil. Também ao Sportowe Fakty, para surpresa do jornalista, Roger referiu que “Paulo Sousa vai colidir com uma nova realidade, porque a pressão vai ser muito maior do que a teve a treinar a seleção polaca”. “A pressão nos clubes brasileiros é enorme. E no Flamengo é dez vezes maior. Não há adaptações, se ele não ganhar os primeiros três ou quatro jogos, a imprensa e os adeptos não vão perdoar. Não há misericórdia lá. Ou começa a ganhar, ou depois de falta sucesso enviam-no de volta para Portugal”, acrescentou Guerreiro, que foi sincero sobre outro tema que está a fazer correr muita tinta… mas em Portugal: “Contudo, muitos esperavam o regresso de Jorge Jesus…”.

“É uma escolha pessoal, não sei o que motiva Paulo Sousa. Mas eu não deixaria a Polónia nesta situação. Jogaria os playoffs e depois decidiria o futuro, não faria isto”, referiu ainda Roger Guerreiro.